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Nina Horta

Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha

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A volta

Por folha
04/12/13 03:00

Todos se impressionam como a comida passou a ser de uma importância na mídia e na vida de todo mundo. Sorrateiramente, porém, tenho percebido que o artesanato pode substituir a cozinha.

Os anos 50-60-70 foram dolorosos. Fórmica, pé palito, programas de TV nos quais as mulheres passavam as tardes aprendendo a fazer caixas e pintar sabão. Eu me lembro do Clodovil, ele mesmo participante de um desses programas, dando ataques de nervos com as feiuras —na verdade, assistir aos tais programas era como ver um stand-up de um bom comediante.

Ria-se a valer. Era o melhor humor da TV. A tricoteira enroscada nos fios, a demonstradora de trançado indígena com o dedo preso nas alianças de palha de uma tribo, um divertimento sem fim.

Depois foi acabando, devagarinho, exaurido por anos e anos da telinha. Vieram os programas de sexo, de relacionamentos, de saúde, nutrição, dietas sem fim. Muita casca de banana.

Contei 188 livros sobre como arrumar a casa numa pesquisa superficial. Já viram um programa do GNT no qual uma amável senhorita ensina a arrumar os armários, a cozinha? Outra decora a casa. O canal Bem Simples, então, voltou totalmente ao artesanato caseiro de bandejas forradas e lacinhos e borboletas. Muita borboleta. Sinto uma alegria perversa, uma vontade de me jogar de boca nessas estrelas e Mickeys, sem censura.

Há um blog, se não me engano, com o assunto “é sustentável, mas é feio pra cacete”, que expõe contribuições dos leitores, como tudo o que se faz com garrafas PET. Faz-se tudo, como luminárias de copo descartável, vestidos de cápsula de Nespresso, presépio com lixo eletrônico, saia de guarda-chuva. Tem umas coisas sensacionais, vestidos de baile inteiros de jornal, com cauda e tudo, manifestações de criatividade há muito controladas. E essas coisas pegam, quando você menos espera está aprendendo pintura gestual sobre garrafa de vidro e almofada de coração em capitonê.

Qual o motivo dessa volta ao lar? As casas ficaram destratadas ou as mulheres não aguentaram a saudade da sessão das 14h? Ou os dois? Os programas de TV estão mais sofisticados, o que os torna mais perigosos. Por que além da cozinha, onde todos querem meter a mão na massa sentados no sofá, de repente voltamos para o “papier mâché”, o tricô, o crochê? Ou nunca saímos, só havíamos reprimido esse nosso lado obsessivo e kitsch?

Para mim, foi a síndrome do tricô. Ainda não consegui terminar uma peça que se possa chamar de peça. São todas levemente disformes. Mas nada consegue parar minha fome de lidar com as agulhas e com a lã, sanha de vestir alguém, de trabalhar com as mãos, de esquecer o computador, a leitura, e mergulhar na atividade de tecer. Síndrome de Homo faber.

Sinto que em breve estaremos bordando e montando Nossa Senhora Aparecida como enfeite de abridor de porta e, para acabar de vez com essa mania de cozinha, a pintura em frigideiras. Com as frigideiras pintadas já não haverá a mínima possibilidade de cozinhar. E teremos mudado de etapa, quem quiser me explicar estou aqui toda ouvidos.

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A pensão é a nova cozinheira, só que não dorme em casa.

Por Nina Horta
02/12/13 17:11

Crianças que seguem esse blog. Não dá para acreditar, mas deve estar acontecendo a mesma coisa com vocês. Não há mais tempo de viver! São festas atrás de festas, do Carnaval já passamos ao Natal, do Natal para o Ano Novo, do ano para o carnaval de novo, e tem visita de Papa, e jogo de futebol e não adianta ter ideias de contenção de consumo, de melhor qualidade de vida! Não adianta. Se você sai de casa não consegue mais voltar de tanto trânsito. Ninguém quer comprar nada, e sim ficar bem quieto no seu canto, paz, paz de criança dormindo.

Mas o pior é que se tem que tomar conta da própria lojinha! Então ficamos nos mandando recados de sobrevivência, como garrafas jogadas ao mar. Recebo convites para lojas de gorda. Como foi que eles descobriram que preciso entrar no programa Medida Certa? E mando perguntar se alguém quer uma festa. Ou um bolo ou um pernil, como se fosse um escambo. Uma estante, talvez, quem tem, a minha do escritório derreou. Se alguém tem uma sobrando troco por uma ceia de Natal, quem se habilita?

Não adianta ficar com esses papos de consumo zero pois como fazer para viver?

 

Buffet é a coisa mais fácil de abrir no tempo das vacas magras. Você tem um fogão, faz uma comida gostosinha, oferece para um amigo aqui e outro ali, faz o preço, a metade gasta em ingredientes, a outra metade para conseguir outros clientes e todo mundo cozinha. O chinês puxa o macarrão na vitrine, o Atala mata galinha no fim do mundo e frita, todos, todas as pessoas que eu conheço abriram um delivery e eu pensei que tinha pensado primeiro! Talvez até tenha mas eles foram mais rápidos e eficientes.

E o Correio, nessa época? Imagino que todo esse papel de convites que jogamos fora sem ler o que é, daria para construir um condomínio para centenas de famílias e com churrasqueira, cozinha gourmet e piscina morna.

A única coisa que não enjôo nunca é de livros, que venham, já estou soterrada, mas que venham, nada como um belo livro.

A Amazon lançou quase todos os livros dos chefs principais agora, no mês de outubro e já chegaram pelo Kindle. A minha ideia quando falo dos livros é poupar vocês de muita procura e dizer o que cada um tem de melhor. ou quase tudo. Mas, ler a que horas? Já não durmo mais, estou virando e levanto de manhã fingindo que dormi senão levo bronca de todos os lados.

Muito de vez em quando ponho o pé na rua. Não, entendam. Trabalho todo dia. Além de trabalhar é que é complicado. Depois de um dia de buffet, quem quer ir jantar fora? Se me falarem em vodka, caipirinha, ainda me sinto tentada, mas comida, não.

Fiz a primeira refeição do futuro. Uma amiga abriu uma pequena rôtisserie que faz comida caseira. Meu filho passou por lá e trouxe porções individuais para eu ver.  Como eu gosto da dona, já fui de boca aberta, com toda a confiança. Era gostoso, mas foi meio triste. Afinal, passei a vida toda mexendo com comida e estava ali, com uns pacotinhos na mão, sem saber o que escolher. Tinha umas novidades simpáticas, uma carne de lata, um bife à milanesa, mas fui para a massa e pasmem, para o estrogonofe que tinha uma batatinha palha bem gostosa.

O negócio é esse, comida feita em casa é mais gostosa, mas as pessoas não tem mais tempo, o mundo está cheio de novidades e carros, e daí se chega do serviço, e não tem empregada, um bom banho e um saquinho de arroz, um saquinho de carne, uma batatinha e uma verdura de saquinho, e a sobremesa de saquinho no micro e pumba. Nada de panelório, acabou a comilança joga os saquinhos fora e pronto. Não adianta chorar sobre o leite derramado,está cada dia mais difícil arrumar tempo para cozinhar, por mais dedicado e jeitoso que você seja.

Vamos esperar para ver no que é que dá.É um novo fenômeno que já existiu e muita gente se lembra da PENSÃO. A pensão trazia a comida em casa, geralmente em marmitas e no começo era uma lua de mel. Mas, devagarinho ia-se enjoando da comida que era igual toda semana e aparecia alguém querendo se empregar de cozinheira. Hoje os chefs estão em alta e as cozinheiras em baixa. Renascem as pensões. A mãe do Tim Maia tinha uma pensão e ele contava com muita graça que o botavam para levar a comida nas casas mais próximas, que ele se sentava na calçada e mandava brasa nos pastéis, nos bolinhos, logo, logo perdeu o emprego de entregador.

Ah, e os livros de fim de ano? Já, já faço outro post e conto aos poucos enquanto me delicio com meus melancólicos saquinhos de plástico, ploft, ploft. Depois falam mal do McDonald´s com aquelas caixinhas lindas. Não são tristes as caixinhas do McDonald´s  mas devem ser caras pra burro.

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RECEITA DA BISAVÓ

Por Nina Horta
27/11/13 12:37

Cuscuz doce da bisavó da Celuta – a receita veio mencionada hoje na crônica da Folha, mas não havia espaço para colocá-la lá.

Ralem 2kg de mandioca crua, à mão, em ralo fino. Lavem a mandioca dentro de um pano para tirar a goma. Esfreguem bem com a mão para que a mandioca fique bem solta.Adicionem fubá aos poucos, só o bastante para colorir a massa. . Temperem com erva doce, sal e açúcar.

Preparem o cuscuzeiro e coloquem uma camada de mandioca e outra de nozinhos de manteiga e outra de fatia de queijo-de-minas fresco. A última camada deve ser de queijo. Levem a cozinhar por cerca de 1 hora. Sirvam em fatias bem quentes acompanhadas por cafezinho fresco.

Quem quiser ficar na moda adicione umas formigas por cima. (Brincadeira, a história das formigas.)

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Sobre fubás e memórias

Por Folha
27/11/13 03:02

Surpresas fora de hora. Hoje, no café da manhã, pousavam na cestinha uns pães pequenos de fubá. Uma visita simpática os trouxera, de manhãzinha, e, pra meu regalo, pude comê-los, macios e delicados, trazidos da padaria Barcelona. O fubá não faz parte da minha culinária, ou melhor, das coisas que fazemos no bufê ou que comemos aqui em casa. Muito pouco. Em compensação, tem muita polenta de semolina. Em Roma, como os romanos.

Já não era o caso das coisas raras que minha mãe, que era mineira, fazia. Por exemplo, farinha de cachorro. Também, era uma vez na vida outra  na morte.

Acho que experimentei pela primeira vez quando ela resolveu agradar meu irmão que morava em Londres e estava de visita aqui. E a tal farinha nada mais é do que pedacinhos mínimos de gordura de porco com um tanto de carne grudada, defumada ou não.

Pois bem, o fubá comum na panela misturado com o porco. E mexe, e mexe, e mexe que não tem fim. Acho que o segredo é esse, sem dúvida, ficar uns 40 minutos sem deixar queimar e a coisa vai se transformando, vai absorvendo a gordura do porco, a carne quase desaparece, no fim são pequenos pontos mais escuros no dourado do fubá. É de comer às colheradas, mas a ideia mesmo é que acompanhe o feijão.

Talvez sejam lembranças aumentadas por serem de infância, mas havia também o chá de fubá. Esse jamais vi em qualquer livro de receitas ou descrito por velhos caquéticos e saudosos. É para pessoas que tiveram qualquer problema de estômago e que estão fracas, sem poder ouvir falar em comida.

Ela misturava uma colher de chá de fubá em uma panelinha de água, com uma boa pitada de açúcar e outra de sal. E daí, o mesmo mexe-mexe sem fim. O fubá tem que cozinhar muito. O resultado é uma bebida quente, que não é doce nem salgada e que, apesar de líquida e pastosa, tem uma textura granulada lá longe, suave, e que conserta qualquer apetite desanimado. Tomar às colherinhas.

Peixinhos e quiabos fritos empanados em fubá também são bons.

E claro que, sendo de família mineira, ela fazia angu. E é claro que uma menina chata como eu não queria comer o tal angu com quiabos. Umas duas xícaras de fubá e mais ou menos um litro e um quarto de água. Dissolvia o fubá na água fria, levava ao fogo baixo e colher de pau para mexer, mexer, a mesma técnica. Até ferver. Depois de fervido, mexer só de vez em quando.

Quando começava a soltar do fundo da panela, estava bom, o que levava cerca de 40 minutos a uma hora. Não é bom secar demais. Despejava em forma de pudim molhada, aquelas de buraco no meio. Deixava esfriar e desenformava. Aveludado e brilhante, atenção a esses detalhes. Bom, só fui experimentar uns 40 anos depois, com galinha ensopada e quiabos, e choro pelo tempo perdido. De vez em quando, faço, mas, acreditem, no micro-ondas. Seja o que Deus quiser.

E mingau de fubá, já ia me esquecendo! Com um quadradinho de manteiga no centro. E uma amiga me deu um dia a receita da bisavó. Cuscuz doce da bisavó da Celuta. Na correria da vida, nunca provei.

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COMIDA TEM QUE SER SEXY.

Por Nina Horta
20/11/13 16:11

 

Fiquei esse tempão sem colocar um post que seja, de raiva, procurando um livro que acabara de chegar, o do Gramercy Tavern, que até havia prometido a continuar falando dele no blog. Sabia a cara dele , a grossura, abri baús, baguncei mais o escritório do buffet . Enquanto isso vocês me deram a honra de mais de 2500 entradas no blog. Nem assim ganhei do Xico Sá, imbatível o sujeito., como faço para ganhar do Xico Sá com aquela graça toda?

Bom,voltando ao livro, temos um senhor que trabalha aqui na casa, sempre sabe onde se escondeu um livrinho, umas folhas (porque é ele que esconde em lugares improváveis), e perguntei  se tinha visto o livro. Para facilitar fui à Amazon e mostrei a capa. Foi, então, que por desencargo de consciência, resolvi procurar no IPAD. Dei um grito de alegria, um eureca, achei, seu Antonio, que delícia, quem diria.

Ele desceu, sossegado e minha filha perguntou o porquê do esparramo. Ele contou que eu achara o livro.

-Onde, seu Antonio?

-Dentro do computador dela.

Mundo novo, mas ele nem se abala.

Vamos ver o que o Danny Meyer acha  que é “um grande prato”

“Para mim três coisas para fazer uma comida muito boa.

Primeiro-, ter que ser simples, pouco manipulada mas que deixe lembranças.

Segundo-,os ingredientes precisam ser daqui e agora. Nossa mensagem é mais poderosa quando os ingredientes são nativos da terra. Se me jogassem no meio do Brasil, os meus pratos seriam diferentes dos de lá, com outro gosto, outra emoção.

A terceira qualidade é o gancho, que pode ser uma combinação de ingredientes que surpreenda, executada com o melhor método que já se viu. Seria descobrir um ingrediente novo como brotos de angélica japoneses. Se você conseguir fazer tudo isso – passar uma ideia simples que tenha a cara do lugar e uma novidade que te faça murmurar, oh!, você contribuiu para uma lembrança duradoura.”

Seria uma feijoada inteira dentro de uma colher, como no Mani

Um peixe do tamanho  do seu dedo mínimo com uma cavalinha que comi no Atala, que condensava todo o mar.

(Falo só nesses dois mas é simbólico. Quando me refiro a eles estou me referindo a todos os bons chefs de São Paulo.)

Difícil. As coisas precisam ser um pouco sexy – recebi a lista de um delivery, assim – arroz, feijão, bife acebolado e abobrinha. Credo, eu sei que todo o resto é frescura, mas eu não pediria nada dessa pensão. Preferiria uma arroz misturado a batatinha palha bem fina (a batata ao lado para misturar na hora) um bife de mãe, com um molho de fundo de frigideira e cebolas em pétalas, caramelizadas no molho, e a abobrinha eu dispenso, detesto, a não ser que fosse preternaturalmente crua, só passada na chapa em menos de um segundo, marcando-a de preto, como fazia o Mássimo.E o feijão, esse sim, só sendo bom já bastava, o conjunto enorme de qualidades que um feijão precisa para ser bom. Mínimas coisas que transformam o básico. Fazem de uma comida sem graça um prato sexy.

Essas tais coisas são os ganchos do Danny Meyer no seu restaurante de grande sucesso. Morou no Japão, usa missô, kombu, dashi e Panko. Panko já tem aqui para comprar faz tempo. É uma farinha de rosca japonesa, muito boa.

Faz picles de tudo, falei que a moda tinha voltado. O Benny Novak diz que vê a avó virando no túmulo quando alguém diz que picles está na moda, quando ela passou a vida conservando legumes em picles. A técnica deve ser mais ou menos a da avó do Benny – 3 partes de vinagre de arroz, 1 parte de água, 1 parte de açúcar, e uma pitada de sal. Ferva essa mistura e despeje sobre o ingrediente que vai usar. A maioria dos picles fica pronta em 6 horas,  e dura, no recipiente fechado, cerca de 1 mês…

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Atala erótico

Por Folha
20/11/13 13:39

Só não comprei o livro do Alex Atala na Amazon porque achei ridículo, afinal o cara é nosso, tudo nele é nosso, queria ir na livraria daqui, ler aqui, pagar com reais, sair com ele embrulhado na mão. (E teria feito uma grande bobagem se comprasse fora, pois achei que a edição era bilíngue, no mesmo livro, e não é; o que está aqui na minha mão é em português, inteiro. E a editora Melhoramentos me mandou de presente o “D.O.M. – Redescobrindo Ingredientes Brasileiros”.)

Me deu uma vontade de rir ao pensar num estrangeiro pegando o livro, sem acesso aos nossos ingredientes. Porque nós pegamos livros assim o tempo todo. Comidas coreanas, de Burma, de Trás-os-Montes, e ficamos lá quebrando a cabeça. Aquele primeiro livro do Noma, valha-me Deus, nem uma couvinha tronchuda.

E todos vão ter interesse em comprar por ser do Atala. Nós mesmos, até outro dia, não conhecíamos priprioca, nem maçã do coco, nem formigas, nem batatas-árias. Agora, já conhecemos só de cumprimentar batendo o chapéu, barretadas, por influência desses abnegados catadores de matinhos e matões, desses pesquisadores sérios que querem trazer à mesa o que se come aqui, dos nossos rios, dos nossos grotões. O povo que cresce perto dos ingredientes desconhecidos para a maioria nem leva em conta. Come e pronto. É novidade para nós, os “voyeurs” das mesas alheias, os que chamam de gourmets. Bem feito. Estamos dando o troco com o livro do Alex.

Os estrangeiros nos mandam aves estranhas, rebatemos com uma formiga. Ah, tem filé no sul dos Estados Unidos? Temos bacuri e pequi. Dá lá, toma cá. Ele escreveu o que quis, sem intenção de exaurir o assunto. Despretensioso, até. Lindas fotos de apresentação da “cosa nostra”.

Acho erótico esse livro dele e todos os outros de cozinheiros excepcionais dessa geração. As fotos e os textos não querem nos mandar para o fogão, ter função útil. Estão em torno do prazer em si mesmo, exigem delicadeza, um certo conhecimento, uma invenção, um ritual e, especialmente, a beleza, a imaginação, o desejo. Alguém se alimenta do palmito desfiado com pó de pipoca? Não. São diferenças pensadas por alguém, descobertas que transformam o cotidiano em beleza e variedade e gostosura, podem mesmo ser até chamadas de eróticas, que tal? Mais um adjetivo para usarmos quando formos a um bom restaurante. “Esse risoto de caramujo marinho com tangerina foi bom para você também?”

Uma erotização da linguagem culinária? A essas alturas não estou falando mais do livro, mas da cozinha do Atala. Pois se não for uma aproximação do sagrado, uma busca de essência, a comida desses novos cozinheiros não quer dizer nada. Ela não flui como um rio de águas claras, não se faz entender à primeira vista, não tem elos que a explicam, não é fácil: ora é gel, ora é balão, desfaz-se em lago, levanta-se em torre, vira espuma. É poesia. Poética, fico com “poética”.

O livro deu umas paradas por mercados, prédios, cenas de pesca, o profano, diríamos. Ou melhor, ao mundo dos livros de presente de fim de ano de banco. Mas a vida é assim, tem erotismo, poesia e tem horas prosaicas demais. Na mesma vida, no mesmo livro.

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Menos, chefs, menos

Por Folha
13/11/13 03:00

Na última crônica, falei dos garçons americanos de dois restaurantes, o Union Square Café e o Gramercy Tavern, encantada com o serviço excepcional que o dono exige. Ser garçom lá é um privilégio que entra para o currículo com três estrelas brilhando. Sei que isso não existe sem treinamento, muito falatório e grau de tolerância zero.

Vamos então aos cozinheiros. Quando a comida é muito boa, a nova apresentação minimalista do menu-degustação não me apoquenta nem um pouco —apesar de me dar conta de que isso é um problema de grandes cidades e de uma pequena parcela do público comedor.

Todo mundo gosta de prato bonito e bem apresentado. Mas… A comida tem que ser o máximo. Senão já vai enjoando —aquele mesmo pedacinho de peixe, com um pouquinho de cinza, um risco de musgo e um arroz da ilha do Pagode. Vira afetação. Nunca a espada de Dâmocles tremeu tanto sobre a cabeça dos cozinheiros. (Coisa antiga essa espada de Dâmocles, vício de linguagem, vai se falando sem saber muito bem o que é. Uma espada que ameaça cair ao menor desvio na cabeça do chef.)

Às vezes, fico desejando que caia. Lembro muito bem do tempo em que o chef Laurent fez de sua vida a missão de levantar o status do cozinheiro. Nunca se viu tanto concurso, tanta nota, tanta observação. Nós, os jurados, já nos arrastávamos, era como um desfile de escola de samba com notas para todos os quesitos como, higiene, apresentação pessoal, tempo, ordem e sabor, e prêmios que valiam a pena, como viagens a Paris.

Ele conseguiu o que queria. O cozinheiro brasileiro mudou. De cara, pelo menos. Limpo, toque na cabeça, ideias, nem tanto; poucos os bons e muitos os convencidos de que são bons. E como podem ser arrogantes! O que não precisa incomodar a ninguém, acontece que isso impede o aprendizado e a melhoria da nossa comida de restaurante.

Os bons chefs de verdade, ao contrário, são de uma humildade sem par. Vivem querendo aprender, se frequentam, não escondem receitas e sabem que nada sabem. E é coisa muito complicada esse estudo, esse ir para a frente? Estamos num momento de técnicas, não são as receitas que mais importam. Queremos saber o motivo do fogo baixo, do fogo alto, das emulsões, das coisas que tomamos por certas sem nunca nos perguntar o porquê.

O interesse pelo ingrediente também cresceu. Conhecendo bem o sabor daquela erva, misturando-a àquele peixe, vamos ter o toque especial que surpreenderá quem come, grato pela pequena novidade —que ele nem percebe bem qual, mas que o faz feliz.

Mas de quando em quando suspeito que os donos de restaurante e os auxiliares de cozinheiros preferiam que eles, chefs (geralmente autonomeados), fossem aqueles ogros de antanho, rudes, desbocados, preparando um panelão de comida que aprenderam com a mãe ou com a avó, sem rebuscamentos.

Que chatice, meu Deus, não consigo mais enfrentar um cozinheiro-sabe-tudo, enjoado, afetado, tremelicante. Por favor, mestres-cucas, deixem cair a máscara da face. Ao estudo! Falta muito tutano para poderem arrebitar esse nariz e empinar essa bundinha xadrez. Menos, por favor, menos.

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Gente genuinamente alegre

Por Folha
06/11/13 03:00

Existe um livro do Danny Meyer que se chama “Setting the Table” (pondo a mesa) que comprei de burra, achando que eram arranjos de mesa, novidades. Era a filosofia dele que explicava o sucesso do Union Square Cafe, de Nova York. Excelente livro, ótimo para donos de restaurantes. É bem escrito e de muita utilidade para nós, donos de bufês, mostrando cada passo que Danny Meyer tomou para formar seu grupo de casas de ótimo nível.

Na realidade, todo “restaurateur” tem um blá-blá-blá qualquer para explicar seu sucesso. O Danny Meyer culpa o seu sucesso ao grau de hospitalidade que aprendeu a usar e a passar para seus empregados.

Pode parecer estranho, mas em toda a minha vida nunca me senti tão bem acolhida como no Union Square Café —e olhe que sempre sou bem acolhida em restaurantes. Estava com meus netos e nem sei aonde havíamos ido, provavelmente eu os arrastara pela feirinha de frente para o restaurante a manhã inteira.

Sabe aquela sensação desagradável, de sacola na mão de onde provavelmente brotava qualquer planta fresca e nova, e os três cansados; nada daquele esplendor pós-banho que um restaurante tão chique merecia? E, na porta, perguntei timidamente a um belo garçom que olhava o movimento da rua se eram admitidas crianças. Antes que eu acabasse de falar, ele já havia carregado um deles nas alturas e, dando risada, disse que entrariam se tomassem montes de caipirinhas bem brasileiras. Perguntou onde preferíamos almoçar, no bar ou no salão, sempre com uma risada, um carinho genuíno nos olhos, que oito anos depois ainda consigo lembrar. Uma coisa natural, como se fosse o dono admitindo no seu restaurante querido pessoas muito amigas.

Como esse Danny Meyer consegue transformar o poder da hospitalidade em negócios me faz babar de inveja. O conceito dele é radical. Combinar os elementos de comida boa e fina com serviço ótimo e descontraído. Além de tudo, é perfeccionista e não para de aperfeiçoar esse conceito em todas as suas casas. E o pessoal que trabalha lá precisa comungar com a ideia dele.

Mas como ele consegue contratar gente genuinamente alegre, otimista? E ainda recomeça a pensar que não basta ser hospitaleiro com o cliente, que é preciso ser hospitaleiro com o pessoal que trabalha, com o sócio, com a comunidade, com os fornecedores. Contratar gente boa sempre foi seu primeiro passo.

Os garçons e ajudantes de cozinheiros contratados devem ter calor otimista —verdadeira caridade, preocupação com o outro; inteligência  —não esperteza, e sim inteligência, uma curiosidade insaciável; uma tendência a fazer o melhor possível em tudo que fizer; empatia —saber como os outros estão se sentindo e como suas ações podem influir nisso; autoconsciência e integridade, vontade de fazer a coisa certa com honestidade e discernimento.

O  pessoal tem que ser alegre, feliz, bondoso, amigo. Tem que ter uma chama que aparece por fora. A vontade de ser o melhor no campo que escolheu. De preferência deve ter mais que um campo de interesse.

Não é fácil conseguir aqui tanta alegria de viver. Vamos atrás dela.

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Diversificar, palavra de ordem

Por Folha
30/10/13 03:03

Já repararam que todo artista que é entrevistado sobre sua peça de teatro diz que está bombando, casa cheia todo dia, é para corrermos lá antes de perder uma obra prima daquelas. É que sabem, espertos, que se se apresentarem desanimados, comentando que é difícil encher uma casa mesmo de quinta a domingo, todos ficariam ressabiados achando que o espetáculo não deve ser lá grande coisa. Sutilezas do marketing. E convenhamos que, se todas as salas que vão ao “Programa do Jô” estão repletas, o teatro está num boom jamais visto.

Nos anos 80, quando os homens começaram a cozinhar nos EUA (era a época dos yuppies), não havia mais empregados, as mulheres ganhavam cada dia mais o mercado de trabalho, e foi preciso glamorizar a tarefa da cozinha, pois virou obrigação. E quem quer saber de obrigações? Mais interessantes são os hobbies. Apareceu o “Zagat”, muitos críticos de restaurantes, as cozinhas maiores que as salas, os “inutensílios” do desejo, como o moedor de grão-de-bico.

Agora, para todos os efeitos, não estamos em crise. Ninguém. Experimente perguntar na área dos fornecedores de comida em grande escala, de bufês, por exemplo, como vão os negócios. (É diferente receber 400 pessoas ou ir a um restaurante com a família de dois filhos.)

O interrogado abre um enorme sorriso, anda tudo de vento em popa, a agenda está ocupada até 2020. A mesma tática do ator da peça. Puxa, até a Petrobras e a Amazon perdendo dinheiro e o cara tão feliz! Você, ensimesmado, acha que a crise só bateu na sua porta.

Mas todos nós estamos botando a criatividade pra correr. Abrimos rotisserias, fazemos congelados, damos aula, vamos para a TV, escrevemos livros, inauguramos mercadinhos. Queremos carrinhos de rua.

Ai, o meu eterno sonho, dona de um carrinho desses, de puxar ou empurrar, batendo um sino pequeno para não aumentar os barulhos. O nome já pensei, “o angu da velha”, com um logo simpático.

As pessoas saindo de casa na hora do almoço para comer uma cumbuca… E quando eu me cansasse, pá, batia a tampa do carro e acabou o angu da velha por aquele dia. E iria vendendo franquias e tlim, tlim, o dinheiro se acumulando. Diversificar é a palavra de ordem.

Qual é a moda de comida no mundo? Comida de alma, comida de casa, comida de botequim… Um doidão até proibiu o foie gras. Saíram dez livros sobre conservas. Atenção, conservar! E de presente para você, que é hora de agradar o cliente:

Picles de quiabo: são ótimos, sem baba, picantes, uma delícia com pão preto e um salaminho.

2 kg de quiabos bem tenros (é preciso que sejam mesmo bem macios, pois os velhos são fibrosos demais.); 3/4 de xícara de sal; 8 xícaras de vinagre branco; 1 xícara de água, 10 pimentas frescas, 10 dentes de alho. Lave os quiabos. Deixe os cabinhos para que não soltem gosma. Ponha em vidros, bem apertados. Em cada vidro uma pimenta e um dente de alho. Esquente o vinagre, a água e o sal até ferverem. Se quiser, junte mais tempero, sementes de mostarda e salsão. Despeje o líquido quente sobre o quiabo. Feche o vidro. Deixe ficar por um mês antes de usar. (Será que precisa tanto?)

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Escolher é difícil demais

Por Folha
23/10/13 03:00

Acho a maioria dos supermercados chatérrima, nunca consegui tirar um prazer cotidiano neles –mea-culpa, a não ser o Santa Luzia, que, já expliquei, foi o único terroir que tive na infância. Mas escutar conversa dos outros, adoro, comentando o que vão ou não comprar.

Parei junto a um casal jovem que escolhia entre um curry mais caro e um mais barato. Seria o mais caro melhor? Ou não? Só diferença de preço? E se fossem diferentes, qual o grau de diferença? Valeria a pena gastar o rico dinheirinho deles numa coisa que nem se percebesse?

Fiquei ali junto, fazendo cara de intrigada com a mercadoria à minha frente, disfarçando passivelmente, achei.

Subitamente, um deles se virou para mim e, me chamando pelo nome, perguntou qual dos dois curries eu levaria.

Senti-me como o Obama flagrado pela presidente, balbuciei e, que papel de anta você faz quando sabe muito sobre uma coisa. Não há respostas definitivas, cortantes e resolvidas em nenhum setor daqueles estudados por você a vida inteira. Tudo é mais ou menos, para ensopados prefiro aquele curry tailandês em pasta, ao mesmo tempo é tão fácil de fazer em casa, por que não bater tal coisa com tal coisa, vai ficar mais fresquinho e diferente, ou não compraria nenhum dos dois, ou compraria os dois e misturaria com coentro fresco na hora, que pratos vão fazer, ah, comprem essa canela e triturem com assa-fétida, onde encontrar, huum.

Louca, louca de pedra, eles só querem saber se esse ou aquele vidro, pare de balbuciar incoerências.

Bom, essa dúvida atroz e esse “depende” dependurado na cabeça como espada me fizeram ir a um programa de rádio e atrapalhar tudo e todos. O pensamento no rádio é puro silêncio (aliás, pensamento é sempre puro silêncio, não só no rádio), e nunca haviam tido um convidado mudo, foi um terror. Não sei qual mercado do Norte ou Nordeste é melhor. Querem saber? Não acho nenhum bom, mas seria politicamente correto responder isso? Dava tempo de responder o que eu achava? Não dá. O que você acha do Neymar no Barcelona? Como não sei nada do Neymar, a resposta “tem um jogo lindo de se ver” vem como raio.

Não me peçam para escolher, escolher é difícil demais. Sei que é para ter uma resposta pronta, mas nunca tenho, achei todos os mercados extremamente pobres, sujos, tristes, com esplendores como peixes, ou ervas, ou palhas douradas, mas no geral, bem, eu diria… É melhor não explicar que achou todos muito pobres, sujos, vejamos o lado bom, o lado poético, as partes positivas, aquele monte de banana, corredores de bananas, a mulher debulhando a ervilha, o pó pra curar males de alma, ah, meu Brasil brasileiro, que pena, que dor.

Mas não pode, tem que falar dos jambus, dos filhotes, do feijão-manteiguinha, do camarão seco, bacuri, cupuaçu, maniçoba, ai, Deus, tão pouco brasileira, respondendo na ponta da língua sobre o escritor mais desconhecido do Brasil, um sobrenome de trava-línguas, Jay McInerney, por exemplo, isso você sabe, não é, sua tonta? E para nomear nossa fauna e flora, um fracasso falante ou mudo. Aí tem coisa, problemão.

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