Vamos às apresentações, outra vez
12/02/12 13:26Sou colunista do caderno “Comida” da Folha, desde que o caderno foi criado, e colunista do jornal desde 1986, mais ou menos.
Tenho um bufê que abri quase ao mesmo tempo que comecei a escrever na Folha. Eles se alimentaram mutuamente
Uso o computador como máquina de escrever moderna, consigo fazer umas pesquisas, mas nada de impressionar o Ocidente por ignorância das boas fontes na web.
Não recebo jornais, ou informações privilegiadas do jornal. Nadinha. Chamo de privilegiadas as que vocês não tenham lido ainda em outro lugar. Vamos ter que nos virar com as notícias já lidas, mas podemos mastigar e pensar mais um pouco.
Estou experimentando ainda o que escrever no blog. O que eu faço? Como profissão tenho um bufê que dá o maior trabalho do mundo. Pensem bem antes de escolher a profissão. Se quiserem viver com a casa nas costas, dia após dia carregando as tralhas, acharam o seu canto. A parte de pesquisa num bufê é diária. “Sou japonesa e vou me casar com um italiano. Na festa, queria homenagear as duas famílias”. Essa é fácil. Se ela for de Luxemburgo e ele de Bombaim, piora.
Fui uma excelente cozinheira caseira. Ao passar para o bufê o hobby acabou-se. Então, hoje, faço menus, modéstia à parte muito bem, pensamos na decoração da festa, amarro pessoas com a comida, com o lugar, e a equipe do Ginger executa. É um assunto do qual podemos tratar de vez em quando.
Leio os livros de cozinha, e podemos ter resenhas leves, aqui, só para molhar o bico e a bibliografia vai junto. Quando leio essas pesquisas que faço tenho a impressão que nasci em Londres ou Nova York. E que os leitores devem me achar uma besta por não me curvar sobre as coisas brasileiras. Teria que ter mais tempo e mais dinheiro para fazer isso. E a bibliografia de cozinha brasileira apesar de ter crescido demais ainda é fraca.
Geralmente falo de um livro quando ele sai na Amazon. Faço a mesma coisa que a Amazon faz, (huum, eu e Bezos) mas tento passar uma experiência que permita a vocês terem a impressão que já leram o livro. Se quiserem comprar, tudo bem, mas nem é preciso, só na hora que precisar de verdade.
Não repito a resenha quando o livro é traduzido, quando na verdade era a hora de falar sobre ele. (Aí vai um problema, acho que todo mundo tem obrigação de ler inglês. Se temos obrigação de aprender todas essas regras novas de informática, aprender inglês para o gasto é sopa. O melhor ainda seria ler inglês, francês, espanhol e italiano, e de lambuja, alemão. Não acreditam como é fácil se existir curiosidade.)
Não sou muito fã de publicar receitas, vocês sabem como é difícil experimentar e o monte de variáveis envolvidas. Mas, tem hora que uma receitinha cai bem. Ou uma ideia nova. Ok.
Então, escrevo na Folha, e o que os leitores mais gostam são crônicas de reminiscências, memórias, crônicas sem assunto, mesmo, mas não dá para fazer isso toda quarta num caderno sobre comida, preciso dar algum conteúdo prático (ou será que não preciso?), já pensaram vinte e seis anos escrevendo sobre comida tentando não repetir?
A Ombudsman me aliviou muito em uma de suas colunas dizendo que não vale dizer “já falei sobre isso”. Então vou repetir. Às vezes, depois de 26 anos mudou até a geração que leu aquele artigo, vamos a e ele de novo.
Vou contar uma historinha.
Escrevi sobre Teresa D´Ávila, dentro de um hospital, com o marido operado. E passei por fax para a Folha. O fax deve ter se emaranhado em algum antibiótico e pulou uma página. O artigo saiu com uma página a menos.
Corre por aí uma lenda, sabe-se lá, que o Jabor saiu da Folha porque uma leitora muito fã, detectou que repetira uma crônica. Então, tenho medo louco de repetir uma.
Mas, doze anos depois da Santa-Theresa-menos-uma-página, resolvi arriscar, publicando com todas as páginas. Pois não é que recebi um e-mail de um leitor, padre, que guardara a crônica, já agora amarelada, sobre a doutora Theresa, e queria conversar? Vejam o perigo, há gavetas profundas. Pedi que ele calasse a boca, fechasse a gaveta, engolisse a santa e partíssemos para conversa mais amena.
E na verdade do que gosto mais na vida? De ler. E não só de ler livros de comida. Prestem atenção candidatos a cozinheiros e bufeteiros.
Um cliente liga e quer uma festa para comemorar a Semana de Arte Moderna. Você não pode responder “Duh”. Tem que ter lido Marinetti, tem que ter lido sobre o modernismo no Recife, tem que ter lido Oswald de Andrade, Cristo, tem que ter lido tudo e antropofagizado aquilo para que se transforme numa comidinha palatável. Então, disso não temos dúvida. Todos os livros do mundo são livros de cozinha. E pronto.
PS – Se vocês me orientassem um pouco sobre o que gostam de ler me ajudariam barbaridade!