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20/02/15 01:59A partir de agora, acompanhe as colunas de Nina Horta pelo seguinte endereço: folha.com/colunas/ninahorta
Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha
Perfil completoA partir de agora, acompanhe as colunas de Nina Horta pelo seguinte endereço: folha.com/colunas/ninahorta
No calor me dá uma saudade do mar, a menina na praia carregando uma prancha de surfe, andrógina, linda, com gosto de sal.
Tento me lembrar e só me vem à cabeça a figura daquela velha de vestido, meias, chapéu de palha, sentada na beiradinha onde a onda morre. Está sempre séria, olhos no horizonte.
Os jovens estourando em carnes frescas, de biquíni e sunga, só faltam pichá-la, ver se está viva ou é uma estátua como a do Drummond. Sentem a tensão no corpo dela quando passam.
A cada vez que a areia se mexe, a cada onda, ela se equilibra um pouco, finca as garras na areia molhada para não cair.
Sabe por que é preciso se esconder assim, do sol que queima, do vento que seca, da água salgada e fria que até dói? Sua pele foi se afinando até quase esgarçar, o corpo perdeu o tônus, simplesmente caiu em dobras, o cabelo embranqueceu.
Ficou feia, só isso, e se cobre. Sabe que ficou feia e também não gosta da ideia. Parece que ninguém vê a vida do mesmo jeito que ela, faça-me o favor, um fenômeno de ficção científica, aquele corpo jovem se deteriorando, rápido, do biquíni ao vestido na praia e, pumba, o fim daquele roteiro insensato.
Ainda sente os cheiros, não tem cheiro melhor do que o de água do mar, cheiro de liberdade, de infinito, de segredos tantos que não vai ter tempo de entender.
Ali mesmo no Leme, pequena, ia com o primo bonito à praia, esperavam a onda voltar ao mar e se lançavam como loucos aos tatuís, enfiando a mão nos buracos formados por eles na areia molhada.
A tia da janela via tudo e começava a fritar o arroz onde iriam os tatuís. Como entrada fazia uma salada russa, de batatas cortadas
milimetricamente, maionese feita em casa e o recheio de salsichas moídas. E com certeza era muito insegura, pois só faltava morrer de ansiedade por ter na mesa, como convidada, uma sobrinha de sete anos.
A comida das casas do Rio eram sempre iguais, um trivial com pastel, um cheiro misturado de todas as cozinhas de todos os apartamentos numa hora de almoço.
Para falar a verdade pura e crua, diante da beleza portuguesa do
primo menino, as comidas de praia não se gravavam na mente. Será que havia? Nem sei se levávamos dinheiro. Uma nuvem de picolés, cachorro quente, grapete, mas tudo isso era fora da praia, talvez por não existir ainda a multidão. Ah, lembro, tinha raspadinha e castelos úmidos cheios de minaretes.
Da janela do apartamento a tia se preocupava com o mocetão que era sua irmã mais moça e que não caçava tatuís, mas era caçada pelos vitelloni que a cercavam.
A tarde deixava o mar amarelo, havia brisa e jogos de bola, passeios pelas calçadas.
A velha vestida tendo um último contato com o mar continuava lá. Ela ou outra? Qualquer uma era o futuro da menina.
Só ficou o gosto de tatuí, o picolé vermelho e os aveludados olhos pestanudos do primo, bochechas rosadas, escrevendo com um galhinho o nome da namorada na areia.
O coração já doía, com uns arremedos de amor. E ainda não se vendia coco verde gelado.
ninahorta@uol.com.br
Pelo que entendo um coffee break é uma hora de descanso ou de espera para começar um dia de trabalho. Serve para que as pessoas tenham um primeiro encontro, para tirar a formalidade.
Não é café da manhã. As pessoas do mundo estão divididas nas que TOMAM CAFÉ DA MANHÃ e nas que NÃO TOMAM CAFÉ DA MANHÃ.
As primeiras não saem de casa sem ter tomado o café. As segundas só vão ter fome na hora do almoço.
Do que precisamos, então, para o coffeebreak?? Somente de um bom cafezinho, tradição brasileira. Tem que ser bom. Tem que ter máquinas alugadas que deem conta do recado.
Água e suco.
Eficiência para que todos tomem o que desejam, sem fila.
Para que o café seja rápido sugiro investimento em mesas de madeira – pranchões- desmontáveis, de tampo estreito, cerva de 50 cm, que possa ser alcançado dos dois lados. Ao serem distribuídos por todo o ambiente- todas as pessoas presentes terão perto de si acesso às mesas durante o tempo todo.
Continuo achando que sanduichinhos gostosos e bem feitos são a solução de qualquer café de executivos. Tudo pode ser colocado dentro de um pão. O que pode variar é a maneira de servir.
Sugestões. Ter um livro enciclopédico de sanduíches para ajudar.
Pesquisar pães da cidade.
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Coffee break um pouco mais alentado.
Não gosto muito dessa história de copinhos e taças, mas para poucas pessoas tudo bem
Mesa de taças e copos de alturas diferentes com saladinhas de frutas,(Cada fruta cortada maiorzinha, em taças separds.) cremes de frutas, trifles (traifels), (pão de ló, creme inglês, geleia, chantilly, alguma noz crocante.)
Espetinhos de queijo e frutas.
Taças variadas com ( Abacate com chocolate, sanduichinhos de chocolate e pimenta, churros pequenos, cones com patê e pistache picado nas bordas.( Depois de recheado encostar no pistache picado.)
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A mesa toda espetada de espetos grandes fica interessante e bonita. Tudo de espeto.
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Outra mesa linda mas que dá um trabalho enorme é a recoberta de vidros chatos, toda forrada de canapés abertos, fazendo caminhos, algumas surpresas. Para substituir tira-se um vidro e troca-se por outro pronto na cozinha.
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Um coffee break interessante no horário da tarde é champanhe em baldes de prata, geladíssima e morangos ao lado acompanhados de açúcar mascavo. Não é uma festa cara e dá um certo glamour.
Um suco
Café nas mesas para economia de garçons e copeiras.
Mesa com suco de laranja, chá gelado, copos, gelo
Mesa com máquinas de café, copinhos de média ou cachaça, tigelinhas (qualquer coisa que não tenha pires)
Mesa com ovos mexidos na hora com bacon, creme de leite ao lado para umedecer os ovos. Panela de cobre com salsichinhas quentes, na água. Pãezinhos
Mesa de panquecas de frutas, de mel, banana, laranja, frutas secas picadinhas, etc, etc.
Copinhos com frutas em pedaços grandes e espetos
Mesa com bolos em formatos diferentes,bonitos, secos. Ao lado, vasilhas com acompanhamentos. Um creme chantilly, morangos, creme inglês, etc. Cada um prepara seu bolo. Em vez de bolo poderia ter muffins e os acompanhamentos.
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Café da manhã- 2
Caipira
Mesa com café e chá e leite em chaleira e bules de alumínio, bem grandes, sobre réchauds de ferro. Canecas
Grande tacho com canjica quente e amendoim e tigelinhas ou pequenos pratos fundos.
Ou mingau de aveia ou de fubá
Broas
Batata-doce e mandioca quentes. Ao lado açúcar e manteiga
Tachos indígenas com mamão cortado
Grande mesa só de tapioca (bijus) com acompanhamentos
Queijo de Minas ralado em grande pirâmide
Goiabada mole
Bananas fritas
Pãezinhos.Pães de queijo e manteiga
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Café da manhã 3
Europeu:
Café e sucos
Ovos mexidos com muitas ervas
Salsichas de 3 sabores diferentes em panelas de cobre ou ferro. Mostarda
Muesli – o original-( Aveia, água, creme de leite, mel, suco de limão, frutas vermelhas, maçã verde, açúcar mascavo)
Um tender com osso e maçãs assadas ao lado.
Bolo inglês de gengibre ou canela- manteiga doce ao lado ou
Torta de maçã
Pão comum
Manteiga
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Cardápio 4 (Especial para festas judaicas)
Café e sucos em mesa
Ovos mexidos com legumes ou
Ovos mexidos com tomate, mozzarella, manjericão, nozes picadinhas/ ou
Ovos mayo.
Salmão defumado ou marinado com cream cheese
Terrina de pâté de fígado de galinha
Bolinho de papoula
Frutas frescas e secas em compota
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Cardápios 5
Café da manhã de padaria;
Café
Café com leite
Pão na chapa
Tostex
Ovo duro que pode ser transformado num ovo de verdade, sem a tampa, com creminho de ovos mexidos bem mole por dentro . 4 bolinhas de ovas de salmão por cima.
Sonhos
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Estamos sempre falando na dificuldade em transmitir aos outros o nosso modo de olhar. Acho que já contei um tanto de vezes sobre o cozinheiro japonês que foi montar uma mesa de sushis e sashimis na minha casa.
Eu observava, e a mesa foi se enchendo de barcos e pontes e folhas verdes de crepom, tudo feito com extremo cuidado enquanto minha cara pegava fogo de “vergonha alheia”.
A certa altura, quis ajudá-lo e levei um dos pratos e o ajeitei do melhor modo que pude. Ele veio logo atrás e rapidamente mudou o prato de lugar demonstrando pela expressão a minha gafe. Só aí percebi que “havia método em sua loucura”, que tínhamos sido alimentados por culturas diferentes.
Não havíamos comido as frutas do mesmo pomar, brincado com os mesmos brinquedos, estudado em cartilhas idênticas. Nosso olho era diferente.
Olho pode ser treinado? Acho que sim. Com o tempo. Se quer ensinar alguém a enfeitar um bolo como você enfeita, o aprendiz tem que estar ao lado, conversando, criticando, começando a entender suas intolerâncias e discriminações.
Lillian Hellman, a escritora, passava as férias nos Hampton’s, reduto de classe alta americana. Ela e o companheiro convidaram um grupo para jantar e ele, depois que colocou o arroz no prato, enfeitou-o com uma bela flor de tomate.
A Hellman se arrepiou toda, arrancou a flor, agarrou-o pelo braço e sussurrou entredentes: “Sabe que por causa desse tomate poderemos passar a temporada inteira sem um, sem unzinho convite para jantar?”.
O nosso olho é capaz de muita interpretação. Mesmo em fotos. Houve nas redes sociais muita crítica aos novos ministros empossados e à presidente, dirigida às roupas usadas por eles. E críticas a essa crítica, tida como desrespeitosa. O que estaria em pauta era o plano político e não a roupa. Acontece que a vestimenta é nossa “pele social”.
Com a pouca transparência dos políticos a roupa que vestem podem traduzir suas identidades. Há uma imagem de todo o ministério, vejam no You Tube, vale a pena.( “A presidente também dá posse à sua equipe de ministros”). Os homens vestidos do mesmo modo e na mesma posição, com as pernas solidamente abertas mostrando um consenso entre eles de como um homem se sustenta em pé. A presidente, apesar de estar de vestido, tem a mesma postura deles. Numa extremidade está uma das ministras com sapatinho de bailarina e perna cruzada muito coquete e, na outra extremidade, ministra envelopada em verde agrário. A presidente também não gostou do que viu. Entrou em regime.
A foto é um estudo das personalidades, identidades, costumes. Uma das poucas oportunidades que temos de interpretar, às vezes erroneamente, é fato, aqueles em quem votamos. E também de nos percebermos em relação a eles. Engraçado é que mais uma vez todos os críticos se expressaram em termos de comida. Pamonhas, repolhos, botijões de gás. Voltemos ao assunto primeiro. É preciso estar muito atento à critica do olhar. Tanto em bufês, como em eleições. Tudo isso para aprendermos a ensinar alguém a arrumar uma mesa. Assunto a que devemos voltar. É fascinante.
ninahorta@uol.com.br
Vamos falar a mais pura das verdades. Não dá coragem de cozinhar no calorão. Ir ao supermercado já é um sacrifício. Ir ao pequeno fazendeiro mais próximo, como mandaria o figurino, é impensável. Joguemo-nos numa lata de sardinha com rodelas de cebola.
Só de pensar no menu já dá preguiça. O sol a pino, o trânsito até o supermercado, a fila. E por mais organizada que a pessoa seja vai sobrar panela para lavar e pratos para guardar e copos para brilhar. Assim por escrito é fácil, mas o melhor mesmo é pedir um delivéri, como diz o pai de uma amiga minha. Delivéri para na porta, já dá moleza de atender a campainha, vai ter qualquer coisa errada, com certeza esqueceram a Coca outra vez.
Confesso que já fui a mais prendada das donas de casa, delivéri logo ficava com cara de feito em casa, flores na mesa, pratos bonitos. Hoje, por mim, não haveria nem pratos, nem mesa. Comida no próprio saco ou na caixinha, tudo bem. E uma boa rede e um abanico.
Quantas e quantas coisas se podem fazer em vez de cozinhar no verão. Primeira coisa, não fazer nada. Segunda, assistir reality show de comida, tem de tudo, desde a Rita Lobo, linda, fazendo comida de verdade (mas até ela põe o rosto bem na frente do freezer para refrescar e para nos animar a cozinhar com aquele vento que sai de lá).
E tem aqueles homens fingidos que vão para onde Judas perdeu as botas, mato adentro no fim do mundo, vestem uns caras de índios e se põem a cozinhar testículos de bode servidos na folha de bananeira. Acham que me enganam!
E ler sobre comida alimenta mais ainda quando o livro é bom. Por sinal comprei um sobre testículos. E quem tem tempo de comer quando o gênero pegou fogo e são publicados cerca de 25 mil livros de comida por ano? Acho que a moda chegou para ficar e, em vez de me interrogar, ansiosa, o que foi, o que foi que aconteceu, por que não se fala noutro assunto? Vou fazer o contrário. E por que não livros sobre comida? Mais interessante do que muitos assuntos escabrosos que andam por aí. Vital, para começar.
desenho de Adrianne Gallinari
Acabamos de pedir um lanche. Uma salada do chef, bem fresca, com folhas, presunto, queijo em bolinhas, ovo cozido e uma azeitona só, mas bem grande, azeitona para uma salada inteira.
De acompanhamento, bolinhos de arroz ainda quentes, crocantes, com o recheio nem mole nem duro demais.
E uma lata de refrigerante diet. Não é o bastante? E depois, o melhor vem depois, o maravilhoso vem depois! Lixo! O melhor do delivéri é a hora de colocar todas as pequenas caixas já usadas na sacola do restaurante que fez a comida e… supremo prazer, lixo!
Nem uma pequena panela para lavar. Já imaginaram nessa refeição simplória quanta coisa haveria na cozinha? Limpar todas as verduras, cortar o presunto muito fino, cozinhar os ovos, equilibrar a quantidade do queijo, fazer o molho da salada e o relish.
Ah, esqueci da panela do arroz do bolinho. E moer o próprio e, pior de tudo, fritar! Fritar com os pernilongos rondando e a água saindo pouquinha da torneira. Não. Não. Não! Decididamente é com o delivéri.
ninahorta@uol.com.br
Vamos fazer aqui uma série de cardápios. É sempre bom ter o cardápio feito por poutra pessoa para ter ideias e criticar e melhorar e mudar e trocar as novidades, não? Nem que não leiam muito, no começo, pode vir a ser interessante um dia. Vamos lá.
Cardápio para 200 pessoas.
Casamento.
As entradas serão servidas em 4 buffets grandes e a mesa posta quando os convidados começarem a chegar.
Buffets:
Cuscuz de formatos diferentes (terrine, redondos, quadrados, normais, com buraco no meio) de peixe, frango, berinjela, legumes. Serão servidos em pratos de cerâmica grandes cor de sangue de boi.
Saladeiras altas de vidro, entremeando os cuscuzes.
Salada verde com flores comestíveis
Salada de pepinos com papoula
Salada de palmitos
Salada de melancia em pedaços grandes com cubos de queijo de cabra e manjericão fresco
Enquanto as pessoas se servem os garçons estarão passando:
Pasteizinhos quentes em cestas forradas de linho.
Por último:
Gazpacho bem temperado ou sopa gelada de milho em copinho de média.
Retiram-se 3 mesas e fica uma com o cuscuz e a salada.
Buffet quente:
Picanha cozida durante oito horas para comer de colher. (Neka)
Purê de marmelo ou maçã verde
Rabanetes ao azeite, pimenta e raiz forte
Batatinha palha feita em casa
Fatias finas de abóbora ao forno com especiarias (Otolenghi)
Arroz branco com metades se alho negro, que pode ser retirado na hora de se servir.
Sobremesa passada:
Mini queijo cremoso com nozes e mel nativo
Fatias de torta de chocolate com laranja lima e casquinhas confeitadas
Sundae de sorvete de milho, pipoca doce e frutas vermelhas.
Na saída ou perto da mesa de docinhos (por conta da noiva), café com brigadeiros ou biscoitinhos
Na madrugada- Teremos uma mesa remontada com as comidas do jantar. Pãezinhos
Nina Horta, fiz os versinhos abaixo inspirado nas delícias diversas que você escreve:
“Quem nunca comeu pirão
Cambuquira de abobrinha
Mandioca derretendo
Angu de milho e galinha…
Estou há uns dez anos querendo que façam no buffet o tamboril. Não consigo, boicotam o bicho. O peixe teria que ser feito lá na cozinha do buffet para depois ser oferecido. Não foi o que aconteceu. Foi para uma festa sem ser experimentado e acharam que ficou ruim. Bem feito, quem manda não experimentar antes?
Aqui em São Paulo nunca comi o peixe na casa de ninguém, e suspeito que o problema dele é sua extrema feiúra e seu nome “peixe sapo”. Acho que um dia, se me lembro bem, Neide Rigo e eu tivemos uma conversa sobre isso e começamos as convencer os peixeiros das feiras e mercados que deviam rebatizar o bicho e aumentar sua auto-estima. Tamboril é o outro nome dele. Pois acho que pegou, vejo o peixe em muitos lugares com o nome de tamboril.
Estava lendo um livro do Eric Rippert, sócio do Le Bernardin, em Nova Iorque. Lembro muito bem quando morreu o dono, o chef que criou o Le Bernardin. Foi uma tristeza pois era um jovem comandando um restaurante de peixes que já se tornara famoso. Ninguém acreditava mesmo se seria possível ir para a frente sem ele.
Eric Rippert pegou o touro à unha e conseguiu salvar o Le Bernardin.
Quando escreveu esse livro que estou lendo, estava em crise de cozinheiro que virou chef e não tem tempo de ir à cozinha. Vai perdendo sua destreza e conhecimento da cozinha, perdendo seus dotes culinários pois tem que viajar, dar aulas, fazer jantares beneficentes e não tem mais tempo de botar a mão na massa. Resolveu sair numas férias e cozinhar com liberdade e leveza outra vez. Essa experiência lhe deu um enorme prazer e ainda trouxe o livro UMA VOLTA À COZINHA, A return to cooking. Não sei se foi traduzido. Podemos achá-lo na Amazon.
O restaurante dele é especializado em peixes e fui procurar lá o que costuma fazer com o tal de tamboril que tanto medo nos causa.
Outros motivos também podem contribuir para que o tamboril não seja muito querido. É O PEIXE QUE MAIS SE PARECE COM CARNE. Até no jeito de ser tratado. Quando conseguirmos comprar filés grossos dele, o melhor jeito de fazê-lo é na panela, na frigideira, por exemplo. É colocar na frigideira muito quente e quando ele estiver dourado de um lado, passá-lo para uma assadeira e acabar de assar lá. (Ele não fez isso na receita abaixo pois o forno pifara.) Pode ser assado inteiro, mas é preciso remover o osso. Todo o peixe do mundo fica melhor feito na hora de servir, menos o tamboril que deve descansar um pouco, como um rosbife para ficar mais macio. E quanto maior o peixe, melhor.
Qual é outra característica dele? Tem um textura semelhante à textura da lagosta e por isso é chamado, muitas vezes, nos Estados Unidos de lagosta de pobre. É servido no sul da França no Natal com sauce américaine.
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Vejamos um receita do Eric Rippert:
Tamboril salteado com soffrito de azeite de dendê.
¼ de xícara de azeite de dendê.
1 cebola picada em quadradinhos
2 pimentões vermelhos cortados em dadinhos
1 pimentão amarelo, picadinho.
2 pimentonas, não muito fortes
1 jalapeño picadinha.
5 dentes de alho, socados
2 colheres de gengibre amassado
1 xícara de leite de coco
1 xícara de água
2 colheres de óleo canola
6 filés de tamboril de cerca 180 g cada um.
Sal marinho e pimenta-do-reino moída na hora.
2 limões cortados ao meio
2 colheres de coentro picadinho.
4 xícaras de arroz já pronto
Aqueça o azeite de dendê em duas frigideiras grande ou panelas rasas sobre fogo médio. . Junte a cebola e os tomates e deixe que fiquem macios. Junte o alho e o gengibre e deixe por 5 minutos. Separe. Junte o leite de coco e água e deixe em fogo médio por uns 10 min até tudo ficar bem macio.
Aqueça duas panelas grandes, ou frigideiras não aderentes até ficarem extremamente quentes e junte 1 colher de canola a cada uma. Tempere o tamboril com sal e pimenta-do-reino .Quando o óleo estiver quase soltando fumaça, ponha 3 filés do peixe em cada uma.Cozinhe até que fiquem dourados de um lado por cerca de 6 minutos. Vire o peixe e cozinhe por mais 3 minutos, até estar bem cozido.
Enquanto isso , reaqueça a mistura de pimenta. Esprema os limões sobre o molho com o coentro e misture bem.
Para servir ponha a mistura de pimentões e pimentas no centro de cada prato, o filé por cima. Sirva com arroz.
Pois bem , ele acha que inventou um prato caribenho, mas na Bahia não iriam acreditar, não. Podemos dizer que é uma moqueca de lagosta do Eric Rippert. Vai pegar bem.
Um pequeno clássico, um belo livro de perfeito design, uma antologia de cartas. O compilador, Shaun Usher, jovem blogueiro de enorme sucesso (lettersofnote.com). E a Companhia das Letras traduziu. (Não deu tempo de comprar, cliquei um ebook.) Sou um pouco suspeita para comentar porque adoro cartas. Acho carta melhor do que olho no olho. Estamos em férias, cozinheiros, hora de descansar sem receitas. E é claro que de vez em quando fala-se de comida nas 125 cartas.
Por exemplo, a rainha Elizabeth da Inglaterra lembra-se de repente que prometeu ao presidente americano Eisenhower, quando ele a visitou em Balmoral, uma receita de panquecas. E atrasada, afobada, com uma letra que de real não tem nada, descreve em detalhes como elas são feitas.
Em outubro de 1888 um dos perseguidores de Jack, o Estripador, recebeu uma carta e a metade de um rim humano, conservado em vinho. Eram muitos os erros de inglês, mas o autor afirma que já havia fritado o outro pedaço e que estava ótimo.
O gerente de marketing da sopa Campbell diz a Andy Warhol que soube do gosto dele por sopa de tomate e oferece uma caixa de latinhas de presente. Nas entrelinhas vê-se que o autor adoraria ganhar um dos quadros da Pop Art.
Três meninas fanzocas de Elvis, ao saber que ele foi recrutado para o Exército, mandam pedir ao presidente que não corte suas costeletas.
Nem tudo é tão simples, pois um cômico responde a um padre que se ofendera com seu programa na BBC e defende a liberdade de expressão. Um “Je suis Charlie”.
Do fundo do meu coração carteiro, não acho que os e-mails tenham atrapalhado demais. Todas essas sensações que sentíamos, de conquista, encanto, amor, ódio, fofoca, são recuperadas nas nuvens da web.
Podemos imprimir a carta, vamos ouvir o barulho da impressora, o ping-ping de quando o e-mail chega, o cheiro do papel ofício, o horror, ele usa “kkkkkkkk”, ou carinhas de alegria, ela borda flores nas margens, tão fofa!
Sempre fico imaginando Flaubert, dois volumes de cartas, Virginia Woolf, seis. Emily Dickinson, “um poema é uma carta que escrevo ao mundo que nunca me respondeu”. (Mas que ela também não postou.) Se tivessem computador? Ainda vamos achar que tudo foi mais fascinante do que a epistolografia, vencidas tantas distâncias, a resposta imediata… E vão se perder? Não, o Obama guarda todas.
E não acreditam na cara de pau do Fidel, que com 12 anos escreve para o presidente dos Estados Unidos pedindo uma nota verde de US$ 10. É impagável e, se tivesse sido respondida, talvez se evitasse o futuro quiproquó.
Estou contando as cartas de assuntos pequenos que cabem nesse espaço, mas tem cartas de perda, de saudade, de conselhos, de convites, rejeições, Leonardo da Vinci oferecendo seus serviços para o Doge de Veneza, uma mastectomia sem anestesia, a descoberta da estrutura do DNA, carta de Gandhi para Hitler…
E um menininho pedindo a Frank Lloyd Wright que faça uma planta para sua casa de cachorro! Cozinheiros e não cozinheiros, juro que o calor vai ser mais brando com esse livro muito bom e bem resolvido.
ninahorta@uol.com.br
Peixe mal copiado de Goines. Em Chez Panisse Cafe Cookbook
Chegando a Oxford para um simpósio (muito bom e teórico, mas com comida impossível de ruim), fui recebida pelo Alan Davidson, o organizador, esbelto, cabelos branqueando e, querem saber?, bem bonito, inteligente, engraçado, excêntrico. Um homem genial.
Foi embaixador em Vientiane, no Laos, mas com 51 anos abandonou a carreira para escrever sobre peixes. Tornou-se um dos maiores especialistas em mares nunca dantes navegados e tudo começou quando sua mulher (eles moravam na Tunísia) pediu a ele que fizesse uma lista comparativa de peixes de lá com os da Inglaterra.
Ele aproveitou para estudar a matéria com um cientista japonês. Tem livros definitivos, excelentes, classificando peixes e dando receitas. Todos são ótimos e quem se interessar pode ir à Amazon. Além disso, compilou o “Oxford Companion to Food”, um projeto sempre em andamento, e abriu uma pequena editora.
Quando ainda em Vientiane, ele foi ao palácio do príncipe do Laos, que era conhecedor e praticante de grandes pescarias, e conversaram muito, tomando notas sobre peixes e principalmente sobre o Pangasionodon gigas, o “pabeuk”, do rio Mekong, que estava em extinção.
Na hora de se despedir, Alan Davidson lembrou-se de perguntar por quais motivos não encontrava nada escrito sobre a cozinha do Laos e o príncipe franziu a testa, pediu licença e saiu para procurar alguma coisa.
Voltou com dois caderninhos de receitas de Phia Sing, seu antigo mestre de cerimônias e chef do Palácio Real. Eram receitas autênticas e foram publicadas como “Traditional Recipes of Laos”.
Logo depois as capitais do Laos foram tomadas pelos comunistas e pelo “Khmer Rouge”, mas o livro de receitas estava a salvo.
E assim corria a vida de Davidson, ainda embaixador e com medo de ir embora do Laos e nem sequer ver o “pabeuk”, que, além de estar em extinção, trazia felicidade eterna a quem o comesse. Um grande “pabeuk” teria uns 3 m de comprimento e pesaria de 250 a 300 kg.
O mais perto que chegou do peixe foi quando ligaram para ele avisando que havia uma cabeça fresca dele e que queriam doá-la. Com inúmeras peripécias, desde helicópteros à British Airways, a cabeça de 50 kg foi parar no Museu Britânico.
Já em 1980 o ex-embaixador passeava muito por seus antigos pagos orientais com Paul Levy, escritor também, interessado em comida e inventor da intraduzível palavra “foodie”. Foram convidados para um jantar de uma sopa, num restaurante de fim do mundo, desconhecido.
Era um lugar escuro, enfumaçado, com cheiro forte de erva-cidreira e tanta pimenta que incendiava os olhos. Só havia uma mesa. Era mesmo uma homenagem. Aproximaram-se, reverentes, o cozinheiro destampou o caldeirão e avisou, orgulhoso: “Um ‘pabeuk’ ensopado!”
Talvez Alan Davidson e Paul Levy tenham sido os últimos a comer o peixão extinto que tanto haviam procurado. Azar do Museu Britânico. Paul Levy, o “foodie”, não consegue se lembrar do gosto pelo excesso de pimenta (foi o que disse.) Depois do sofrimento ecológico de ser o último ocidental a comer o último “pabeuk”, Davidson jamais comentou o assunto, desolado.
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Adoro as comidas do Andoni. Andoni Aduriz, dono do Mugaritz. Logo que saiu seu livro, de nome Mugaritz, também, comprei, imaginando ficar por dentro de um pouco de suas sabedorias. Tive uma decepção pequena. Ele estava na fase da comida queimada. Das cinzas. E por mais que me esforçasse, eu que adoro beirada de pizza queimada não quis nem pensar em fazer pratos negros, e aquelas cinzazinhas espalhadas pelo prato branco.
Na verdade só a introdução desse livro já vale a pena. Ele conta de como construiu o restaurante e ficou lá, esperando os clientes que não chegavam jamais, olhando pela janela. A linda paisagem lá fora, as estações mudando, ele passeando a pé pelas redondezas, até que um dia depois de conhecer cada erva resolveu cozinhar a paisagem, introjetá-la e comer o que via à sua volta.
Quando veio ao Brasil já tinha feito isso e foi visitar a fazenda da Margot Botti. Fez um caldo marailhoso com umas folhinhas de lá. Bebi cheia de confiança e passei a maior noite de cão da minha vida, boca tão amarga que nem o fel de muitos pecados se assemelhava ao martírio. Deve ter juntado boldo ou jurubeba, sem saber o que fazia. Mas… Não fiquei brava, voltei no dia seguinte, havia um bacalhau e umas rabanadas de brioche que eu sabia que nunca mais comeria iguais.
Bem, voltando ao livro, o Andoni além de suas florezinhas geniais caprichava no negro, vejam a vitela negra de queimada. Nem tentei.
Agora passaram- se alguns anos e chega a Dina Kaufman com um pacote comparado na Liberdade. São amendoins redondinhos e pretos e leio no pacote que são envoltos em carvão de bambu. Tostam o bambu, passam por peneiras, juntam um pouquinho de farinha de trigo e recobrem os amendoins. Ruim?
Não, além de bonitos, muio gostosos. Entrem no Google e verão que é da sabedoria culinária japonesa trabalhar essas cinzas e misturar à comida. O gosto é ajudado pela crocância, um pouco salgado, amargo e doce, aditivo.E é claro que não faz mal.
E me vem à cabeça um remédio antigo para gases que tinha o nome de carvão de …. Quem se lembrar me conte. Faz tempo que comemos carvão, só agora passou à categoria de gourmet. Vejo que o Noma também usa muito vegetais queimados e pulverizados e um outro restaurante famoso famoso da Islândia. Não tem nada de difícil só que eu imaginava que os grandes chefs tinham inventado comer cinza da cabeça deles e não, estão aproveitando as sapiências e costumes antigos, no que fazem muito bem.
Aliás,nossos índios também usavam carvão, para doenças e foi muito usado na Segunda Guerra como purificador. Espertos são os que provam e percebem que são bons na cozinha também. (Wikipedia- Esta substância tem sido usada desde a Antiguidade. Na civilização egípcia tinha seu uso difundido na purificação de óleos e uso medicianal. Na segunda guerra serviu paraa retirada de gases tóxicos a partir de sua elevada capacidade de absorver impurezas sem alterar sua estrutura, em razão de ua composição porosa.)
Vejam agora a vitela do Andoni. O nome é “Pedaço de vitela com carvão de galhos de vinha, fragmentos de tomilho e cinzas naturais , sais e rabanetes crocantes.
Já pensaram? A vitela no ponto, o carvão estalando de crocante, salgadinho. Nada mau. Cleópatra sabia das coisas e o Andoni também.
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Elis Biondi, Carolina Michelucci Garçon, Agnes Farkasvolgyi and 24 others like this.
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Ely Horta Ornellas Carvão Vegetal!
13 January at 17:53 · Unlike · 1
Rosa Maria Colugnatti Vou ficar te devendo essa informação, Nina, pois não sei.
13 January at 17:54 · Unlike · 1
Nina Horta Vi que havia um medicamento que se chamava carvão de Belloc, mas não me soou muito conhecido.
Yesterday at 01:04 · Unlike · 1
Jean Duailibi Lembro de uma lata amarela escrito “Ultra carbon ativado”
Yesterday at 05:59 · Unlike · 1