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Nina Horta

Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha

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Mock-entrevista com Saul Steinberg

Por ninahorta
03/03/12 23:58

N – Só agora saiu em português a autobiografia a quatro mãos com seu amigo Aldo Buzzi. É um livro pequeno, afinal quatro capítulos para o desenhista mais conhecido do mundo é pouco. O que mais me surpreendeu foi como a comida tomou um viés tão importante na sua biografia. Foi quando descobri que o seu amigo Aldo Buzzi escrevera um livro de cozinha que o senhor ilustrara.
SS – Certo, O Ovo e Eu. Muito interessante o livro dele. Muitas vezes o uso para fazer uma omelete ou mesmo para reler e me divertir um pouco. Aldo sempre foi muito erudito e espirituoso e nós dois tínhamos o mesmo gosto por comida boa.

(Reflexos e sombras – Saul Steinberg e Aldo Buzzi. Ed- IMS)

N- Então vamos começar com as lembranças de infância, afinal são sempre as que mais nos marcam.
SS- Fui um menino pobre na Romênia. Não, exatamente pobre, mas com aquela vidinha apertada, ida e volta ao colégio, brincando em casa na fabriqueta do meu pai. Era uma sociedade sem mistérios. Tudo se passava em volta de grandes pátios, para onde davam as casas, com as janelas abertas, onde, imagine, todos podiam olhar, espiar.

N- Sei que tem um nariz muito afiado para cheiros.
SS – Afiado e grande. Uma vez o editor da New Yorker me chamou pedindo que diminuísse o nariz das pessoas, que na América os narizes eram menores. Fingi que concordava mas nunca tirei um milímetro do nariz de desenho algum.

 Gosto de me lembrar dos cheiros, mas só sinto algum específico quando ele aparece. Não sou capaz de trazê-los ao nariz por vontade própria.

N-Seu pai era encadernador de livros, entre outras coisas. Um lugar muito cheiroso, sem dúvida, papéis, colas, tintas, caixas, daí deve ter vindo sua paixão pelos lápis, por papel, por cores.
SS- E me lembro de tudo, da Páscoa judaica quando o trabalho aumentava pois era preciso fazer muitas caixas para o pão ázimo que seria servido. Estes pátios internos das casas eram muito interessantes. Nós, as crianças, gente trabalhando, muita galinha, de vez em quando um porco. Galinhas eram consideradas como gatos e cachorros. Podiam entrar em casa sem problema. Mas, ai de um pato se atrevesse a passar o umbral da porta da cozinha. O ganso entrava sem perguntar, tinha autoridade. Os galos andavam com passos de bailarinos, ou às vezes em marcha militar.Reparou nos meus desenhos de paradas militares? Vem muito desse andar de gansos, um atrás do outro.

N- E a comida, como era?
SS- Judaica, um pouco russo-polonesa, um pouco do norte da Romênia, à maneira húngara, muita páprica e legumes. Aos sábados servia-se um prato especial preparado na sexta, e depois deixado sobre brasas para não esfriar; e que por fim na hora de comer era transformado numa espécie de gelatina que já não se parecia nem com o frango original nem com coisa nenhuma…Mas, em matéria de comida acho que deveria me lembrar mesmo foi da inspiração que carreguei comigo das linhas e laços e círculos dos bolos que minha mãe decorava.

Escrito por Nina Horta às 22h26

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Milão e Washington

N – E foi estudar arquitetura em Milão…
SS – Ah, foi maravilhoso. Me senti pela primeira vez sozinho, dono de mim mesmo. Vivi oito anos lá, mas em 1940, um pouco antes da entrada da Itália na guerra eu sabia que seria preso por ser judeu. E fui.

N- Sofreu muito na prisão?
SS – Não. A dieta principal dos presos era pão e chá. Não havia café. Em vez de açúcar usávamos um pouco de mel, uma bala, até pão para imitar açúcar pois molhado, fica doce.  Havia um enorme tráfico de pão, pão fresco, pão seco, pão de todas as cores, com ervas, algum tempero, um pouco de cebola.Fazíamos sopa e até torta de pão.

N – Nos Estados Unidos, só morou em Nova York?
SS – Não, além de visitar o país inteiro morei uns meses em Washington., em 1966,como artista residente do Smithsonian.

N- Deu-se bem, lá?
SS- Fui muito bem tratado, mas detestava Washington e toda a sua hipocrisia, a hierarquia política, odiei a mascarada. Conheci os todos os personagens da vida política da época e as mulheres que eram mais detestáveis ainda.
Só sabiam a etiqueta de receber e o que se fazer nos jantares, mas não cozinhavam nem comiam, não seria próprio, era contra as regras.

N – Bom, deveria ser realmente um mundo muito novo para o senhor.
SS – Foi bom. Aprendi a comer com muitos garfos, com muitos copos, a não beber a lavanda, a não comer certas verduras e frutas da decoração, e não pegar a maçã da boca do leitão.

N- Pelo jeito não gostou nada. Deve ter sido até um pouco esnobado, por lá. O senhor morava em casa ou apartamento?
SS- Casa, belíssima, maravilhosa. O cozinheiro era chinês e péssimo. A pior bisteca que já comi. Um cozinheiro chinês que cozinhava mal!
A mesma coisa que um sueco baixinho. Eu só lhe pedia ovos cozidos e torradas.

N- Alguma coisa o impressionou muito na cidade?
SS- O papel de carta do Smithsonian. Fiz todos os meus desenhos da época nele.

Escrito por Nina Horta às 22h23

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Nova York

N- E Nova York, depois de tudo tornou-se a sua cidade, não?
SS–Ah, como adorei a cidade, foi minha maior musa. Ficava doido com seu colorido, sua vida latejante, seus prédios, seus reflexos. Isso, na hora que cheguei. Depois assisti a cidade se deteriorando e perdendo muito do seu primeiro encanto.


N – E o que achou da comida, dos restaurantes….
SS- Bom, nos Estados Unidos é diferente. Não tem nada a ver com o resto do mundo. Ainda são bárbaros em matéria de comida, imagine!  Restaurante não é lugar de comer e sim de se divertir. Comida gordurosa, comida frita e as crianças gostam. E se as crianças gostam o americano adulto também gosta. Eles conservaram o paladar infantil. E as crianças americanas só comem cachorro quente, hambúrguer e macarrão com almôndegas, tudo bem mole e encharcado de molho ketchup e mostarda ruim.

 N- Por que será que se formou este gosto num país cheio de bons ingredientes frescos?
SS – Bom, são forçados a comer desde pequenos pela mãe. Depois pela escola que tem merenda grátis. E podem comprar também na cantina doces horríveis, pizzas, hambúrgueres e sorvetes. Fora da escola comem também e bebem em latinhas com três canudos jogando tudo na calçada quando acabam de comer. Caixa, lata, enfim,como vacas que deixam cair a bosta no pasto.

 N – O senhor implicou mesmo com os modos americanos de comer. Deve ser um reflexo de sua infância mais pobre, reprimida, educada, obediente. Onde só se dizia não, para as crianças.
 SS- Pode ser, mas vivi na Itália e a preocupação com a comida era bem diferente. Sabiam apreciar o que era bom, os restaurantes tinham comida simples,mas muito boa.

N- Não se lembra de nada gostoso ?
SS – A única refeição boa é o café da manhã. Quando viajava eu pedia o café da manhã mesmo ao meio dia ou à noite.Torradas, ovos e presunto ou bacon, muito bem preparados com guarnições deliciosas de batatas homefried com bacon e cebola ou de batatas fritas que são cobertas de ketchup. Não se encontra presunto cru, mas o cozido tem tantas variedades: presunto de Virginia, com abacaxi, presunto defumado do sul, lombo canadense, que é um meio termo entre o presunto e o bacon. E ainda as salsichas, os wafflescrocantes, marcados a ferro quente, que parecem o traseiro de alguém que ficou sentado por muito tempo.

Escrito por Nina Horta às 22h20

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Viagens e fim

N – Antes de ler sobre o senhor jamais soube que havia estado no Brasil e que sua primeira capa havia sido a de uma revista brasileira, Sombra. Bonita capa com sol de arder, a praia e um sorvete.
 
SS –   É verdade, fui ao Brasil, e quando voltei todos queriam que eu falasse em injustiça social, em clima, em arte, como se eu fosse a revista Time, que eu falasse qualquer besteira destas que lemos e pensamos que é a realidade. Imaginem, num dos dias que passei lá, numa praia vi uma galinha que se havia raspado numa cerca recém pintada, e o que vi de mais essencial e bonito no Brasil foi essa galinha verde.

 

 N– Mudando de água para o vinho, ou para o LSD, nos anos 60. Todos descobriram o LSD. E o senhor foi convidado para uma experiência.
SS- Verdade, Providenciaram para mim discos de Ravel, Debussy e Chopin, lápis e papel.Preferi ficar sem música e sozinho no quarto. Não me lembro bem da experiência. Sei que havia um quati da América do Sul na sala de visitas, Quati de verdade, não foi alucinação minha. Brinquei um pouco com ele e depois fui passear pela mata, à volta da casa. Não me lembro de quase nada a não ser que entendi perfeitamente o que eram as árvores. Nunca havia pensado nelas antes. Dois meses depois já começaram a aparecer árvores na capa da New Yorker. Árvores steinberguianas,imagine!

 

N – Agora, para finalizar, vou fazer como a Marilia Gabriela e pedir que o senhor nos deixe com alguma frase ou poema, ou citação.
SS – Uma receita rápida? Do Aldo. Ferva uma tigela de água por pessoa, ou um pouco mais. Jogue dentro uma alcachofra por pessoa, sem as folhas externas mais duras, sem o feno, e cortada em 8 pedaços cada uma. Deixe cozinhar com sal e sirva com um pouco de pimenta-do-reino e azeite de oliva virgem.

N- O difícil é cortar uma alcachofra em 8 pedaços… E será que o caldo não fica amargo?

(A exclamação repetida “imagine” é um cacoete do desenhista e as respostas são colagens verdadeiras ).

Saul Steinberg (1914-1999)

Do facebook do Luiz Horta

http://caracterescomespaco.wordpress.com/2011/05/27/steinberg-o-genio/

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VOCÊ DETESTA COZINHAR?

Por ninahorta
01/03/12 00:29

Uma leitora escreveu que estava na feira, enlevada com as verduras frescas e legumes, uma dúvida por excesso de riqueza e oferta.
Conversando com a japonesa da barraca sobre a alegria da fartura, esta lhe disse: “Pois a senhora se engana. Há mulheres que odeiam essa coisa de comida. Outro dia, uma clientezinha minha encostou ali na barraca, triste, deprimida. Perguntei se estava bem e veio uma enxurrada de palavras, uma tristeza só, a desgraça de ter que lidar com uma coisa que não tem fim, que não tem fim…”. Estava na bica da overdose. A japonesa deu algumas receitinhas fáceis, não se preocupe, tem que relaxar, e a outra continuou lá, como se tivesse espremido cebola no olho.
No outro leitor achei muita graça, era o lado das empregadas se defendendo. É o Henrique Aguiar Campos. E ele se lembra que a vizinha da tia estava louca, procurando uma cozinheira. Entrevistou, testou, passou pente-fino na cidade, até que lhe apareceu uma moça de uns 25 anos que parecia levar jeito de cozinheira. A tia explicou tudo direitinho. Muito simples, almoço e jantar, de vez em quando um bolo, ou um cafezinho para visita, um jantar para os filhos… Coisa comum. A moça ouviu qual era o salário, pensou, meditou e saiu com essa: “Mas, dona, isso tudo é com penso ou sem penso? Se for sem penso, eu cobro mais barato!”
E, comenta o leitor, não é maravilhoso? Ela, na sua humildade, querer até baixar o salário para se livrar do penso?

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O LIVRO DE STEVE JOBS

Por ninahorta
01/03/12 00:18

Todos têm lá seus preconceitos. O meu é não comprar livros da lista dos mais vendidos, porque na realidade não são obrigatoriamente os melhores. Só querem dizer que foram os mais vendidos.


Mas, tenho um filho de bom gosto que leu e me disse que era bom. É uma biografia, bem escrita, com aquele dom que o escritor de biografias deve ter. Primeiro, gostar do biografado porque a história de alguém que você detesta nunca dá bom caldo. E é preciso também que o assunto te interesse um pouco. Com esses fatores, vale a pena ler o livro.

Com meu atual enamoramento pelo IPAD comprei na Amazon, mas foi editado pela Companhia das Letras.

Na época em que assisti o discurso que ele fez para os formandos de Stanford, logo acima, fiquei aflita e não prestei muita atenção. Vi que nenhum aluno estava muito ligado, o sol torrava o miolo de todos, e ele só dizia que não havia acabado a faculdade, pulara fora antes.

Não sei se era a melhor coisa a ser falada numa formatura, depois de tanto esforço ele  chegar à conclusão que o ideal era:

“Continuem com fome

Permaneçam bobos”

http://www.youtube.com/watch?v=UF8uR6Z6KLc

STAY HUNGRY

STAY FOOLISH

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O BAÚ DO PEDRO NAVA

Por ninahorta
26/02/12 23:11

Quando li que a minha Companhia das Letras estava dona do meu Pedro Nava, senti até um frio na barriga. Nada mais certo e adequado. Bons editores com bons autores.

Não tenho a mínima perspectiva para falar sobre Pedro Nava. A não ser que ele mora na minha cabeceira junto com Proust.

Fui criada em São Paulo, mas a família de todos os lados era mineira. Minha mãe foi contemporânea do Pedro Nava e colega de classe e melhor amiga de sua irmã, na Escola Normal. Meu tio Arthur, médico, foi colega dele na Escola de Medicina.

Lembro de uma historinha que o tio contava. Foi consultá-lo, os dois já mais velhos, e o Pedro Nava empunhou aquele fio de prumo em frente ao tio ( não sei como se chama)… “Arthur, você está torto, seu lado direito, mais baixo que o esquerdo”. O tio, também médico observava do outro lado. “ E você torto do esquerdo, mais baixo que o direito”.

Só conhecia o Nava que minha mãe chamava por um apelido que ele não menciona nos livros dele. Sabia do Nava como mineiro morando no Rio e bom médico.

Quando seu primeiro livro saiu não acreditei. Era a fala da minha mãe e do meu pai, o passado tantas vezes repetidos por eles, os lugares, os personagens, os quintais, tudo que latejava em mim, ele botou para fora em torrentes de palavras, catadupas, cachoeiras que além daquelas que eu conhecia se enchiam de anglicismos, de francesismos. As mesmas leituras dos meus avós e meus pais e meus tios, as mesmas histórias.

Foi amigo de outros Guimaraens, apreciava Alphonsus e os filhos, descrevia tudo e todos com uma fidelidade total, e o que leio sobre ele, quase sempre, sempre é o modo pelo qual fantasiou sua auto biografia. No entanto, as suas descrições da Rua da Bahia, onde morava minha mãe, o bar do Ponto, da casa de minha tia avó são perfeitas.Terá inventado outras coisas, mas não era muito bom de inventar, não, sente-se o memorialista nele, o negócio é que escreve bem demais fica cm cara de inventado. Acho que nem é inventado, é inventoriado. Essa lembrança, por exemplo, é impressionantemente justa. E muitas outras, como se levasse na cabeça o mapa de Belo – Horizonte.

E que memória! Imagino um menino pequeno catando fotos e objetos antigos, formando a história de uma época.

Acho que já comprei os livros umas três vezes. Logo que saíram e eu lia tanto que desbeiçaram. Comprei no Rio de Janeiro, outra vez, vi numa livraria no centro da cidade e não resisti. Vocês já fizeram isso? Comprar o mesmo livro mais de uma vez simplesmente porque gostam dele? Depois comprei aquela edição feita pelo sobrinho e me zanguei, até eu conseguia corrigir os erros. Agora estou precisando muito de outra, novinha em folha, para começar a ler de novo, como se fosse a primeira vez. O diabo do escritor resgatou meu passado e escrevendo muito bem.

Uma vez tentei pegar um assunto dele qualquer, não me lembro mais qual, e escrever a la façon de Pedro Nava. Que decepção! A linguagem dele é forte, viva, a minha crônica ficou um tatibitate de criança.

Nem só de amores foi minha vida com ele. Quando se suicidou, deixando um livro incompleto, e pelo motivo ridículo que alegavam, fiquei indignada.  Não era coisa que se fizesse. Nós leitores brasileiros, não merecíamos um desaforo desses. Fiquei uns oito anos sem lê-lo, de pirraça. Mas, como não ressuscitou nem nada, voltei humildemente. Que mineirice capaz, que erudição, que cultura, que humanidade, que letras tão boas, que palavras tão justas.

Minha família, que é claro não é mais tão mineira, não gostou do que chamaram de lista telefônica, ou melhor, sua mania de árvores genealógicas. Azar deles. Pois os quatrocentões não falam só sobre Cotinha, Mariinha, Ornella, Gertrudes? Por que um mineiro não pode ter mania de pesquisar origens. “Suprimindo a vaidade, o que procuro na genealogia, como biologista, são minhas razões de ser animais, reflexas, instintivas, genéticas, inevitáveis”, escreveu em Baú de ossos. “Gosto de saber, na minha hora de bom ou mau, na de digno ou indigno, bravo ou covarde, veraz ou mentiroso, audaz ou fugitivo (…), saudável ou doente – quem sou eu. Quem é que está na minha mão, na minha cara, no meu coração, no meu gesto, na minha palavra…”

Nunca me importei com isso, a leitura de Pedro Nava é um correr de palavras entrançadas com tanta beleza que dá para ler até nomes enfiados atrás de nomes,  vão ter um ritmo e cadência só dele.

Nesse mesmo jornal, na Folha, Um colunista muito bom, falou sobre suas passagens antológicas com desprezo, não entendi direito, não disse que sou cega quanto a Pedro Nava?

Memórias… de Pedro Nava14/10/2011

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Roubei do meu próprio blog

Toda vez que alguém me pergunta qual o melhor livro de cozinha que já li fico meio apertada. O que é um livro de cozinha? Um manual de culinária com  boas receitas? Alguém que fale tão bem de comida que me ponha em frente ao fogão? Um autor que inspire, penso eu. E imediatamente vem à minha cabeça o Pedro Nava, nosso maior memorialista. Vou tentar colocar aqui, aos poucos, as melhores páginas dele sobre o assunto. Todas as páginas dele são boas, mas podemos nos concentrar na comida.

Balão Cativo Memórias – 2

Aqui descreve os fundos da casa da avó em Juiz de Fora.

“Logo se ouvia o marulhar de uma corrente de água, rente a essa parede divisória (como fosso que a defendesse). O rego fundo era todo verde escuro dos inhames que nele nasciam. O riacho vinha dos lados da rua de  Santo Antônio . Descia, sussurrava e se perdia debaixo de nossa coberta, na galeria subterrânea que recebia os canos das latrinas e dava no Paraibuna. Logo à direita eram as touceiras de banana, seguidas pelas laranjeiras – ora carregadas de flores de biscuit, ora vergando ao peso dos pomos de ouro ou de esmeralda. Vinham as goiabeiras com seus frutos brancos (como que forrados de veludo e cetim de cor creme) ou vermelhos (de polpa quente e corada como o dentro dos beiços, o embaixo da língua e o fundo das bochechas). O caminho infletia para a esquerda onde ia dar numa espécie de poço de lavar café, onde as negrinhas tomavam banho.Cedo aprendemos a espiá-las escondidos no meio das pitangueiras, dos pés de araçá, gabiroba, cabeluda e das romãs de dentes sangrentos. Para cima caminhava-se no meio de mais fruteiras. De mamoeiros, limeiras,  pés de toranja, bergamota e tangerina, de laranja da terra e da incomível laranja-vinagreira (entretanto insubstituível para arear os tachos de cobre – com seu caldo corrosivo, com cinza, saibro e sal grosso).Além ficava uma espécie de palhabote de madeira, cheio, atulhado até as telhas de mobílias de jacarandá quebradas e fora de uso. Halfeld. Aos poucos a Rosa ia virando tudo em lenha. Assim se queimou uma fortuna e arderam peças de museu. Mais longe uma cacimba forrada de pedra, por dentro e por tijolos, por fora.Sobre estes, o musgo mais macio que já senti. Vinha daí a água pura que se bebia na casa – límpida como cristal, fria como gelo. Entre esse poço, a coberta dos móveis velhos e o muro dos Pinto de Moura – o campo de goles das amoreiras. Em seguida a área do croquet e dele é que pulávamos para predar as carambolas do Seu Miano. Exatamente no meio da chácara ficava  árvore de altura prodigiosa. Era um jatobá dos santos dias de outrora. Dele caiam as favas enormes e cheias de polpa pulverulenta, esverdeada e engasgativa que desprendia aquele cheiro que depois se saberia que era o vero cheiro de boceta. Havia outra fruta, também de cheiro indecente e além do mais, de aparência vulvar: o mole jenipapo. O canavial. À sombra do jatobá, a mesa e as cadeiras rústicas, feitas com galhos de árvore, onde se saboreava a garapa espremida na hora, na engenhoca movida pelas negrinhas. Até a rua de Santo Antonio, mais frutas, outras frutas, todas as frutas. Os abios. Os jambos. Os sapotis (onde estão os frutos d´antanho?). Os pêssegos de abrir , do mato, da índia.  As mangas-espada, carlota, sapatinho e rosa. Jaca mole e jaca dura. Os abacates. As uvaias. O coco-de-catarro, o jalão. Tudo quanto é pinha, fruta-de-conde e biribá.O araticum cagão que não se comia, já se sabe, era aquela água… A Inhá Luiza gostava de reunir suas amigas mais íntimas na chácara, com a família. Geralmente recebia perto da engenhoca, para o caldo de cana. Em tempo de jabuticaba sob as jabuticabeiras, para as barrigadas tomadas no pé.

Ah, eram faladas, arquifaladas as jabuticabas do 179. ……………………………………………………………………………

Entre estas mereciam lugar à parte às de Inhá Luiza.  Eram hors concours, eram gigantescas. Tinham tratamento o ano inteiro. Poda especial. Galho seco catado. Adubo de todo o restolho da cozinha  que ia para o redor de suas raízes, de mistura com estrume.  As folhas e jaboticabas que caíam, as cascas e caroços das que eram chupadas durante as barrigadas eram varridas para junto do tronco, ali fermentavam, destilavam o resíduo  que entrava de terra adentro  com a água das chuvas. Esses tratos faziam  das árvores de Inhá Luiza  verdadeiros fenômenos da terra de promissão. Quando era tempo, as frutas negras e lustrosas se comprimiam desde rente ao chão. Tronco e galhos ficavam parecendo cabeças cheias de cachos noturnos, como os da prima Crisólita, como os de minha tia Risoleta, como os de São Felipe Apóstolo no plano inferior da Tranfiguração………………………………………………………………………………………………………………..

Eram vinte e quatro pés, plantados aos pares, uma ala no meio e o encontro ogival de seus galhos fazia uma abóbada toda verde e rendada por entre cujos nervos e arquitraves o sol mal entrava.  Minha avó, como quem distribui prebendas, dava um pé a cada favorito seu – para bel prazer e usufruto. …………………………………….

Os outros eram todos dela. A ala começava com dois pares de jabuticabas-brancas que davam frutos tão graúdos como limões, cascas grossas mosqueadas de negro e verde como num vitiligo, duras e estalando ao dente, de caldo mais espesso que gosma animal. Depois vinham os vintes pés de preta comum com suas bolas – por fora de ônix, por dentro de pérola liquefeita e doce.  Quando os pés estavam cheios, negros e carregados, minha avó trazia levas de convidados  para as famosas barrigadas.. Comiam de entupir. Todos traziam cestas que levavam cheias e cobertas das folhas, verdes que protegiam do calor as frutas alteráveis e delicadas. Vinham os parentes. Os aderentes, os amigos. Os amigos dos amigos e as jabuticabeiras permaneciam forradas, coberttas de jabuticabas, daquela frutificação, daquela coma negra enrolada – como se não tivessem sido tocadas. Sobravam, acabavam caindo no chão e as negrinhas empurravam tudo para apodrecer junto ao tronco, para impregnar a terra, tornar a descer e voltar a subir no outro ano como calda incorruptível, como seiva nutriz, circulante e perene.

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CHEFS, TÉCNICAS E EQUIPAMENTOS

Por ninahorta
25/02/12 23:42

Chegou o livro do pecado. Quem gosta de utensílios vai correr para ver se está faltando algum na sua coleção. O nome é Chefs. Técnicas e equipamentos. É mais ou menos o catálogo da loja Williams Somona, criada por Chuck Williams, com texto e receitas. A introdução é de Thomas Keller, amigo do Chuck.

Cuidado, pode comprar o livro, não pode é ficar com desejo de todos os gadgets e olha que são tentadores demais!

É de babar, donos e donas de casa, (os donos primeiro, porque são os que mais gostam de equipamento culinário, sem dúvida) consumidores sem noção. Por enquanto não encontrei um que eu não tenha, ou que já não tenha tido.Melhor do que entrar numa loja americana ou francesa. Você baba com o livro e não compra, é livro, não é loja, e depois não é preciso socar tudo na mala, aquele terror que vocês conhecem.

As facas, a batedeira de mão igual à minha, formas, facas, timers.


Tem receitas, afinal ninguém é perfeito. Quem quer cozinhar com aquelas belezas? Queremos ter as coisas, nem é preciso usar, vai que gasta. Estou brincando, é genial, você vai aprendendo a cozinhar com o instrumento adequado.

Tipo de livro americano que ensina tudo nos mínimos detalhes e com fotos perfeitas. Para iniciantes é quase obrigatório. Ou obrigatório, mesmo.

Como cortar um bolo, fazer farinha de rosca, fritar chips de batatas. Achei bem legal, fazia tempo que não encontrava um livro de instruções tão bom. Quanta coisa tive que ler para juntar esse conhecimento todo. Agora está ali, alguém juntou as receitas com o jeito de fazer e o utensílio certo. Parabéns a Evelyn Kay Massaro e Suzete Castelato. Bem difícil traduzir um calhamaço desses com propriedade. Há que se saber tudo sobre cozinha. Parabéns! E a satisfação do dever cumprido, faço idéia!

Para cozinheiros novos. E velhos também. Para os novos, muitas técnicas básicas e a certeza de muita cobiça. Para os velhos uma lembrança de vidas inteiras atrás da faca ou forma perfeita.

Você sabe cristalizar cascas de cítricos? Pétalas de flores? Cortar bolo sem problema? Clarificar manteiga? Trinchar um peixe inteiro?Amarrar um frango? Desengordurar sucos de assados?

Ah, não sabe e quer saber. Vai lá, compra o Chefs. E dê de presente também, muita gente precisando desse livro para perder o medo da cozinha.

PS- Não vi o defumador manual que comprei lá. Já sei, não era legal. Não era mesmo.

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BARULHOS E BARULHINHOS

Por ninahorta
23/02/12 12:49

PARA MIM é fácil reconstruir o mundo pelos cheiros; já pelos sons, tenho mais dificuldade. Estou com saudade de Paraty e me dei ao luxo de ficar lembrando do acordar sossegado, sem despertador, uma vassoura raspando a terra dura e a pedra do terraço. Como fundo, a cachoeira que não para nunca, o grito agudo de uns pássaros matutinos e uma cortina impenetrável de zumbido de insetos.
Mais longe, a lenha crepitando. Mais perto, o acendedor de gás, umas tampas de panela desmontando, o leite fervendo na panela.
A casa é de madeira, e os sons atravessam as frestas como as andorinhas das cornijas. Um cachorro se coça na porta da cozinha e sai guinchando com um grito abafado de alguém. As galinhas e os galos se lixam para os que dormem e põem a boca no mundo, anunciando o dia e o ovo.
A geladeira tem um zumbido peculiar, a torneira pinga e, de repente, o telefone toca, o coração dispara, deve ser o namorado da menina. É esse barulho de telefone que começa a nos preparar para os aviões que passam baixo e os helicópteros das férias.
O espremedor de laranja só pára de zoar quando acabam as laranjas e as mexericas. E então se escuta o capim sendo ceifado, uma ou outra conversa de cavalos e de burros, abelhas, grilos, cigarras.
A mesa de café está sendo posta, os passos descalços vão daqui para lá com as xícaras e os pires. Na televisão, em São Paulo, de vez em quando aparecem as vinhetas para surdos. Qualquer barulho difícil -e quase todos os barulhos são difíceis de traduzir- eles escrevem “borborinho” (sic). Complicado, para os surdos, carros que passam, pessoas que conversam, fuga do lugar do crime, seis mulheres conversando, é tudo “borborinho”.
Fico pensando se o sítio também não tem sons muito destacáveis, difíceis de serem separados uns dos outros, é só um burburinho que não atrapalha ninguém. Dá para entender a água fervendo que explica o café, a máquina de moer os grãos ajudando na interpretação. Somos a audiência, os atores, os compositores nesta sinfonia doméstica doce e ritmada que não tem fim.
Os sons da natureza são harmoniosos, a chuva, quando cai num escândalo, dá medo, mas não é feia de se escutar, tem lá sua dignidade. Mas uma música a toda altura dentro de um barco no mar muito calmo e azul dá tontura. Quem sabe deveria haver uma faculdade que nos ensinasse a arquitetar os sons de uma cidade?
E ainda vai ter mão de pilão socando alho, faca afiando na pedra, feijão sendo catado, o processador virando as torradas em farinha de rosca, o bife chiando na frigideira, a casca do ovo se quebrando na tigela, o ovo sendo batido, a torneira pingando, a taioba batida com o facão e a tábua da salsa e cebolinha soando desequilibrada sobre a pia.
A banana vai fritar na manteiga para a torta, a porta do forno quebrada vai bater com força, se Deus quiser vai ter nhoct, ploct de jabuticaba, coco verde cortado para beber a água, o estalar da mordida da maçã, a melancia pesada rolando pelo chão, o som certeiro do facão eliminando a coroa do abacaxi, o tchiiii do frango grudando na panela, a massa do pão sovado, a prateada escamação do peixe, o estalo da ostra, um sugar humano de perninha de siri, outro de chupar caroço de manga, a salsicha boa que estala ao ser mordida, o tloc-tsssss da lata de Coca.
A banana não faz barulho, descasca baixinho, mas o doce se arrebenta em bolhas. É bom, assim. Tem algumas religiões que procuram o silêncio e será que conseguem?
Podíamos falar menos, evitar aquela gritaria histérica de propaganda tipo Casas Bahia, sorteio de barra de ouro, os oops de Big Brothers desassuntados, mas, não sei não, le silence éternel de ces espaces infinis m’éffraie.

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SEGUNDA DE CARNAVAL

Por ninahorta
22/02/12 00:47

Ontem foi segunda de carnaval. Larguei tudo que estava fazendo para ver o Laerte no Roda Viva. Fico impressionada com o processo pelo qual ele está passando e sempre quero entender mais.

Incrível que é possível aprender a ser mulher. Ele começou com a cara das ministras da Dilma e está se tornando uma mulher elegante e terna, com aquele vozeirão.

Ontem estava de pretinho básico, pernas cruzadas como a Sharon Stone, cabelos incomodando no rosto, e ele jogava pra trás, como as mulheres fazem.

Lúcido, inteligente, talvez consiga nos fazer ver alguma coisa que não entendíamos antes.

Mulheres, já pensaram como os homens ficaram quando roubamos as calças deles? Fingiram que nem ligaram, mas deve ter sido dolorido. E agora o Laerte quer a nossa saia e é olhado de soslaio.

Pela entrevista vejo que me falta um pouco de estudo sobre gêneros. Os gêneros foram construídos sobre bases culturais, não existe homem, nem existe mulher. Construímos esses conceitos. É isso que não entendo. E a pequena diferença, como se dizia antigamente? É tão claro que homens e mulheres são diferentes, biologicamente diferentes, mas não é a única diferença que vale. E o prazer que ele tem de se montar como mulher, me deu uma aflição de sempre ter gostado de ficar em casa de pijama velho, desconfio que sou meio macho e agora não dá mais tempo de consertar.

Vou me empenhar para compreender.

 

Nada de novo no front. Estou precisando de comidas juninas ou joaninas, não as óbvias, mas algumas portuguesas, ou algumas brasileiras desconhecidas. Qualquer coisa dos santos de junho serve. É para um casamento. Queria muito referências nordestinas, o movimento armorial, as xilogravuras, chi, estou pisando na jaca, mas vale tudo!

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DOMINGO DE CARNAVAL

Por ninahorta
20/02/12 15:48

Há 25 anos ou mais me sinto ridícula quando chega o Carnaval. Escrevo sobre ele sem melancolia, mas com vontade que voltem os bailes, os concursos de fantasia, (vocês não imaginam como pode ser engraçado um concurso desses, pelo menos era, no tempo do Clovis Bornay e do Evandro….. Alfinetadas de cá para lá, o peso enorme das fantasias, os nomes esdrúxulos, como são os nomes dos pratos da cozinha de hoje. “Faisão desolado sobre mancha púrpura de jambo branco no Egito antigo” Assim. E haja pena de galinha, de faisão e de todo outro bicho que tivesse pena.

E a fantasia mais original? Era de rolar de rir com “A tartaruga fantasma”, o “Pingüim de pérolas negras”, “A vaca barroca de coroa. “Vida e morte da Renascença ébria, nos desmanches da Idade Média”

E as matinês dançantes dos clubes do interior, as bandas de rua?

Tinha passado de moda. O nosso Carnaval tinha passado de moda.

Eu me sentia como que empurrando aquelas alegorias pesadas na avenida, com medo que não passassem a tempo por debaixo da ponte. Nada fazia voltar o carnaval, festa tão brasileira.

Nesse ano parece que meu esforço e o de milhares de outros carnavalescos não foram em vão. Tem carnaval brotando de todos os lados, das sarjetas, das revistas de moda, da ladeira, do quarteirão. A moda virou, parece que ganhamos. Só me pergunto sobre o confetti e a serpentina, o Rhodo de Ouro nem ouso querer saber.

Pronto, missão cumprida,vou guardar a fantasia e as marchinhas antigas na gaveta, fechar o armário e chega!!!! A muda pegou viçosa e forte, já podemos abandoná-la às chuvas de verão.

Últimos comentários de sábado. A hostess da Globo foi incansável, simpática e hospitaleira, como uma hostess deve ser . Palavra pronta, engraçada sem ser demais, e sem aquele lenga-lenga de “Pretinho da Portela filho de Nenê da Sacarrolha, brilha na passarela há 17 anos, junto com a porta-bandeira Milu do Sovaco, neta de Adolfinho da Viola.”.

Jornalistas de TV de última hora que não sabem o que é Carnaval, só usam o gancho do carro de alegorias encalhado que não vai passar e prejudicar a escola, e será que vai dar tempo da escola atravessar a avenida? Parem com isso. O drama é outro. É para desestressar, o gancho é alegria e não previsão de catástrofes. E se a escola encalhar? Problema deles. No ano que vem tem mais.  O mais divertido é desfilar, não é uma corrida para chegar a tempo no portão da saída. Conversa-se sobre isso na quarta de cinzas, na apuração, ok? É para fugir, para esquecer das coisas ruins, não é corrida de Fórmula 1, devagar com o pito.

Aviso aos navegantes, estou à procura de outra bandeira. Baleias? Sardinhas? Miss Universo? A cultura da TV? A TV Cultura?  Já vou avisando o que não quero.  Não quero ser vegetariana com todo respeito, nem protetora de cães e gatos, com todo respeito. Adoraria falar mal de gente que fala sua vida no celular à nossa frente e vou ver se encontro outra farrinha boa (farrinha, não farinha), que esteja desaparecendo em prol dos costumes e do politicamente correto.  Talvez implicar com os seios de silicone, todos iguais.

Podemos começar hoje a campanha nova. Já se imaginou, velhinha, cabelos brancos, toda enrugada, no asilo de velhos com aquelas mamas enormes? Vai pegar mal? Sei lá, talvez seja o único consolo….

 

 

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India

Por ninahorta
16/02/12 17:03

Curry, canela e realidade

Nos álbuns de fotografias de um inglês contemporâneo, há sempre fotos de antepassados na Índia, mulheres e homens na varanda de um bangalô. Ela veste uma saia longa, corpete, botinhas de amarrar, blusa de mangas compridas e jabô de renda. Nos ombros, um xale, e, nas mãos, às vezes nada, às vezes um bordado. O olhar é vago, além do horizonte, a pose é rígida, ereta. A pose e a roupa negam o calor, negam a Índia.

“Human kind cannot bear much reality”, disse Eliot. “O gênero humano não suporta realidade em demasia.” Era isso. Até as casas se fechavam, se encolhiam dentro de gramados, se afastavam dos vizinhos, empurravam para fora o país caleidoscópico. Memsahibs, mulheres de classe média, pouco seguras, sem outro projeto que acompanharem os maridos, estes, sim, imbuídos até a alma de sua suposta missão civilizadora.

A maioria delas não queria aprender nem apreender a Índia. O que fazer depois com os deuses cheios de braços, com a arte tão dourada, os costumes, aquele cheiro de goiaba madura e manga amarela? E o alho frito, o cravo, a canela, o enjoativo óleo de jasmim, o estrume de vaca queimado em fogueira a permear o mundo, a lenha, as brasas. Oh, my Gawd, sem contar os elefantes e camelos, os pagodes, escorpiões, lagartos, morcegos, cobras, febres malsãs, sezões.

O sonho seria morar debaixo de um mosquiteiro com ventilador de teto que afastasse os bichos e atenuasse as cores solares e noturnas, que esfumaçasse as contradições, o excesso de sensualidade e o ascetismo, a espiritualidade e o pragmatismo.

A memsahib e o patrão, seu marido, tinham por obrigação conservar distância dos nativos e governar -mais uma técnica de poder do que qualquer outra coisa. Eram pessoas comuns, de pés de barro, havia que se fabricar certo mistério para fortificar o mando. Todo artifício servia. Igrejas góticas, colunas de mármore, estradas de ferro com torres, a pompa e o luxo representando a superioridade, as convenções, os preconceitos. Era o triunfo da razão sobre a barbárie, a elegância do clássico contra o descontrole dos excessos e do grotesco.

A inglesa, então, punha as chaves na cintura, apesar das dezenas de empregados que desabotoavam sua roupa, trançavam seu cabelo, ensaboavam suas costas. A mais exilada das mulheres tentava plantar a Inglaterra em solo seco, mas de chuvas fartas. Construía a bolha onde poderiam reinar o chintz, as violetas e gerânios e o verde calmo de uma pélouse. Governava cozinheiros que cheiravam demais a curry e asafetida. Mandava matar o cupim e a formiga branca, pisava com o tacão nas cobras, espetava as borboletas em alfinetes, prendia a paisagem em leves aquarelas.

A cozinha era um cubículo escuro com bacia de pedra e fogão a lenha. O trabalho diário da memsahib, agarrada a manuais escritos especialmente para elas por inglesas conservadoras, era ver se o leite estava fervido e a água filtrada e se as frutas e verduras haviam sido passadas por uma solução de permanganato de potássio.

As mesas da sala de jantar (jantava-se a rigor) eram cobertas de linho branco, enfeitadas com guirlandas de hera. No centro, um épergne de prata com rosas, e salvas espalhadas cheias de chocolates, pralines e frutas cristalizadas.

Sob as mesas, enfaixavam as pernas por causa dos mosquitos e nas noites mais quentes enchiam bacias de gelo para os pés e acendiam candeeiros para atrair os insetos para mais longe.

Não podiam escapar de todo dos curries, aos quais se afeiçoaram, às galinhas recheadas com damascos persas, aos chutneys de coentro, ao coco, aos cajus e abacaxis, lassis de manga, refrescantes coalhadas geladas, com frutas e especiarias, do arroz de cardamomo e pinhãozinho, da sopa de camarões e canela.

Mas faziam toda a força possível em contrário. Aqui temos um típico menu de 1882: “Sopa de amêndoas ou caldo de carne; peixe cozido; croquetes de timo; maionese de lagosta (de lata); almôndegas com tomate; quenelles de perdiz; peru cozido; pernil de carneiro; rins à alemã; Sobremesa: geléia de marrasquino, creme brûlé, merengues, queijo fresco, stilton; sorvete de limão; sorvete de café; frutas da estação, bolos e biscoitos”.

Os cozinheiros se adaptavam ao básico da cozinha das memsahibs, lidavam com o sagu, a semolina, o melado, a gelatina e a farinha de trigo, mas tinham lá suas pequenas vinganças. Coloriam o purê de batata de vermelho e verde e moldavam pêras com um cravo na extremidade. Serviam a salada de frutas dentro de fios de caramelo e mandavam o sorvete para a mesa em formato de castelo, assim como esculpiam Shiva em gelo. Punham muito “vark” de ouro e prata sobre a comida. A inglesa imperialista tinha que engolir. E gostava.

Para saber mais sobre comida indiana: “Curries and Bugles, a Cookbook of the British Raj”, Jennifer Brennan (Penguin Books); “Plain Tales from the Raj”, Charles Allen (Abacus); “Stones of Empire”, Jan Morris (Penguin Books); “Women of the Raj”, Margaret MacMillan (T&H); “Arqueologia Culinária da Índia”, Fernanda de Camargo-Moro (ed. Record).

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A namoradinha do presidente Kennedy

Por Márcio Diniz
13/02/12 18:04

 

Cai na esparrela, bem feito! Apertei o dedo nervoso no Kindle e comprei “Once Upon a Secret”, de Mimi Alford. Se me perguntarem por que comprei um livro com mais uma história de amantes ocasionais de Kennedy, eu não saberia responder. Li em 3 h mais ou menos, e na realidade o livro poderia ter somente estas linhas:

“Todo mundo tem um segredo. Esse é o meu.

 No verão de 1962, eu estava com dezenove anos, trabalhando como estagiária nos escritórios de imprensa da Casa Branca. Durante esse verão, e por um ano e meio que se seguiu, até sua morte trágica em novembro de 1963, tive uma relação íntima e prolongada com o presidente John F. Kennedy.

 Guardei o segredo com disciplina quase monástica por mais de quarenta anos, contando somente para pouquíssimas pessoas de minha inteira confiança, inclusive meu primeiro marido. Nunca contei a meus pais, ou filhos. Achei que continuaria um segredo até que eu morresse. Não continuou.”

 Uma biografia de Kennedy mencionou o caso e ele veio a público. Já que todos souberam  escreveu um livro sobre o assunto quase que como uma virgenzinha de colégio de freiras e um presidente simpático que a convidava com frequência, depois de um banho de piscina, para dormir com ele.

 Só estranhei toda a vergonha que ela sentiu por isso, vergonha da qual só se libertou aos sessenta anos. Não parece coisa dos anos sessenta, ou mudamos mais do que eu imaginava de lá para cá. 

 O que se apura é que Kennedy tinha mesmo uma vida sexual muito ativa com várias amantes e Jacqueline ao mesmo tempo. E a menina que se coloca como uma Martha Stewart de prendas domésticas com dezenove anos já sabia muito bem o que estava fazendo e ninguém a obrigou a nada.

 A história de um dos casinhos do presidente com o mínimo de detalhes. Uma Mônica Lewinski mais magrela e comportada. E a sua narrativa parece bem honesta, sem escândalo, sem queixas ou acusações. Como uma reportagem bem neutra, para nós, e que no entanto a marcou por todos esses anos, inclusive destruindo seu primeiro casamento já que achou que deveria contar a história ao noivo. E a impressão que dá é que ele se casou mas a manteve refém do segredo por vinte e seis anos! Durma-se com um barulho desses.

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