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Nina Horta

Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha

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A mulher na última ceia

Por ninahorta
06/04/12 12:23

     Já acordava em paz naquelas manhãs em que se pressentia a primavera. O seu dia não começava com o canto do galo, mas com o cacarejar das galinhas, com seu ciscar nervoso debaixo de sua janela, os pés raspando o chão com fúria. Lá, um dia desses, iria pegar a mais gordota e fazer dela um caldo de não mais se esquecer.

Mas era quinta-feira e era o dia de Páscoa, da festa do pão ázimo. Melhor faria em saltar da cama e ir cuidar de seus negócios.

Tinha mais era que dar graças a Deus por ter alugado outra vez a sala grande para uma ceia. No ano passado, o dinheiro viera a calhar, comprara mantimentos e até um lenço azul-rei que lhe continha o cabelo grisalho e rebelde. Desta vez o filho arrumara os clientes. O milagreiro e alguns amigos, ao que sabia. Queriam, além das coisas de costume, uma bacia e um jarro de água. Fácil. O filho se encarregaria da comida.

Pegou a vassoura mais rija e saiu para a limpeza. Era a época em que renascia nela uma vontade de ordem, de botar tudo abaixo, varrer, varrer, de fazer uma enxurrada clara passar pelo meio da casa arrastando com ela cobras e lagartos e qualquer sujeira outra. Ufa.
Odiava Jerusalém naqueles dias de sacrifícios. A Palestina inteira baixava nas ruelas, nas tabernas, invadia o templo, o mercado, ria, cantava, brigava, tudo muito alto, muito brilhante, um exagero. Risadas de vários matizes que soavam estranhas aos ouvidos dela. E os guias chamavam os peregrinos com bandeiras vermelhas, suados, apontando o caminho dos túmulos dos profetas. Avalanches de lixo. Não era coisa para mulheres velhas, não era mesmo.

Agora, o pior não eram nem as gentes, mas os bichos. Todos aqueles cordeiros a balir desesperados, agoniados, o ar quente como o de um braseiro, pêlos molhados de sangue coagulado, sangue por todos os lados, escorrendo em regos pela pedras, sangue juntando-se em poças, um terror.

Até que o cheiro de gordura queimada não lhe era repugnante, longe disso. Há uns tempos haviam comprado um daqueles animais de rabo longo e gordo, um carneiro de raça diferente. Os donos atrelavam um carrinho de duas rodas ao animal, que carregava assim seu próprio rabo para não feri-lo nos caminhos esburacados cheios de pedrisco e terra encruada.

Tinha ganas de rir ao ver assim os pobrezinhos, mas todos sabiam que a melhor banha de cozinhar vem da cauda gorda. E do jeito que a preparava, então… Derretia a gordura num caldeirão grande com pedaços de maçã, marmelo e cebolas inteiras. Ficava um óleo grosso, fragrante, que fazia boa toda a comida que fritava.

Ai, tantos pensamentos lhe vinham hoje à cabeça, havia que espantá-los para que o trabalho rendesse.

Limpa a sala, era hora de forrar as almofadas e cobrir a mesa baixa. Tirou os linhos do baú, linhos cheirosos que de vez em quando abria ao sol. Passaria as toalhas a ferro. Parou, olhou, pensou um pouco e decidiu que gostava mais delas assim, marcadas nas dobras cuidadosas.
Desceu a escada que saía por fora da casa, lá de cima, do segundo andar onde estava a sala, e que levava direto à horta. Desceu até que lépida, mas de costas, segurando com força os corrimãos. “Chô, chô, galinhas, nada de querer entrar além da cerca, a comer meus verdes. Já me bastam os moleques, nestes dias. Saltam o muro para colher as alfaces, o agrião, o manjericão, os rabanetes e saem a vendê-los pelos olhos da cara para a ceia. Mas não as daqui de casa, seus marotos. Não as daqui.”

Juntou um molho de coentros, o restante da chicória que as lagartas enchiam de furos e arrancou do mais profundo da terra uma raiz. Deixou a romãzeira por último. Quebrou com cuidado dois galhos fortes e limpou-os das folhas. Os homens espetariam o cordeiro em cruz e o assariam sobre brasas. Levava muito tempo a assar, e a carne se enternecia, tornava-se doce, quase soltava dos ossos, boa para comer com o pão e a verdura.

Haveria mulheres e crianças na ceia? Nos outros anos, sim, e um dia antes já a haviam convidado a festejar com eles. Bem, ficaria por ali, a ver.

Foi saindo da horta, fechou com cuidado o portão arruinado e viu lá longe os homens que se aproximavam como que curvados sob o peso do cordeiro e de outros apetrechos. Teve um arrepio fundo, de tripas, e correu a beber água fresca.

Prá lá doenças e arrepios. Dia de Páscoa, de esperança, de agradecimento, queria se arrebentar de ser feliz, de comer e beber e cantar hinos.

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finger food

Por ninahorta
03/04/12 00:19

Foto e produção Márcia Mesquita

     A coisa mais cheia de modinha é comida. Está na moda o finger food. Moda na boca das pessoas que mandam email pedindo festas. O que é finger food para uma geração inteira? Não sei. A palavra é inglesa e traz confusões no Brasil. Para se comer com os dedos. Ou com a mão, em português. Já contei da minha tia velhinha pintando só uma unha, a do indicador para ir a uma festa de criança.

-“Mas o que é isso, tia?”
-É a unha de pegar docinho”, replicou ela, encabulada.

Então, as pessoas querem finger food. Pois os convidados estão geralmente mal acomodados e querem beber e comer. O que ficaria resolvido, com um copo numa das mãos e o canapé na outra. Não adianta pedir finger food na mesa. Só numa festa muito pequena. O pão da base vai se encharcando, os cones se desenroscam, e tudo precisa ser trocado de quinze em quinze minutos.

Por azar não dá muito para inventar canapés. Estão todos inventados. Logo no começo do buffet, ainda completamente desconhecido, alguém da Globo telefonou pedindo um coquetel incrementado para umas oitenta pessoas. A emoção foi tão grande que inventei todos os canapés, queijos, crudités, molhinhos, naquele dia. Todos.

Vocês já repararam quanto é difícil um canapé novo? Pode-se trocar a cesta de um para o recheio de outro, misturar, mas ter uma idéia boa de verdade é quase impossível. Ao longo de uma vida conseguimos umas três novidades, o resto já brilhava no azul do firmamento há muito tempo.

E como sou enganada pelos livros! Sai um novo afirmando que os achados são infinitos. Compro. Igualzinho o nosso coquetel da Globo sem tirar nem por.  Não entendo como têm coragem de enganar a gente daquele jeito.

Acontece, também, que nos Estados Unidos, onde os coquetéis são mais comuns, não é necessário que o fingerfood seja tão pequeno quanto o nosso.Comem asas de galinha, costelinhas agridoces, o que ajuda muito.

Eu enjoei de canapés. Gosto muito de uma ou outra cestinha recheada, mas preferiria muitas vezes que fossem passados pratinhos pequenos, no máximo três, com uma entrada. As três entradas juntas valem por 30 canapés e satisfazem mais, e não misturam em menos de uma hora todos os ingredientes dentro de seu surpreso estômago.
Acaba-se tendo que fazer os tais de canapés (pedacinho de pão com os ingredientes por cima), ou qualquer bocado que se consiga enfiar inteiro na boca, pois é um tradição muito forte.

Atualmente temos preferido uma mesa posta, um buffet de entradas, que substituem o coquetel. Pode ficar até o fim da festa.
Passam-se, enquanto isso, os pratos feitos.

Outro problema. O prato feito era o PF de cada dia e tinha uma conotação de pobreza, de marmita. Num casamento não se oferecia prato feito. Só que tudo mudou, minhas meninas. Reparem nos restaurantes. Quanto mais careiro e famoso mais prato feito tem. São os pratos com design de autores, feitos com luvas, com pinças, com a mão mesmo. O PF hoje em dia é o único, é o grãfino, esqueçam-se do sopão, do bar barato. Hoje nada mais nada menos de que Ferran Adrià, Atala, Helena Rizzo, só servem prato feito, capito?

Apareceram as cumbucas, os pratinhos, as taças. Implico um pouco, mas nem sei o porquê. É muito racional, fica gostoso de comer com garfinho pequenos, elimina a base de sustentação que é o canapé.Só que não dá para beber e comer ao mesmo tempo, com as duas mãos ocupadas. Não dá para parar de beber um pouco só e comer? Deveria dar.

Outro problema são as filas, todo mundo odeia as filas de casamentos.Um buffet para 50 a 80 pessoas conforme o serviço. Dá fila assim mesmo. Por que todos precisam se levantar à mesma hora? Acho que é medo da comida acabar (não tem perigo), ou divertido, mesmo. Na fila você se encontra com todos, trocam nostalgias, futuros, dá uma boa pernada de conversa no buffet.

E fila, ainda por cima, é imprevisível. Fizemos um jantar brasileiro numa fazenda para 15 convidados. A dona da casa pediu comida desde o Norte até o Sul, para que os gringos tivessem uma panorâmica do Brasil. Pois não é que sentados numa mesa só, levantaram-se juntos e fizeram uma filinha na beirada da mesa? Não tem jeito.

O que ajuda a amenizar este problema,é a mesa de entradas posta desde o começo da festa. A pessoa entra e já vê suas coisas preferidas, à vontade, numa daquelas mesas. Já diminui a ansiedade.

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Gordon Ramsay, o que embala nossas noites

Por ninahorta
29/03/12 18:31

Sabe aquela criança que você tem que fazer dormir e ela pede sempre a mesma história que sabe de cor? E então, você, já com mais sono do que a ouvinte pula um pedacinho, que não tem a menor importância, que o sapo bateu na porta, toc, toc, você só pula o toc e já põe o sapo pra dentro. A criança que parecia embalada, acorda como se tivesse levado um choque, indignada, “e o toc, toc?”
Acho isso bastante parecido com nossa TV de adultos. É tudo igual, dizem alguns. Uma droga e tudo igual. Mas, respondo. Vocês já tiveram a sensação de entrar no quarto para dormir depois de um dia de surpresas e trabalho, enfiar um pijaminho de flanela velho, olhar para a cama posta com lençóis limpos e muitos travesseiros macios, o último refúgio do guerreiro? Um lugar onde não será incomodado, onde vai poder ler, rezar, cantar, fazer o que quiser, ou assistir um programa de gastronomia, seu hobby apaixonado? É como se uma fatia de mundo fosse inalcançável, só sua, o canto da felicidade. E daí você vai ligar a TV. Vai ser numa entrevista sobre neurônios, ou naquele programinha besta que você assiste há anos, o entrevistador é o mesmo, o cenário mudou um pouquinho, as perguntas são tão semelhantes que é perigoso o entrevistado responder antes de ser perguntado?
Esta introdução toda para falar nos programas de comida, na TV. Não sou a rainha deles, mas vejo bastante.


Passei uns tempos na Inglaterra há uns oito ou dez anos e me hospedei num apartamento que ficava ao lado do restaurante onde o Gordon Ramsay era o chef. Estava às moscas, pois ele  acabara de ir embora levando toda a brigada. E na época a moda era dizer que ele era um patrão intratável. Fiquei meio desconfiada porque a brigada não segue um mau patrão. Comecei a procurar, conversar, e na verdade o que me pareceu é que era um excelente cozinheiro e muito exigente. E que trabalhar para ele valia estrelas no currículo.
Só um parênteses. Nessa época encontrava-se o Jamie Oliver, de motocicleta em todo lugar que se ia. De capacete, parava na frente do restaurante e já enveredava para a cozinha, almoçar ou jantar com o chef. Cheguei a encontrá-lo duas vezes ao dia, à tarde num restaurante italiano e à noite num chinês de dim sum, acompanhando um cara bonito, vestido daquelas batas como o Cosac ou o Naify. E seu programa já era visto por todos, mas como o meu flat era num condomínio meu marido não deixava aumentar a TV e eu só via, não escutava nada. De lá para cá não mudou muito, e a diversidade de assunto, a receita diferente, são a única diferença de um programa para outro, mas tudo bem, ele está ali para ensinar a cozinhar.


Já o programa do Gordon Ramsay segue um roteiro escrito por alguém que entende desta coisa de repetição.
O roteiro é absolutamente igual na série inteirinha. Gordon chega numa deliciosa cidade do interior da Inglaterra para ver como anda um restaurante que solicitou os seus serviços por estar com problemas. Chega e , já na entrada a decoração o incomoda, afinal está numa cidade à beira-mar, o que significam aqueles quadros de caça na parede? Senta e pede a comida. O cozinheiro, orgulhoso, manda o que faz melhor. Ramsay quase morre de nojo e de raiva. Como é que um cara pode cozinhar tão mal e se desviar deste modo de suas origens e das origens do lugar?


Há uma conversa tensa, Gordon pede que limpem a cozinha e joguem fora tudo o que está lá. Vai visitar a cidade, vê que eles tem o melhor cordeiro da região, que o entorno da cidade é todo plantado de ervilhas, que as árvores estão se dobrando de tantos pêssegos. Volta ao restaurante e elabora um cardápio pequeno e enxuto, só de cordeiro preparado de três maneiras, uma sopa de ervilhas, e um sorvete de pêssegos com a fruta cortada na hora misturada à calda. Só, Não vai haver com o que se preocupar. O chef fica zangado, arranca o avental e vai embora e o sub chef entra e prepara na perfeição o jantar que é saudado pelos clientes como delicioso(antes o Gordon Ramsay já inventou um jeito de convidar as pessoas para este jantar, ou grelhando um cordeiro na rua e fazendo com que as pessoas experimentassem ou oferecendo um jantar pela metade do preço). Vai-se embora nos anúncios e volta depois deles para ver como está funcionado o restaurante. Maravilha! E sabe quem voltou para a cozinha? O chef zangado que se arrependeu e agora compartilha a chefia com seu ex sub chef. O dono e a dona não cabem em si de contentes e o rosto enrugado de Gordon se permite um desenrugar feliz. Fim do programa.
E não são todos assim, exatamente iguais? Imagine o dia em que ele chegasse e a comida fosse ótima, e o cozinheiro obedecesse as suas ordens e o patrão fosse um anjo, qual a graça para nós que queremos dormir ao som do roteiro tão conhecido que não atrapalha o sono de ninguém?
O engraçado é que já foi feita outra série em que Gordon mostrava a sua casa, seus filhos, como fazia a comida, como ensinava às crianças a criar e a a matar os bichos com muita naturalidade e compaixão.Era um ótimo programa.  Ele, não podemos negar leva jeito para a TV. Sempre digo, que para fazer o cozinheiro da TV não é preciso ser cozinheiro, é preciso ser ator. E o Gordon Ramsay é as duas coisas, um grande cozinheiro e um bom ator e acho que tem arrastado sua asinha para a TV, pois deve dar muito mais dinheiro que um restaurante inglês, dependurado em clientes muito ricos.


Outra série dele é sobre cozinheiros que se matam para conseguir um primeiro prêmio. Este é o mais chatérrimo de todos, porque não se vê receita nenhuma só os caras cozinhando e correndo de cá para lá, um falando mal do outro, e o Gordon Ramsay fazendo papel de carrasco grosso  no fim.
Só pode ser pela repetição que agüentamos. Tudo igualzinho, todo dia, quero dormir, não quero saber que outro avião caiu, que logo ali mataram cento e vinte. Onde está o príncipe, com a mesma fala e a mesma cara que embala minhas noites? Gordon Ramsay não me deixe com pesadelos, seja o sapo comportado de meu conto de fadas.

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HISTÓRIAS DE BUFFETS

Por ninahorta
28/03/12 00:37

Continuando a história dos buffets, vamos aos anos 90.

As coisas se complicaram um pouco quando os clientes começaram a ficar insatisfeitos com os espaços. Os espaços de suas casas e lojas já não impactava. Era preciso fazer uma tenda marroquina no vizinho. E lá fomos nós, arrastando nossas galinhas exaustas, nossos fogões capengas, para a Fábrica, o Circo, o Matadouro, o Moinho, o Mercado, para a Ilha Deserta, o Museu de Cera, o Hotel no Meio do Rio, Porões, Telhados. Corredor de Platéia, todos os Palcos, Estações de Trem e de Metrô, só nos faltavam os Esgotos de Paris. Sem esquecer a Bolha Inflável com capacidade para mil pessoas. Ah, a Bolha Inflável… Lembram-se da Bolha Inflável? Um dia votamos a ela.

O mais difícil, no entanto, foi a moda da comida Tamara de Lempicka, peripatética, que se desenrolava em vários níveis. Difícil também é estar no Mercado e ter de transformá-lo na Ópera, ou estar na Ópera e transformá-la em Mercado, quando poder-se-ia fazer o evento já no lugar mais adequado ao produto.
Para que se tenha uma idéia, a secretária nova, a quem nada espantava, digitou um cardápio a ser dado de presente a alguém que nos fez um favor e que mal conhecíamos. Uma pequena gentileza. Revendo distraidamente o menu, vimos, depois da descrição da comida, um adendo. “Bares com garçons performáticos: cabelos curtos pintados de dourado, avental cor de sangue e alpinistas acrobatas subindo pelas paredes do prédio.”
Misturou dois eventos!!!!! Juro por tudo o que é sagrado. Já imaginaram o susto do presenteado, que não esperava mais do que um picadinho de carne com farofa?
E a França, então, com sua tradição de arte e comida? A Fundação Cartier fez exibições de arte comestível. Centenas de pessoas faziam fila para os laboratórios de comida. Enquanto comiam batatas, refletiam sobre a fome no mundo com fundo musical de mastigação. Uma das sessões teve o convite impresso numa hóstia comestível. Na festa pegavam-se legumes amarrados em barbantes que eram puxados pelos convivas sobre um tapete de guacamole espalhado num plástico.
Nos bufês de Nova York não há mais o que inventar. A última foi um garçom todo cheio de furos no uniforme de onde saiam espetos com comida. Nas mãos, segurava a vasilha com a pasta na qual os convidados passavam o espeto.
Nós, os buffets,  enfrentamos esta criatividade à solta com galhardia, prazer e até com graça. Às vezes, cansados, cambaleando de novidade em novidade, com a cabeça inchada de arquétipos, logos, origamis, papier maché, vidros, cerâmicas, olhamos para trás e chegamos à conclusão que tudo bem. A primeira festa à fantasia, muito louca, foi com certeza a da arca de Noé.

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OS SETE FOGOS DE FRANCIS MALLMAN

Por ninahorta
25/03/12 23:47

Francis Mallman que vai abrir um restaurante em Trancoso chegou antes com seu livro SETE FOGOS – Churrasco ao estilo argentino. Antigamente livro de mesa era considerado gastroporn, sedutores sem conteúdo. A idéia mudou porque mudamos nós e a apresentação da comida. Com a nouvelle cuisine não conseguimos mais oferecer um prato com uma rabada cheia de caldo, desmanchada sobre uma polenta com agriões murchos. Não dá nem vontade de comer. O oposto é um rabicó empinado, com uma cumbuca de angu e ao lado o agrião orgânico e verde. O molho, um risco grosso no prato. Dá vontade de comer, mas saímos com uma dúvida, será que é essa a rabada comme il faut? Dá uma certa nostalgia da feiúra. Nossos olhos querem beleza, nosso estômago quer sabor. Com o tempo vai haver o equilíbrio. Enquanto isso aprendemos a fazer churrasco com o argentino, não é mais preciso seguir o cheiro da carne assando no fogo até o vizinho. Nós também podemos dar água na boca de todo quarteirão.


É isso. Mallman, com fotos de Peter Kaminski, excelentes, nos dá sete caminhos para cozinhar ao ar livre: churrasqueira, chapa, infernillo,forno de barro, rescaldo, asador e caldeirão. São explicações técnicas mas nada maçantes. Prometeu roubou o fogo sagrado, Mallman passa adiante os jeitos de usá-lo um pouco mais civilizadamente, mas sempre com um olho nas origens.


As entradas. Nós todos sabemos como o mau churrasqueiro nos deixa esfomeados antes de servir o cupim. Sem salvação atacamos as linguiças, a farofa, os pães, a manteiga, os pães de queijo, o vinagrete, as caipirinhas. Não sobra fome. Mallman depois de resolvida a nossa fogueira vai para as  entradas que também são feitas na churrasqueira, mas com delicadeza. Pêra e presunto ibérico; figos frescos com mozzarella; bruscheta de tomate queimado; ricota queimada. (Não acredito em horóscopo, mas me deram um livro sobre a comida dos capricornianos, como eu. Pois não é que estava tudo lá? Com o detalhe de que o capricorniano adora queimados. Casca de batata ao forno, beirada de pizza, etc e tal. Tudo aquilo que as pessoas deixam no prato é o pitéu do capricorniano. Acertaram e pelo jeito o Mallmam é do mesmo signo).

Beterrabas ao murro. Uma pamonhazinha jeitosa.

O bife perfeito. Quer saber se um restaurante é bom? Peça um bife com batatas. Se sair perfeito é candidato ao Michelin.  E o Mallman ensina.

E lá se vão todos os bichos de pena ou pelo rebolando no fogo do churrasco. Morte digna, se tem que morrer um dia que seja num sacrifício ao prazer.

Os frutos do mar. São os que mais tentam. Polvos, lulas, peixitos e peixões.

Quando o Mallman esteve aqui orientando o Figueiras deixou discípulos de sua carne, mas muitos e muitos discípulos de sua batata. Vários tipos e todos bons. Uma seguidora  é a Paola do Arturito que faz as melhores batatas que conheço. E mais laranjas queimadas com alecrim, sobremesa de leite queimado, eta Capricórnio!

Receita de Tiras chamuscadas de batata doce.

Estas tiras podem ser servidas no lugar das batatas fritas com qualquer carne, desde um bife grelhado até peixe ou frango assado. Têm um bom equilíbrio entre o torrado e o crocante, são saborosas e levemente doces. Além disso, tem uma cor atraente.

Rendimento, 4 pessoas
3 batatas doces grandes, bem lavadas.
¼ de xícara de azeite de oliva extravirgem
Sal grosso

Com um cortador, cortar as batatas doces em sentido longitudinal em tiras de 3 mm de espessura. Misturar com o azeite de oliva.

Aquecer uma chapa grande de ferro fundido em fogo moderado a forte até que uma gota de água jogada na superfície espirre. Trabalhando em porções, colocar as tiras de batata doce na superfície da cocção, em uma só camada e deixando espaço suficiente entre elas e cozinhar, sem mexer, por 4 minutos, até que fiquem chamuscadas na base. Virar e cozinhar por mais uns dois minutos até que fiquem macias. Servir imediatamente polvilhadas com sal grosso.

Os livros de cozinha, quando são resenhados imediatamente depois de saírem, têm um problema, que é o de receitas que não foram experimentadas pelo autor da resenha. Mas, veja a crítica abaixo, do Josimar, onde ele mostra que o Mallman, no Uruguai demonstrou ao vivo as suas técnicas.

Resumo da ópera – Eu compraria o livro. Mesmo que fosse só para inspiração. Muito bem feito. Para quem está começando a mexer com carnes, imprescindível. Para os sabidos, bom para conversar com ele, sopesar, comparar com outros.

Matéria do Josimar.

Chef argentino demonstra técnicas em praça uruguaia
Francis Mallmann faz apresentação em povoado a 30 km de Punta del Este
Técnicas de cocção de seu livro, “Sete Fogos: Churrasco ao Estilo Argentino” puderam ser vistas ao vivo

JOSIMAR MELO
Um livro sobre técnicas de assar poderia ser acadêmico, explicando na teoria como utilizar o calor em diferentes cocções. Mas, no domingo, o livro “Sete Fogos: Churrasco ao Estilo Argentino”, do chef argentino Francis Mallmann (com o jornalista Peter Kaminsky), foi dramaticamente colocado em prática.
Aconteceu em território gaúcho (o Uruguai), onde o autor preparou carnes e legumes segundo as diferentes técnicas explicadas na obra, literalmente em praça pública: foi na praça central (e única) do povoado de Garzón, a 30 km de Punta del Este.
Era o ápice do evento Punta Food & Wine Festival. Mas, no lugar das refeições dos dias anteriores, assinadas por chefs internacionais (como a brasileira Mara Salles) em ambientes elegantes, o almoço se deu na empoeirada praça. Pois é ali em Garzón (você não vai achar no Google Maps), num cenário de faroeste longe de tudo, que fica o charmoso e improvável hotel e restaurante de Mallmann (que tem também casas em Buenos Aires e Mendoza).
E foi ali, em buracos nas ruas de terra, ou em grelhas e fornos diante do seu hotel, que ele pôs à prova os fogos do livro, provados por cerca de 500 visitantes do festival.
O livro retrata o momento de um chef que, quando o conheci, há mais de 20 anos, usava cabelo new wave e fazia nouvelle cuisine francesa. Agora calvo (mas cabeludo), faz uma cozinha ancestral e rústica do seu país.
Como referência aos paulistanos, Mallmann inspirou os gigantescos fornos de barro do Figueira Rubaiyat -e é o mentor da cozinha feita em fornos no Arturito.
Em tempo: as técnicas expostas no livro (com indicações de como usá-las em casa, em mais de cem receitas) são: a churrasqueira (parrilla), a chapa, o infiernillo (fogo em cima e embaixo), o forno de barro, o rescaldo (brasas e cinzas mornas sobre os alimentos), o asador (fogo de chão) e o caldeirão.

SETE FOGOS: CHURRASCO AO ESTILO ARGENTINO
AUTOR Francis Mallmann
EDITORA V&R Editoras
PREÇO R$ 89,90

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Descartáveis nada feios

Por ninahorta
24/03/12 00:37


Alguma coisa está acontecendo no mercado dos buffets, diferentes das que aconteciam antes. Há dez anos era mais fácil o mundo cair do que alguém nos chamar para fazer uma festa de dez pessoas. Acho que todo mundo entende que uma festa desse tamanho fica especialmente cara. Sair do buffet carregando aquela tralha, conservar-se dentro do preço do mercado, vai te dar R$ 100.00 de lucro, o que não compensa a viagem.

O que faz, então, a mulher que vai receber o chefe do chefe do chefe do marido? A empregada vai chispar para casa às quatro da tarde e ela fica com a incumbência de estar bonita, à vontade, com a mesa pronta, a comida deliciosa, a conversa solta. Não dá. Então chama um buffet que só pode cobrar caríssimo, pois que lucro é possível em torno de dez pessoas?

Para evitar que o cliente pague tanto já pensamos em fazer vendas de jantares. E fizemos para uma cliente muito querida, que perdemos. Pois chegou tudo lá em saquinhos de sous vide, com instruções, mas no imaginário dela já chegariam as coisas prontas em lindas panelas. Não dá, por questões de higiene, e não dá mesmo sem higiene, é tudo difícil de montar para ficar bonito.

A coisa, então, seria mandar o jantar com um cozinheiro junto. Já experimentamos, também, mais ou menos, geralmente a cliente está acostumada com serviço impecável e fica estendendo os braços para pegar o uísque que está paradinho lá no bar para ela ir buscar e um cozinheiro só está lá dentro da cozinha.

Uma vez fui a Londres, aliás a Oxford e houve um jantar num palácio dos mais bonitos que já vi. Tipo teto de ouro. Meninos, nem conto. Por menos frescura que se tenha, aquele teto dourado, as pinturas das paredes e nós comendo em pratinhos de papel e bebendo em copos de papel. Não eram daqueles bonitos que existem hoje quando você nem sabe que não está com cristal na mão.

O fim da festa é realmente um alívio, jogar tudo fora e pronto. Sobram umas panelas para lavar mas alguns rapazes estudantes ganham uma graninha para fazer esse serviço.

Aqui vamos custar muito para nos livrarmos desse estigma de colonizados e vamos continuar fazendo festas de 3000 pessoas com 10.000 copos de cristal ou mais. O cliente não vai ficar nada contente com as quebras, não, mesmo, como é possível lavar esses copos na cozinhas precárias que usamos?

Quem de nós festeiros vai ser o primeiro a botar a boca no mundo e começar a se recusar a fazer festas enormes com louça muito quebrável? Quanto dinheiro estamos desperdiçando, quantos problemas evitaremos para o cliente? As cozinhas não são feitas para acomodar a louçaria quebrável. Nem são cozinhas, na realidade, mas simulacros delas.

Imagino que aos poucos vai. Primeiro taças, depois copos, devagarinho faremos todos entenderem que já se foi o tempo das frescuras e do bando de empregados. Festas muito chiques são casamentos, são recepções. Nas festas de fim de ano, festas de firmas, vamos contribuir para que o mercado de descartáveis se torne cada dia mais perfeito para alegria de todos.

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O Galo de Paraty

Por ninahorta
23/03/12 01:00

Cozinha de Paraty, foto da Neide Rigo

Coisa boa para uma festeira é treinar novos pratos na cozinha. Faz um tempão que não faço isso em Paraty, coisa que tinha vantagens e desvantagens. A primeira delas era conhecer o peixe fresco, acabado de pescar, os siris caminhando pela cozinha, fugindo de dentro da pia.

Conhecer as incômodas lulas que demoravam um tempão para serem limpas, na mesma pia, e as muriçocas que resolviam comer suas pernas, durante o trabalho. A vontade era largar tudo e sair gritando, batendo um pano de prato nas canelas.

A farinha de lá é especial, o feijão também. As galinhas têm um caldo que as daqui não têm, mais forte, sabe que acho que me acostumei com as daqui? As de lá são muito duras, sobem morro o dia inteiro, são saradas. Me deram uma boa dica, que aqui deve-se comprar galinha d´angola que têm melhor gosto, mais saborosas que os frangos de granja.

As festas paratienses dos morros são bem diferentes das daqui da cidade, mas é bom ter uma noção para não ser pego de surpresa, como nós fomos. Os convidados não avisam que vão chegar. Os cirandeiros é que resolvem onde vão.

De repente, é provável que já estejam todos na cama quando eles chegam de viola e outros instrumentos em punho. O pandeiro, então, não falta, geralmente é o Dito Gervásio. Começam uma ladainha na porta Mesmo que estiver chovendo não os force a entrar, só vão entrar quando acabarem de cantar a ladainha. Dentro de casa, só vão sair quando o dia raiar. Há um momento que se pensa na morte, de tanto cansaço. Mas ele desaparece, o esgotamento passa e toca a dançar mais.

Dançam todos que estiverem na casa pois faltam damas. Uma vez encontrei minha mãe com os olhos estatelados escondida dentro das roupas de uma arara, com medo de ser tirada para dançar de novo. Não tem jeito, não tem. Criança de sete anos, homens, mulher solteira, mulher casada, velha, menina, moça, entra tudo na ciranda.

A comida dá problema. Dizem que não querem comer mas comem de tudo que lhes for oferecido, menos milho cozido que dizem ser comida de porco.  O próprio porco já é bem vindo Muita e muito lingüiça a cachaça a não poder mais.  E toca a rodar a saia no chão de terra batida, ou de tábuas rangendo, reboco de cal se quebrando.

O ideal é lingüiça com vinagrete e pão, mas uma hora a lingüiça acaba e daí vale tudo. Queijo francês, mexidinho de arroz e feijão, farofa e pimenta, ovo, é a parte mais custosa da festa é ser cozinheira, pois a fome só amaina quando o sol surge.

No dia seguinte se você for à cidade vai dar com a cara fechada das mulheres que antes te cumprimentavam muito felizes. São as mulheres dos cantores e tocadores que dançaram com você a noite inteira.

Pode ter dado a impressão que é uma festa chata, mas não é. De não se esquecer nunca mais na vida.

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Hoje estamos falando de chefs celebridades

Por ninahorta
21/03/12 00:45

Helena Rizzo

Hoje estamos falando de chefs celebridades. Parece que a celebridade vem dentro da pessoa desde que nasceu. Precisa ter atributos para conseguir alguma coisa, e sorte, também.  De vez em quando vejo um ator da Globo, daqueles que a maioria despreza por tudo, por ser da TV, por ser da Globo, por não ter estudado teatro, nem TV, nem nada.

E um dia num programa de entrevistas aparece aquela mosquinha  dançando, ou cantando, ou os dois. Ou montada (o) num cavalo bravo, cantando, dançando e jogando pólo. E na vida particular toma conta de uma horta orgânica e comanda uma ONG que ajuda os índios! Àtoa, àtoa, não é que alcançaram uma certa celebridade, motivada também por nós que temos necessidade de heróis. Quem não tem? Andam fazendo falta os heróis.

Escrever em jornal, por exemplo, é uma coisa que te faz subir num incômodo pedestal.

“A senhora é meu ícone!”

“Ícone? Por quê?

“Ah, a senhora não é ícone? Tá.”

Os cozinheiros, felizes pela onda de sucesso, raramente se conformam só com a cozinha. Querem deixar por escrito o que fizeram. Gostam-se escritos, diz um amigo meu.

Começou faz tempo, não vou me estender por aqui, mas o Ferran mais tomava nota do que cozinhava, aliás, acho que era outro da equipe que tomava notas. Nunca se viu livros mais detalhados, mais confusos e mais chatos e mais pesados.Talvez sejam necessários um dia para o estudo de pesquisadores. Com certeza serão.

O que observo na minha vida já bem grande, é que poucos livros duram. Se cada um de nós botar a mão na consciência não achará mais do que dez deles que não se pode jogar fora, passados vinte, trinta anos. As fotos envelhecem, as receitas não têm mais sentido, serve para os historiadores, nada mais. O que já é muito.

E isso seria desculpa para cada um não escrever mais nada? Claro que não. Comida é nutrição, sobrevivência, mas é também,alegria, divertimento, descoberta. Cada um que leia o livro que mais gosta, que se apegue às páginas de sua primeira emoção na cozinha, daquela receita de omelete que deu certo, que ficou úmida por dentro, enrugadinha por fora.

Do primeiro sociólogo, antropólogo que ensinou sobre o assado, o cru e o cozido. Vale tudo.

A TV também nos diverte. Os enormes seios de Nigella, lambendo os dedos sujos de chocolate. A insouciance (desculpem) do Jamie, aquele menino esperto. E Ana Maria Braga que todos adoram chamar de brega e que tem uma penetração nesse Brasil afora que não dá para acreditar. Batalho com comida há vinte e tantos anos, bastou ir ao programa dela umas cinco vezes que me conheceram em pirambeiras de Paraty, onde a TV deve ser a pilha, nem sei, em hospitais de São Paulo, em cantos de qualquer rua.

E sabem que a mulher entende um bocado de cozinha? É extremamente atenta, curiosa, uma profissional exemplar. Melhor pensar duas vezes antes de falar mal dela.

Eu adoraria ter aquele canal americano que fala em cozinha o dia inteiro. A qualquer hora é só ligar e tem alguém ensinando qualquer coisa.  Bom pra dormir, também.

E aqui reapareceu o Olivier, o francês que passeia pelo Brasil, e o francês que não passeia mas fala “Que marravilha!”. Um bordão já vale ouro, minha gente.

Enfim, o cozinheiro tem mesmo é que se virar. In mezzo del camin dessa vida, é tratar de escrever, de cozinhar, de fazer qualquer coisa, mas fazer. A ordem do dia é ação. Se quisermos sucesso, há que ir atrás. Ele dificilmente terá a delicadeza de bater na porta e perguntar se pode entrar.

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Garotas atrevidas!

Por ninahorta
19/03/12 23:36

Para que ficar falando do passado? Juro que nem tenho saudade de quase nada.
Mas é preciso lembrar de algumas coisas que nós, avós e mães vivemos, mesmo para ter idéia, saber do que se está falando sem estranhar muito.

Como as garotas do Alceu Penna. Era uma matéria da poderosíssima revista O Cruzeiro, e saía em duas páginas.
Não sei de qualquer coluna que seja tão poderosa nos dias de hoje. Nenhuma série, talvez algum capítulo especial de novela. Sozinhas, as garotas do Alceu vestiam o Brasil, como a Globo veste hoje. Nas praças, nos coretos, nos teatros, na cidade.

Não vou falar sobre o eclético Alceu Pena.
Quem estiver interessado leia os livros, (bem pequenos)   e se souber de outros ou outras teses mande me contar, por favor

Vamos garotas! Alceu Penna/Gabriela Ordones Penna- 1938 a 1957. Editora Anna Blume
Alceu Penna  as garotas do Brasil   1933 a 1975  Gonçalo Junior Editora  Amarilys

Eram duas páginas ou até mais, de vez em quando,  da revista O Cruzeiro, quase a única revista semanal que tínhamos. Alceo ilustrou suas garotas de 1938 e 1957 . Durante um certo tempo os textos foram de Millor Fernandes.

As garotas liam a matéria, é claro,  mas os rapazes também.  Por que? As meninas era lindas, engraçadas e sexy. Aparentemente bem superficiais, eram lidas não como um manifesto da mulher que se modernizava mas como uma coluna interessante e divertida. As mulheres tinham narizes arrebitados, eram atrevidas e insinuantes, queriam se casar e aprender a cozinhar, apesar de toda a modernidade. Na verdade eram a Emilia de Monteiro Lobato que havia crescido e mudado para o Rio de Janeiro. Tinham atitude e diziam o que queriam.
O cenário era o Rio de então,  ensolarado, cheio de paz, onde estavam as “celebridades”, raínhas do rádio e depois da TV.

No século XX começava a existir e a aparecer a juventude. Os brotos, de óculos gatinho e rabo de cavalo.
Sociedade conservadora, classe média e elite, bem longe dos reais problemas brasileiros.
Com as meninas querendo botar as manguinhas de fora. Era a mulher-transição.
E o que fazia ela? Ia à praia, tomava lanche na Colombo, paquerava, gostava de carnaval, de festas juninas.
E se vestia com a maior graça.


Querem ser como as americanas, pois mais tarde serão donas de casa exemplares, influenciadas pelos filmes que inundavam o mercado.  Coca-cola, chicletes, cinema. E as garotas ainda não se preocupavam muito com suas carreiras. Queriam casar com rapaz rico. E tudo que se passava no Rio era divertido. Pouco trânsito, belas praias quase vazias. Pele bronzeada, mas não negra. Os homens tinham topete e usavam Glostora, as mulheres óculos gatinho até sem grau. (Eu me lembro que quando usava os óculos, dos quais não precisava, ficava surda, e por causa da surdez meio desequilibrada. Tive que desistir.)

AS primeiras pin ups brasileiras começavam a ter vontades.Não adoravam os trabalhos caseiros e sempre maliciosas comentavam tudo isso com muita graça.  Em 1956 um dos livros acima mostra uma edição onde as meninas queriam trocar de lugar com os homens. Queriam ler e deixar que eles lavassem e enxugassem a louça. Para tranformá-los em bons maridos, muito fácil. Só algumas gotas da velha arte culinária, pois vocês sabem, garotas, que o peixe morre é pela boca.


Muitas vezes a identidade da mulher é mostrada com atividades ligadas à cozinha.  Uma moça disposta a conseguir um bom marido deve mostrar como é prendada. É o homem que quer vê-la assim e ela se molda aos desejos dele.  Já que ele a quer cozinheira, ela o olha de esguelha, vê se a está observando e coloca uma comidinha na sua boca,mostrando que pode satisfazer a seus caprichos.  Mas, mesmo cozinhando estão sempre lindas e bem arrumadas e maquiadas. (assim como as americanas que esperavam os maridos, no subúrbio, loiras, loiras, cabelo lavado com Clairol, aventais de florezinhas e sapatos altos.)

Uma outra lida com macarrão e murmura que aquele pau de macarrão só servia para acabar com as brigas e  que fazer massa era um terror de chatice.


As garotas passaram por mais de duas gerações. Na primeira ainda se ligavam a algumas coisas francesas, a Paris e algumas bugigangas e cortes de cabelo e roupas finas. Aos poucos vão se americanizando, seu guarda roupa serve para todas as brasileiras, usam short, calças compridas, macacões curtos, são esbeltas e desejáveis. Alceu era um estilista e tanto e no carnaval todas as garotas de verdade iam procurar seus modelos de fantasia nas garotas dele.

Qual a comida que deveriam fazer para agarrar seus maridos? Tenders e frutas, perus recheados de farofa e fios de ovos à volta,  salada Waldorf, batatas com maionesse e maçã, sopa de ervilhas com creme de leite.

A Colombo e o Copacabana Palace são lugares para se ir. Nos casamentos era de bom tom um faisão com pena e tudo e cascatas de camarões.  Ainda existiam as empadinhas, as coxinhas de galinha, os rissoles, os pudins e as gelatinas de cores variadas. As garotas não engordavam porque comiam pouco e se cuidavam muito. Atenção, meninos e meninas, estas garotas foram suas avós e suas mães, e quem fez pela primeira vez aquele pavê e o brigadeiro de panela foi uma garota do Alceu.

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VAMOS PRO MATO, CHIQUINHA!

Por ninahorta
15/03/12 18:11

Sempre fico feliz quando a revista americana New Yorker publica seu especial de moda. Os colaboradores são os mesmos de sempre e preparam as matérias com muita antecedência e muito estudo. De um tempo para cá surgiu o especial COMIDA.

“Comida “ era assunto não contemplado pela revista New Yorker até que teve que se render. Começou a fazer uma crítica de restaurantes novaiorquinos, pequena, escolhendo qualquer lugar da cidade, não só os estrelados. A pequena coluna chama-se A Table for Two.

E uma vez por ano sai uma New Yorker de comida, ás vezes muito interessante. Às vezes nem tanto. Não é uma revista que se leia folheando simplesmente. Se você se empenha em lê-la de cabo a rabo, só vai acabar, se acabar, quando chegar a outra revista. É semanal.

Neste novembro dedicou-se ao assunto Foraging. Coleta. Deu mais atenção à coleta, mas fala sobre outros assuntos, também.

O primeiro artigo é sobre maçãs. O neto e filho dos fundadores de um supermercado conhecido, o Fairway, está na porta querendo mostrar que tem uma maçã nova para vender. Quer que as clientes experimentem, mas está ameaçando chuva e todas estão com pressa. Uma delas se aproxima e diz que quer fazer strudel, se serve.

“A Golden Delicious seria melhor, minha senhora, mas leve essa para casa e experimente comê-la.

A maçã chama-se SweeTango, filha da Zestar e da Honeycrisp. É uma maçã crocante, dizem que a maior qualidade dela é a crocância, ao mordê-la temos a impressão de sermos um homem primitivo comendo um alimento vivo.  É um dólar mais cara que a Gala e a Fuji.

Os “inventores” das maçãs em geral dizem que “se damos escolha ao consumidor, e se ele perceber, ao comer as maçãs, como uma fruta pode ser melhor que as outras, o mercado é obrigado a não vender maçãs ruins porque o consumidor não vai aceitar”.

Em Minneapolis há um laboratório de maçãs com 20.000 macieiras. Em Maio, na florada, Bedford, que controla o programa de melhoria da espécie, pega as variedades mais promissoras e as cruza.  Em cinco anos ele terá 4000 maçãs diferentes. Daí tem que provar todas. Doces como mel, azedas. São mordidas e não engolidas. Deixa-se o gosto ficar na boca um tempo e cospe-se.  Esta experimentação dura uns dez anos e as maçãs vão sendo classificadas.

O grande ensaio da maçã é de John Seabrook, chama-se Crunch e explica desde a plantação até a maturidade da nova maçã. Esperemos mais alguns invernos e verões e a campanha para que a maçã seja aceita pelo consumidor. A sweetango está nessa fase. No mercado.

newyorker.com/vídeo.

Coisa que eu adoraria seria ter um conhecimento profundo dos ingredientes. Ir à feira e saber exatamente o que estou comprando, o gosto, para que serve. Algumas vezes podemos conseguir isso com o vendedor. Ele só não disse antes porque achou que não havia interesse.

Passemos adiante.

Ingredientes secretos – por Paul Theroux

 O escritor conta a história do tomate e explica que um tomate de quintal é a melhor coisa do mundo, pode mudar qualquer refeição. Purês, saladas, sopas. Fala de um jeito que dá vontade de sair para comprar sementes de tomates inatingíveis e plantar na frente da casa onde bate sol, fazendo uma cerquinha para não serem roubados. Parece que um tomate desses pode fazer a alegria de um homem.

No capítulo Personal History temos Calvin Trilllin, grande Calvin Trillin, que escreve há milênios e sempre com muita graça. E imaginem que confessa o repertório de comidas que sabe fazer. Na verdade, não sabe fazer quase nada, sabe comer e quando recebe em casa não faz mais que comprar as melhores coisas prontas que conhece. Um arenque com cebolas,um salmão defumado de modo todo especial.  Cogumelos sobre torradas, por exemplo. E achou um campinho de cogumelos silvestres no seu jardim e pronto, está feito . Outro segredinho é fritar peixe em farinha de matzo, ele acha que fica ótimo e leva a farinha para as férias, porque na sua aldeia da Nova Escócia não vai achar. Só faz comidas da estação e para uns hóspedes que chegam no fim de uma estação não sabe o que fazer, tem que repetir ou mandá-los embora.  Aprendeu a pegar vieiras. Sabe fazê-las e explica como. Prepara uma frigideira, põe azeite e alho, passa as vieiras por farinha de trigo, bem pouco, depois zás na frigideira por pouco tempo, minutos, depois suco de  limão, raspa o fundo da frigideira e põe sobre as vieiras. É seu sucesso.

Jane Kramer escreveu sobre Coleta. O assunto está tão em moda que um blogueiro classificou este tipo de ensaio como “Saí para coletar com René Redzepi”  , que é o chef do Noma de Copenhague. Até no outro dia comida achada no mato, sem ser funghi e trufas era comida de pobre, logo ninguém contava de suas coletas. .

No caminho de ir coletar com o melhor chef do mundo ela passou pela casa de Paul Levy que mora com a mulher em Oxford e de lá mesmo comanda o simpósio anual de comida da universidade.  Os dois coletam no seu próprio quintal e pelas redondezas, mas sem grandes aventuras. Do mesmo modo que pegamos amoras das árvores vizinhas, e esperamos amadurecerem as jaboticabas da casa da esquina.  Os dois foodies ensinaram muitas coisas a Jane Kramer.

Para mim essas matérias bem escritas são gostosas de ler, mas como se dedicam a coisas silvestres catadas no mato dos outros, continuo sem reconhecer as nossas.

A Europa conhece muito bem os seus matinhos. Quando conseguiram comida suficiente para ficarem saciados começaram a imaginar o que fazer para dar um gosto melhor ao que comiam. Veio daí o gosto da coleta.

Quando Jane Kramer chegou ao restaurante de Redzepi estava emocionada, pois iria encontrar o dinamarquês mais famoso do mundo depois de Hamlet. É interessante, o René Redzepi também tem um laboratório, como o Adrià tinha, para provar novidades. É aquela história de fazer do prato do seu restaurante um pedaço da paisagem lá fora.    No momento está interessado no apodrecimento de repolhos que ele encontra crescendo até no meio das algas da praia. Suas aulas de botânica são feitas pelo IPHONE. Ele acha alguma coisa que não sabe o que é, fotografa, manda para uma amigo botânico que imediatamente responde o que é e para que serve. Um dos achados mais interessantes para Redzepi foi uma folhinha fina que achou na areia e experimentou. O gosto era de coentro. Coentro dinamarquês era demais…

Redzepi foi considerado incapaz para o segundo grau. Hoje fala quatro ou cinco línguas, escreve para o Guardian, para o New York Times, dá cursos em Yale. Os amigos dele dizem que nasceu entediado.  Para onde quer que vá ele lê, olha, prova, descobre, aprende.  Está cozinhando musgos, no momento.

A autora do ensaio sobre coleta e Redzepi chegou em casa exausta, é claro. Pediu um delivery, que não deixa de ser uma espécie de coleta diferente. Refletiu um pouco e achou que o restaurante de Redzepi não tinha nada a ver com coleta. É a vitrine de um gênio do sabor que mostra que comemos só uma pequena parte do que o planeta nos oferece, e muita coisa silvestre é tão boa quanto aquelas que encontramos na lista de alimentos aos quais estamos habituados. Claro, se feitas, com paciência, inteligência, imaginação e de preferência com algumas noções de química.

A maioria de nós come o que conhece. Estaria na hora de comer o que não conhecemos.

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