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Nina Horta

Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha

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Ilha deserta

Por Folha
25/09/13 03:00

Que comida você levaria para uma ilha deserta? A pergunta não é séria. Não vale responder calculando os prováveis dias sem salvamento ou as correntezas que levariam rapidamente as garrafas com pedidos de socorro. Ficção, ficção.

Não tem geladeira, mas pode levar sorvete, pois na ficção as coisas acontecem diferentemente do mundo real, daí a graça.

E não vale levar ninguém para cozinhar para você, porque se fosse assim todos escolheríamos logo a minha amiga Neide Rigo, que reconhece todos os matinhos e plantas e os cozinha. E nhac! A ilha ficaria totalmente deserta, não só de almas como de fauna e flora com a presença dela. Não sei não, talvez a cada matinho que comêssemos ela plantasse outro pra que isso não acontecesse.

Água de coco não iria precisar, que bom, água de coco é a frescura mais fresca que existe, e a melhor coisa é a polpa do coco verde. E sabem que existe doce daquilo? Uma vez, um bendito leitor me trouxe um pote de Recife.

Bom, eu levaria jabuticabas que é a comida de que mais gosto.

Na realidade, sentiria mais falta de pão com manteiga, é claro, mas calculadas as dificuldades de resgate por um pequeno bote ou helicóptero, prefiro estar mais magra. Vão as jabuticabas, mesmo.

A maioria de nós brasileiros não passaria sem arroz e feijão, sem café, sem Coca-Cola, sem farinha, sem biju, sem açaí, sem tacacá, ou um viradinho…  Na verdade, os problemas da ilha não são tão rasos assim, há muita vã filosofia na ilha deserta, no arco, na flecha, na solidão, na falta do outro, no diálogo, no mestre, no horizonte, no amor ao amigo quando sexta-feira aparece. E o papo no cafezinho.

E há a infindável estultícia se alguém não nos dá a mão. A impossibilidade de inventar um fósforo ou raspar dois pauzinhos para o fogo, e teríamos que passar a vida comendo do bufê frio. Agarrar peixes com as mãos, se lançar sobre eles de barriga, nada adianta, são escorregadios demais, há sempre que reinventar o anzol, acho ilha deserta uma coisa trabalhosíssima e nem vejo desafio em estar numa delas, por mais linda que seja, sem a Amazon, então…

A dificuldade maior é que até as melhores coisas se tornam um tédio, ilha deserta, então, pode dar uma depressão sem fim, sem um mínimo remedinho à vista, e os muito hábeis inventariam um placebo feito de areia e concha, nem de longe parecido com aqueles que viciam. Outros urrariam sobre as pedras, muito loucos, com frio e fome.

Alguns levariam bananas, mas qual delas? Maçã, nanica ou prata? Ouro, bananinha ouro.

Já repararam que nessas ilhas, as pessoas que lá arribam, como Robinson Crusoé e tantas outras, começam logo a imitar a civilização, e o perigo é que antes que nos salvem já estejamos na barraquinha de sapé, com mesa de quatro pernas, vela, trançado de bambu, comendo de colher, vestidos de pareô? Uma falta de criatividade, tínhamos mais é que inventar um mundo novo, novíssimo, para evitar os perrengues que sofremos aqui.

É, mas para nosso alívio, e para nos livrarmos do pesadelo da ilha, sempre se pode tomar um táxi.

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Chi...deu errado!

Por Nina Horta
21/09/13 16:06

foto Jhay Meneses

Não sei em que alturas dessa nossa vida brasileira o ótimo passou a ser desdenhado e o mediano ou muitas vezes péssimo a ser tido como o normal.

“Olhem a cara dessa maçã do amor! Tem uma piscina de caramelo por baixo, escorrida!” a resposta. “É, mas caramelo escorre mesmo!” Lembro-me das balas de ovos carameladas da minha vizinha Dona Seraphita. Se uma delas escorria, era lixo imediato. Compre uma bala de ovo em São Paulo, nos dias de hoje. Parece um pato de pés de caramelo. Ou um daqueles globos geográficos com pés. E aceitamos e pagamos pelos caramelos escorridos. E lemos nos guias de jornais e revistas que é a melhor maçã do mundo, a maçã primeira, o protótipo! Como, por que lemos isso? Imagino que o repórter não é venal, não foi em troca de duas maçãs que ele escreveu aquilo, é por causa da ignorância dele também, da falta de perfeccionismo dele, de não comparar uma maçã com a outra, de não enfiar o dente, como Eva e quebrar todos os da frente.  E assim, com o acúmulo de imperfeições vai chegando o dia quando não saberemos o que é bom ou ruim. Já aconteceu com os docinhos de casamento que não há quem se lebre que eram finamente glaçados, quase não se sentia o açúcar da capa, hoje substituída por uma carapaça branca que tira todo o gosto do recheio. E as pessoas adoram!!!!!

Como resolver uma coisa dessas? A menor crítica feita a alguma coisa ruim traz sobre nós a pecha de perfeccionista, de corta-prazeres.

Ah, meninos, não é assim. A vida só vale se fizermos o melhor possível. Não se fizermos o melhor, é só tentarmos fazer o melhor possível.

Não há possibilidade de crescimento se não se tem horizontes e objetivos a alcançar. “O ruim mesmo está bom” não é lema, é burrice. É fruto da má educação, do livro rabiscado, do caderno rasgado, da pouca vontade de aprender. Qual o problema da curiosidade? De se dizer “eu não sei”?

Não acredito que vocês cozinheiros queiram fazer parte dessa turma de resignados com o pior. Não é assim. Quando o cliente chega para nós e diz que estava tudo uma delícia, devemos sorrir e agradecer e lá no fundo murmurar:” Chi, coitado, nem percebeu que o presunto estava um pouquinho grosso, poderia ter morrido engasgado se aquela tira descesse inteira pela garganta dele. Da outra vez, já sei, não tem perigo, vou mudar.”

E a conversa amigável sobre como se fazer cada vez para que o produto saia perfeito. “Por que aconteceu isso? Você não achou um pouco mole? Será que uma colher a mais de gelatina pode consertar? Ou não? Vamos experimentar?” Um desafio para vocês. Tudo que aparece de novo leva uns dez anos para pegar. Quando já está velho, não mais usável pelos criativos, por aqueles que inventaram a modinha, a manada começa a fazer numa alegria de descobrimento. E quem é que passa por cabeça dura? O que inventou aquele modo de servir, aquela renda de nozes, e não quer mais usá-la porque já foi, já era!

É impressionante como nos engessamos nas idéias. Peguem um simpático e antigo maître de festas e peçam as ele para mudar a posição dos bufês, juntá-los todos no meio do salão, por exemplo. Ele pode ter um enfarte, não estou brincando!

Conheço de muito perto chefs talentosíssimos que por problemas psicológicos de não aceitarem críticas construtivas nunca sairão de seu rame-rame cotidiano, nunca terão o prazer de crescer. Conheço chefs médios que inevitavelmente vão subir na profissão e na sua própria alegria ao rirem se seus erros e tentar consertá-los sem problemas nem ego trips.

Detesto gente que não percebe suas limitações, não quer reconhecê-las. Quem é perfeito? Em que profissão não há passos para trás, buscas e procuras, choros e alegrias? Cozinheiros, não podemos deixar que nos tatuem, nos considerem para sempre como convencidos, teimosos e burros. Somos muitas vezes convencidos, muitas vezes teimosos e infinitas vezes burros, mas é isso que precisamos combater, é preciso querer evitar ser médio, rachar o crânio, abrir a cabeça e deixar que entre tudo que há de  novo, não se impermeabilizar para o novo nem para o velho, abrir-nos para o mundo, tudo que é interessante, o que aparecer por aí,. Ah, esqueci de dizer que na rachadura do crânio deve ser colocado um chinois, uma peneirinha para que não deixemos passar também de tudo, entendam, podemos ser burros, mas nem tanto. Na verdade, a palavra de fundo, que custa a ser assimilada por nós e que leva aos céus em todos os sentidos é a humildade.  

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O nariz

Por Folha
18/09/13 03:00

O blogueiro de 1 Nariz, Dênis Pagani (especialista em traduzir fragrâncias em palavras), viajou e me trouxe de presente uma amostra… de cheiro de pai. “Cuir de Russie”, uma fungada só e o pai, ali, inteiro.  E ainda me contou das ruas cheirando a tília, em Berlim, nos entristecemos porque na urbana São Paulo poucas são as flores.

Claro que vivemos cercados de cheiros mas só alguns são percebidos diretamente, como quando dizemos: “Que cheiro é esse?”. Muitos e muitos. A casa que de repente fabrica um canto que cheira a mofo, um perfume de guaco que invade o nariz sem se saber onde mora a planta. Lembranças boas e ruins. Péssimas, às vezes, um cocô de gato escondido atrás de um armário, esse o pior que já senti.

Cheiros de corredores de serviço de prédios, na hora do almoço, com um refogado incrivelmente ruim que deve ser feito com o alho cru. Os bifes e o peixe chiam na frigideira e o arroz está pronto.

Infelizmente sou especialista em cheiro de “quase-azedo”. E tenho companhia, minha cunhada e minha filha sabem quando a coisa vai azedar dali a segundos, mas não azedou ainda, como as saladas nos bufês esquecidos dos restaurantes.

Tem um cheiro que sinto no fundo do cérebro, de outras eras, de outras vidas. Cheiro de água doce de rio, cheiro fresco de truta. Puro frescor. Truta fresca.

E o cheiro da orla de Santos, que sobe à cabeça. Um leitor, Luiz Paulo Stockler Portugal, já me explicou exatamente o que era.

“(…) O cheiro de curry ao qual se refere, se não me engano, é cheiro da palmeirinha de sagu Cycas sp., originária do sudeste da Ásia. Costuma ser um cheiro de verão e quase sufoca pela noite. Um perfume selvagem, almiscarado, de trópico.

Minha mãe acertadamente o chamava de ‘cheiro de besouro amassado’ (a planta é polinizada por eles). A palmeirinha, aqui no Brasil cultivada como ornamental, é, na verdade, a origem do sagu verdadeiro, retirado do amido das raízes. (…) É um cheiro muito querido por mim. Cheiro de noite depois do aguaceiro, com ar leve, que muitas vezes se misturava ao cheiro das magnólias amarelas nas ruas de Belo Horizonte. A versão com maresia eu sentia no Rio de Janeiro, na casa da tia-avó na Tijuca, ou nas ruas apertadas de Botafogo com a maresia vinda da lagoa.”

Pois, é. Cheiros e não perfumes. Hoje já cheirei a geleia de laranja que é muito mais forte cheirada do que comida, cheirei a manteiga (um cheirão de leite), o pão (excesso de fermento) e vou cheirar tudinho para o resto da vida, a carne crua, o sal, a cenoura, a alcachofra. A Bic ponta de prata, o iPad, pois se trem tem um cheiro invasor, sacudido, barulhento, faiscante, desengonçado, por que computador não há de ter?

Vou compor temperos como se fossem perfumes, cheirar batata frita, filmes B, reuniões de condomínio, pétalas de flores na salada, reality shows, farinha de cachorro (fubá com torresmo), boninas-vaselina. Cozinheiros, preparai-vos, o nariz é a nova língua.

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A performance da galinha

Por Folha
11/09/13 03:00

É só pegar a carta de Caminha, aliás, fabulosa carta, tão bem escrita, tão interessante! Pedro Álvares Cabral se arruma com sua melhor fatiota e se senta junto aos companheiros para esperar os índios que lhe seriam apresentados. O parágrafo que nos interessa agora é o das galinhas.

“Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.”

Não se importam com o carneiro, com doces, com figos, mas quase tiveram medo da galinha. Quase tiveram medo da galinha. Engraçado, não? Quase. Nem um medo inteiro a galinha provoca. Mas, cuidado. É a mais escandalosa das mulheres. Louca, não pensa, já vai berrando seja lá um ovo, seja lá uma faca, vem o destempero, a gritaria.

O que lhe terá passado pela cabeça em Copenhague, quando Alex Atala a agarrou? Primeiro, alegria, um circo, o circo lhe cheirava a folguedos, correrias, risos. Depois o homem grande que mexia com seu cerebrozinho de galinha, já tinha visto gente assim, as tatuagens, os cabelos entre vermelhos e grisalhos, malhadão, um velho viking perdido, não, um cozinheiro das Arábias, era isso?

Pois não é que de todas as decisões possíveis naquela hora, no meio de gente curiosa e animada, de quantos desejos, quereres, o homem vai usar justamente ela, a galinha?

Tanta coisa, tanta modernice, pensou consigo mesma, mas era sempre a mais fácil.

O homem com certeza queria que ela se comportasse com dignidade, era uma hora de drama, de levar uma mensagem, quase um sacramento, um ritual, uma tomada de posição, reverência. Era a hora da morte que frutifica, que vai trazer a vida, mas à galinha não lhe importam firulas.

Seu mundo é pequeno, dos pés feios ao bico agudo. Só o que lhe interessa é o exato momento.

A galinha gostou que o homem Alex a sacrificasse assim, destroncando-lhe o pescoço. Se tivesse cortado ali, na veia, com uma faca afiada, ela só penderia para o lado e perderia a chance do ruflar de asas, do efeito.

Bateu as penas o quanto pôde, queria ajudá-lo na performance, mas exagerou um pouco, viu que ele se perturbara, afinal era um momento digno.

Na saída do pódio, na marcha a ré gloriosa de Atala, tinha uma pedra no caminho, e ele tropeçou, quase caiu, humano, demasiadamente humano, desfez a tensão, antes de subir ao céu.

Ela, a galinha, já sonhava com a receita que fariam dela. Bem tratada em vida, sabia que morreria um dia. Daquela turma já intuía o que esperar. Prato enorme, branco, o sobrecu colocado bem no centro, a moela aberta ao lado, uma frágil ova tremelicante, o pé feito em torresmo El Bulli e o jogo já em osso, polido, brilhando como marfim.

O ritual do cozinheiro e da galinha foi num simpósio de nome MAD, o tema era “guts” (coragem ou tripas) na palestra A Morte Acontece. Estamos ficando so-fis-ti-ca-dís-si-mos na gastronomia. Tal e qual minha avó, que Deus a tenha.

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É os animais...

Por Nina Horta
10/09/13 21:38


 

 

 

 

Os vídeos, tanto do Atala , como do menino vegetariano já passaram da hora,
mas, vale a pena guardá-los.


http://www.youtube.com/watch?v=Jjn9x4NlNcE

http://www.youtube.com/watch?v=XMwujREnYVE


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DEZ x 10 / banana assada creme e suspiro !

Por Nina Horta
04/09/13 21:47

foto : Fernando Pernambuco

6 porções

500 g  de leite
15 g de manteiga
100 g de açúcar
80 g de gema
40 g de amido de milho
1/2 lata de leite condensado

Ferva o leite com a manteiga, o leite condensado e metade do açúcar. Bata o açúcar restante com a gema e o amido de milho em uma tijela.
Despeje metade do leite nas gemas, bata e volte tudo ao fogo, misturando sempre até engrossar,  por cerca de 10 minutos.
Retire do fogo.

10 bananas nanicas
4 claras
1 pitada de sal
2   1/2 xícaras de açúcar
1 xícara de água
1 colher de café de canela
Em um pirex refratário, arrume as bananas descascadas.
Misture 1/2 xícara de açucar com a canela e polvilhe sobre as bananas.
Leve ao forno preaquecido a 180º C  por cerca de 10 minutos para as bananas murcharem.

Retire do forno e espalhe o creme sobre as bananas. Deixe resfriar. Enquanto isso, junte 2 xícaras
de açúcar e 1 xícara de água e leve ao fogo para fazer uma calda em ponto de bala mole.

Na batedeira bata as claras em neve com uma pitada de sal e, regulando-a  na velocidade lenta, acrescente
a calda aos poucos. Continue batendo até o merengue amornar.
Espalhe-o sobre o creme e leve ao forno alto, 200ºC, até dourar.

Resfrie e sirva.

DEZ X 10 – Receitas para comer de joelhos – Carla Pernambuco.

 

 

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Os livros de papel

Por Folha
04/09/13 03:00

Nunca comento aqui sobre livros brasileiros. Acho que já tem um batalhão de gente dando palpite e então me restrinjo àqueles estrangeiros que vão demorar a aparecer nas livrarias ou que nem aparecerão, novíssimos, mostrando tendências.

E nunca escrevo para que a pessoa compre em inglês. É para mostrar o que há de principal no texto, justamente para o leitor ficar sabendo do que anda acontecendo sem precisar comprar o livro.

Afinal, não fica bem, você, um cozinheiro de quatro costados, desconhecer que o hit do ano em Helsinki é cozinhar trufas sobre musgo seco.

Vamos ser francos. Você compra um livro novo dos grandes chefs, com belíssimas fotos, começa a ler o prefácio, roda pelas receitas e, eventualmente, uma delas te chama a atenção. Não há como fazê-la pois não temos os ingredientes. Mas, tem uma lá no finzinho do livro que vai servir.

Daí, se é um leitor organizado, copia, gruda numa pasta, e… ou entra para o seu repertório ou fica lá dormindo o sono dos justos.

Sou uma compradora confessa e compulsiva de livros de cozinha. Estou perfeitamente ciente que só aparece um por ano, se tanto, que valha a pena para quem é rato de livraria. (Como nomearemos de ora em diante o rato de livrarias virtuais?) Nada para ele roer, mas todo aquele mundo para sapear, “to browse”, como dizem os ingleses. Talvez sejamos os sapos de livraria do futuro.

Os belos livros, agora, pesam mais de oito quilos. Daqueles com páginas sedosas, branco escrito sobre branco, fotos surrealistas, figuras, gente catando mato no pântano, nas florestas, comendo as bochechas dos bichos, as vísceras mais recônditas para conhecer o último sabor, matando frango no soco, chupando o pescoço dele até que fique só osso, e luzidio como marfim. Não há mais o que inventar.

Sem contar os acidentes perigosíssimos que os livros acarretam.

Estava carregando uns três deles, um sobre o Sri Lanka, parrudo como um buda, quando caiu de aresta, aqui, no pé gorducho da Dona Benta. Num raio de luz enxerguei todos os elefantes do Ceilão montados em pirâmide na minha carne macia. Fui tomada imediatamente por uma forte náusea existencial, hematoma gigante e ódio pela comida da Taprobana.

Tudo isso para reiterar meu amor ao Kindle, mas fazer o elogio de um livro de papel de 2012 que me escapou na época. “Dez x 10”.

É da Carla Pernambuco, com texto de Eduardo Logullo, sempre um prazer, fotos de Fernando Pernambuco, ótimo para retratar comida, a competente Carolina Brandão nos testes de receitas e produção, editado pela Leya, e vamos conversar, com uma turma tão talentosa sai um livro bom por igual. Entendem?

As ideias são boas, mas para se transformar num livro bom há que misturá-las ao restante com equilíbrio. É bonito, é bem editado, tem comidas da moda, daquelas que estamos comendo agora, como tartare de abacaxi com hortelã, tem receitas antigas, como empada de camarão, umas modernices brasileiras, como camarão grelhado com taioba. Sem pretensão, com tradução em inglês no fim. E o melhor de tudo é que se cair no pé não faz grande dano.

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Devagar com a louça

Por Folha
28/08/13 03:00

Recebi muitos e-mails zangados porque não gosto de ser chamada de Dona Benta. Acho que é próprio da velhice não se enxergar vintage. E o que quero dizer é que a tal avó fazendo bolinhos, mansa, é rara. É maravilhosa, não nego, mas é rara. Um pouco fruto da nossa vontade de ter uma avó assim.

A Dona Benta, do livro de receitas, além de não existir, forjou um arquétipo de avó do qual todos se lembram, mas a maioria não teve, na realidade. Quem teve deve estar hoje com uns 150 anos de idade.

De castigo, vamos refrescar a memória lembrando o que as avós de netos adultos, hoje, experimentaram pelo mundo afora, começando por Londres. O ano de 1990, por exemplo. E não é antipatia. Já era cronista da Folha e minha profissão pedia que experimentasse os restaurantes e as comidas. (E, se não fosse, não vejo por que não poderia contar, também.)

Junto do Tâmisa, o restaurante River Café, menu escrito à mão, pequeno, mas a comida ótima, e o lugar bonito, branco, claro, com um relógio projetado em sombra na parede, caminhando para a última hora, 11 da noite, quando o restaurante fechava. Uma experiência informal de boa comida, alto-astral, gente simpática e alegre.

Comemos “insalata de copa di Parma”. Os verdes eram uma mistura de dente-de-leão, azedinha, rúcula, segurelha. Depois, linguine com “granchio”, massa com siri fresco, pimenta, salsa, coentro e, para terminar, um ossobuco de não botar defeito.

Quem comanda hoje é Ruth Rogers, e parece que o lugar resiste a tudo, ao tempo, às recessões. Estar na moda é ser bom.

A emoção, mesmo, veio com o restaurante do Alastair Little, que leva o nome do proprietário e chef. Para não enrolar, ele é do tipo genial. Você lê o menu, que muda todos os dias e é curto e pouco explicativo, e não fica muito tentado.

O lugar é pequeno, guardanapo de papel, mesa sem toalha, nada que inspire muito. Mas quando o prato chega, há que se ficar agradecido e comovido. Aquele toque único de inspiração e gênio.

Sempre tenho medo das misturas esdrúxulas, de uma “nouvelle cuisine” mal digerida. Esse homem é pura graça, bom gosto, coerência, simplicidade. Mediterrâneo? Japonês? Eclético? Não. Pessoalíssimo.

Usa técnicas e ingredientes japoneses, tailandeses, chineses, franceses, ingleses e sintetiza tudo em comida boa e simples. Falar é fácil. Mas foi lá que entendi de verdade o que é síntese. Um estar à vontade entre técnicas e ingredientes e usar de tudo um pouco sem privilegiar correntes ou modismos.

Os molhos perfeitos, sempre cuidadíssimos, criatividade domada. É demais. (Não parece uma crônica feita ontem, num bom restaurante de São Paulo?) Comemos um bacalhau fresco, posta grossa sobre molho de carne ferruginoso, com um pouco de grão-de-bico.

Parece coisa de Dona Benta? Não, moderno até hoje. Vamos devagar com a louça, a avó dessa época já tinha 20 anos de Bocuse marqueteiro no lombo. Ele começou nos anos 70 e, se ela passava os dias fazendo bolinhos, talvez fosse para vender, pagando com isso a faculdade em que estudava à noite. Meninos, eu vi.

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Dá uma provadinha!!!!!

Por Nina Horta
26/08/13 13:16

Às vezes são coisas pequenas e óbvias que nos fazem errar na cozinha. Há um livro que amo, coisa rara. Chama-se Zuni Café – The Zuni Café Cookbook, de Judy Rodgers . Ela é a chef-proprietária do Café em São Francisco e o livro dá suas receitas de um modo sensacional, prático, com fotos inspiradoras.

Recorro muito a ele para ter ideias e uma das coisas ás quais a chef se liga é à experimentação da comida. Coisa boba, dirão vocês, quem não experimenta o que está fazendo? Muita gente. Ou não experimenta o ingrediente ou o produto final, na hora de ira para a mesa.

Dona Martha Kardos, grande professora de São Paulo dava a primeira aula de “roux” e provava umas trinta vezes. Ela usava um lencinho Hermès no pescoço e seus alunos se lembram, dela naquela primeira aula fazendo um roux , com uma colherinha de chá na mão, e tombando a cabeça para um lado, como um passarinho a cada provada.

Era um exagero para um simples molho, achávamos nós, mas hoje percebo mais. Naquela primeira aula queria nos mostrar que um molho branco vai adquirindo outros sabores totalmente diferentes à medida que se junta uma colherinha de limão, ou de açúcar, ou de sal, de tomate, de queijo, de qualquer coisa das mais absurdas às mais simples. Corrigindo a acidez, juntando uma pitada de noz moscada, não sei como sobrava molho para contar a história.

A Judy Rodgers diz, que não são as receitas que fazem comida boa, mas, sim, as pessoas.
Experimentar, olhar, cheirar e sentir na medida que se cozinha são insubstituíveis .
Não existe receita certa sem essa ajuda nossa. Pode-se começar experimentando a coisa crua.
Quando chegou aqui o Livro Simple, inglês, havia receitas de uma simplicidade atroz.
Uma abóbora corada em pedaços com especiarias por cima, assada. Não tinha problema.
Pois fizemos para uma grande quantidade de gente e tivemos que jogar tudo fora.
A abóbora era ruim, não tinha sabor. Acho que só com o tempo podemos aprender a achar gosto numa abóbora crua, mas podem ter certeza que esse dia chega. E não fiquem aflitos pois não é preciso engolir para sentir o gosto. Tem muito cozinheiro bom e magrinho, por aí.

Há modos de experimentar. Um deles é separar uma concha da comida e ficar brincando com ela. Será que ficará bom com mais canela? Experimente. E sal? Sal, açúcar. Limão. São básicos. Mas vá continuando com vinagre, tomate, vinho. E/ou alguma coisa bem neutra como caldo , ovos, pão, alguma coisa gorda, como manteiga, azeite, queijo, . E que tal concentrar umas colheradas do que está fazendo para provar concentrado?
Ao misturar ingredientes crus, tente provar cada um separadamente e depois juntos. Ao provar logo no começo alguma coisa já está garantida e você pode ir provando enquanto cozinha. Primeiro provar em pequena escala, pois depois que moeu as nozes e adicionou ao prato não há muito que fazer se estiverem rançosas.
Agora, a prova final, na hora do prato ir à mesa é indispensável. Não há desculpa para
uma comida salgada. Muita coisa pode ajustar o sal e corrigir o prato.
O pior é provar e deixar no fogo aquecendo. Na hora de servir pode ter reduzido e estar arrancando
papilas de tanto sal. Qual a desculpa?
Quanto mais a comida for provada, mais entenderemos o que a adição de cada tempero vai proporcionar
em matéria de sabor. É muito bom aprender o que faz um prato melhor, qual a diferença de se adicionar
um ingrediente ou não. E esse treino do paladar também vai nos ensinar a combinar as comidas entre si, a inventar futuramente.
Provem, crianças, é fundamental.

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Para começar bem, café da manhã

Por Folha
21/08/13 03:00

O café da manhã é uma refeição aprovada. Mesmo sem plebiscito. Do mesmo jeito que o Sol se levanta, o café da manhã levanta a gente. Pode ser em hotel (maravilhoso), pode ser em beira de estrada (maravilhoso).

Não tem muito o que errar, mesmo  se o café estiver quente, não muito ralo, já se começa bem. Não é uma refeição que exija frescuras, você ainda não teve tempo de afivelar a máscara gourmet. Café e pão com manteiga, uma elegância só.

De manhã cedo, aqui no bairro, os passarinhos fazem um fundo de pequenos gritos breves, metálicos, como aqueles brinquedos que se compram nas feiras, de palha, nem sei se ainda existem, mas que imitam com perfeição essas faíscas do seu canto, afinando os instrumentos para mais tarde.

Por sorte, tenho duas galinhas pequenas que ficam bem debaixo da minha janela e que encarregam de simplificar a vida. Barulho de galinha é sempre maternal, meio engrolado, como se estivessem ninando uns pintinhos inexistentes.

E não há filósofo que vença uma galinha. Ela é sem explicações, prenhe de realidade, irredutivelmente real e atemporal.

Quando botam, aí é uma gritaria sem fim, um júbilo escandaloso, um susto bom, afinal deve ser uma delícia já levantar botando ovo.

E ainda tem todos os barulhos de uma casa matutina, os murmúrios das pessoas, com bom ou mau humor, o pingar de um chuveiro, um súbito cheiro de sabonete, o cachorro meio perdido querendo morder o rabo e uma corrida quixotesca pelo quintal atrás de gatos.

Nada de ovos com bacon, o que é uma pena, pois o cheiro é uma viagem para longe, antes de levantar. Mas, voltemos ao café. O café pode dar segurança para um dia inteiro. Se tem um bom café quente, metade do dia está resolvida. Alguns desastres vão acontecer de todo jeito, como deixar cair molho na camisa branca na hora do almoço, mas nada importa, é desses pequenos fragmentos que é feita a vida. Desígnios de um pequeno deus auxiliar.

As manhãs são diferentes das madrugadas, só se pensa em miudezas e à medida que ela chega inteira começam a fugir as preocupações da noite, a falta de investimentos, a crise, a descapitalização. O que é tudo isso contra um pão bem fresco?

O melhor é que todos os barulhos sejam feitos por outra pessoa, não por você. Café da manhã alcança seu pico quando é feito pelos outros, não se engane.

Alguém solta o cachorro, alguém põe o feijão no fogo, e ouve-se os barulhos das mulheres que trabalham pensando que não estão sendo vigiadas. Um amuo de raiva porque alguém quebrou dois pratos, a batida mais firme na porta do armário de madeira, um equilibrar a água quente com a fria cantando baixinho, nada de nada, ou alguma canção muito velha, perdida no tempo, quase murmurada. “Errei, sim, manchei o teu nome, mas foste tu mesmo o culpado.”

Os homens da obra ao lado entram com a fúria da motosserra e gritam suas paixões, e ligam o rádio, e berram, berram acima do clamor. Pudera, são todos surdos, que no fim de semana vão caçar uma brancarrona pra sentar no colo deles, oi, rapaiz! Felizes, alto, alto, espatifam a manhã.

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