Bem, não é preciso contar o livro todo. Hoje está feliz com um restaurante de comida afro americana no Harlem. Começa a notar a beleza do bairro, vai morar lá com a mulher, também negra que encontrou em New York .
É assim que começa o restaurante Red Rooster.
“Quando penso na minha missão como chef negro, vejo tudo claro. Documentar, preservar, apresentar, capturar, inspirar e aspirar. Estou documentando a história do Harlem, no Rooster, preservando a bela história da comida afro-americana através das minhas lentes suecas-etíopes.” Nada mais globalizado, não é?
“Nesse meio tempo eu me tornei um chef, um pai, um marido, um orientador e um amigo. Não se pode tomar um trem para Adis Ababa, mas pode-se para o Red Rooster
Passei tanto tempo da minha vida por fora que até comecei a duvidar que um dia seria parte de um povo, um lugar, ou tribo. Mas o Harlem é grande o bastante para aceitar tudo que sou. Harlem, grande e diversificado o bastante, velho e novo o bastante, para abarcar tudo que sou e que ainda espero ser. Depois de tanto viajar, estou, enfim, em casa.”
Vamos pegar as influências dos vários países na cozinha de Marcus Samuelsson. |Dicas dele.
“Para mim, minha mãe é como o tempero de nome berbere, mistura de condimentos etíope. É usado em tudo, de cordeiro a amendoim. É nosso sal e pimenta.
Ela era pobre e nos alimentava com shiro, uma farinha de grão de bico que se cozinha como se fosse polenta. É jogar na água e juntar manteiga, cebola e berbere. Fica em fogo baixo por 45 minutos, até ficar com consistência de hommus, e então é comido com injera, um pão azedo rico feito de grão de nome teff.
Arenque é o clássico peixe sueco. Aparecia em quase todas as mesas, fazia parte de quase todas as receitas, menos das sobremesas, e principalmente nos feriados. Está até trançado na língua. Você pode ser surdo como um arenque, ou burro como um arenque. Os condutores de bonde eram chamados de condutores de arenque. Se você está cansado é um arenque morto. Sapatos cheios de chulé são potes de arenque.
Os fregueses de Ljungqvist´s(o vendedor de peixe) compravam muito arenque.- Para cozinhar na água, fazer picles, assar, ou colocar em camadas nas casseroles com queijo, alho poró e tomates. Nas noites que minha mãe iria fritar o arenque, ela evitava o arenque de 20 cm e comprava o menorzinho, pele de prata, ströming que vinha do Báltico e se encaixava melhor nas suas frigideiras de ferro. Sendo uma sueca dos anos 50 ela podia servir ervilhas de lata horríveis, mas o arenque era outra coisa. Ela tirava as escamas, eviscerava e fazia os filés. Para ela o arenque não era um trabalhão na cozinha. Saber como limpar um peixe era tão inato quanto abrir uma porta.
Comíamos nossa versão sueca de um hambúrguer. Carne feita na panela, uma almôndega coberta por cebola caramelizada. Algumas vezes o hambúrguer era misturado com cebolas, alcaparras, e nabos em picles antes de ser passado na manteiga. De onde eu venho isso é comida de alma, e boa pra burro.
Os suecos tradicionalmente preferem o picles salgado, azedo e doce. Para conseguir essa mistura de sabores, usamos uma solução chamada 1-2-3: 1 parte vinagre, 2 partes de açúcar, três partes de água. Mas, o vinagre sueco tem que ser ättika……..duas vezes mais ácido do que os vinagres americanos. Minha avó fazia picles constantemente com essa proporção que ela punha em jarros e guardava na despensa.
Depois que matávamos e preparávamos a galinha, minha avó as salgava bastante. Porque a salgava? Porque mesmo que tivéssemos uma geladeira era não fora criada com uma. Na cabeça dela o frango poderia estragar. E o que acontece se você salga alguma coisa? A pele fica mais firme pois o sal preserva. A carne fica mais macia. Depois de salgar punha a galinha no sótão por algumas horas pois lá era frio e seco. Os chefs modernos deixam no ar refrigerado para a pele ficar seca, o que facilita o assar. Ela sabia intuitivamente essas coisas que nos ensinam nas escolas de chefs.
Quando estava na hora de assar a galinha ela me mostrava as especiarias que usaria – cardamomo, gengibre, sementes de coentro, que ela moia e passava por toda a pele. Então colocava cenouras na assadeira, fazendo uma caminha para a galinha se deitar. Recheava a ave com coisas do seu quintal: alecrim, maçãs, cebolas, talvez um pouquinho de alho. Costurava e levava ao forno.
Nas férias de verão, na praia com o pai.
… Na cozinha Nini já tinha colocado quatro pedaços de quadrados de pão preto para sanduíche com: ovos cozidos duros cortados em rodelas, pasta de ovas, maionese, e cebolinha picada e filetava então as cavalinhas que havíamos pescado e defumado lá mesmo, polvilhava-as com pimenta-do-reino e alho, e colocava a carne do peixe quente e saborosa por cima de cada pão.
Quando saímos para jantar fora comíamos ou perca frita com batatas cozidas ao dill e manteiga.
Numa pizzaria eu pedia a Capricciosa: cogumelos, alcachofra, presunto e azeitona.
E também o restaurante que vendia camarões “descasque e coma”. Era uma comida popular pelo jeito que era servida. O camarão vinha num prato grande, com casca, cor de rosa e gordo, ainda com a cabeças, e cada pessoa pegava um punhado de uns dez de cada vez. Descascávamos e havia uma vasilha de água ara se limpar as mãos. Depois pegava-se uma grande torrada, passava-se maionese e o camarão ia por cima com um poico de dill picado e uma espremida de limão. Ao acabar recomeçava-se todo o processo. Era muito gostoso.
Aprendi com a mãe da namorada, japonesa, a pegar os pepinos cortados em bastonetes e mergulhá-los no missô e a polvilhar com bonito em flocos. Vegetais crocantes e frios, molho fermentado e delicadas fatias de peixe que praticamente se derretiam ao toque.
Comecei a fazer molhos à la minute. Para sole, eu entrava depois que o peixe havia sido cozido na manteiga, juntava mais umas colheres de manteiga à frigideira e esperava que ficasse dourada. Juntava, então, salsinha e suco fresco de limão e experimentava meia colherinha para julgar o sal. Passava para o cozinheiro que provava de novo e despejava o molho por sobre o peixe já no prato.
….aprendi que não adiantava olhar para ver se o molho estava pronto. Afundava-se uma colher no molho e vendo se grudava na colher. Se escorria o molho estava fino demais, se grudava, estava bom.
No meu estágio com o entremetier aprendi a fazer ma deliciosa sopa de abacate com leite de coco, enfeitada com grapefruit sanguínea e pimenta-rosa. …. Fiz centenas de mille-feuilles com frutas vermelhas, cada uma com uma bolota de sorvete de champagne, enfeitado com caramelo.
Lagosta com abacate
Salmão defumado no tandoori
Como café da manhã, na Espanha, eles pegavam tomates maduros, descascavam e amassavam por cima da torrada, e salpicavam pimenta-do-reino por cima.
Em Porto Rico pedi camarões de mofongo que me desapontaram à primeira vista, simplesmente um prato com um mingau cinzento por cima. A garçonete me mandou usar a colher e debaixo do aveludado purê de banana-da-terra encontrei uma mistura de camarões picados e porco. Agora que sei alguma coisa da cozinha africana vejo que é uma mistura das bananas africanas e temperos caribenhos.
No dia seguinte, afundei dois peitos de pato em água salgada e coloquei um peso por cima para não subirem. Seis horas depois tirei um deles da salmoura e salteei com mel e molho de soja……….. no segundo juntamos erva cidreira e folhas de limão kaffir. Ficou fantástico.
E mesmo no caso do hovmästardsas – um molho doce de mostarda com dill, servido com gravlax, que era quase que uma religião na Suécia, eu fiz mudanças, procurando um sabor de nozes. Juntando nozes mudaria a consistência, e sei, então, café expresso coado. ….Eventualmente passou a ser o molho usado no arenque e no gravlax. Mais tarde retirei até o dill que me parecia um lugar comum.
Lagostas embrulhadas em fatias de pêra……uma sopa de tomate com carne de caranguejo no meio. Assei tomates no forno a baixa temperatura com sal, açúcar, pimenta-do-reino e alho. Depois enchi cada tomate com caranguejo desfiado e coloquei no meio de um prato fundo, rodeado por uma concha de sopa de tomate com bastante gengibre e notas de erva cidreira. Sabia que esses sabores se misturariam bem e foi o que aconteceu.