Tira, põe, deixa ficar!
17/10/12 03:00Temos um cozinheiro novo, simpático, habilidoso com as facas e esforçado. É tão generoso que me deu um celular velho, no qual posso escutar os gritos da Carminha, bem baixinhos, nas festas onde estivermos.
Bem, fui mostrar a ele como saltear uns cubos de peito de frango à chinesa, para ficarem bem macios, e o rapaz quase morreu de ofensa. Juro, quase se demitiu! Começou a desenrolar a história da comida e das técnicas chinesas inventadas. Tudo ali, na hora, como se fosse um mandarim. Já o apelidei de China, e, me parece, depois de ter surtado, ele gostou do meu método de deixar o frango macio.
A primeira pergunta a um candidato a emprego de cozinheiro é se ele sabe cozinhar. Um truque, naturalmente, que aprendemos com o tempo. Se ele diz que “sim”, nem precisa perguntar mais nada. É mudar para o próximo da fila. O bom cozinheiro sabe que nada sabe. A cozinha é um poço muito profundo.
Ai, que saudade, de bater um bom papo sobre comida, olhando o mesmo livro, serena, sem rivalidades, sem modas, sem pequenas mesquinharias de lado a lado, lendo por prazer, achando graça. E, por incrível que pareça, você só consegue fazer isso com um amigo, ou bom cozinheiro, ou alguém que vai se tornar uma grande cozinheiro.
Os pequenos lutam por seus espaços como cães de fila, parece que precisam saber de tudo, não dão o braço a torcer. A comida deles está sempre certa, é sempre melhor. Que canseira. A comida vai ficando, assim, como um estádio de futebol, com várias torcidas uniformizadas e até com hooligans, cruz-credo!
Já pensaram que alegria seria ter um laboratório como o do Rodrigo Oliveira, do Mocotó, e do Ferran Adrià? Lugar de acertar, mas de errar também, longe das vistas dos outros. Se eu tivesse um cantinho desses poria o nome de cozinha Caxangá. “Escravos de Jó jogavam caxangá. Tira, põe, deixa ficar! Guerreiros com guerreiros fazem zig, zig, zá!” Sonho de todo mundo que quer aprender, uma cozinha experimental, sem egos, sem palmas, sem choro nem ranger de dentes, sem soberba, humilde como só ela, perseguindo a perfeição, desanuviando o ambiente, dando risada de si mesma.
Adorei a explicação de um dos mais apreciados cozinheiros o mundo, Thomas Keller. Pensou e pensou como chegara àquele perfeccionismo culinário. Respondeu, sem fazer gênero: “Quer saber? Culpa da minha mãe. Não éramos ricos, e a minha tarefa em casa era limpar o banheiro. Só. Mas, o que eu brilhava aquele banheiro! Fui me aperfeiçoando, não deixava um canto sem escovar e brilhar. Foi ficando uma joia. E daí em diante tudo que eu pegasse como emprego era feito com a mesma disposição. Acabei na cozinha, mas imagino que qualquer outra coisa que fizesse espelharia aquela primeira tarefa”.
Não tem jeito, temos de negociar as críticas, o trabalho do cozinheiro é sempre avaliado. Se ele é dono do restaurante, os críticos serão os clientes, não tem escapatória.
E para não chorar vamos nos comportar como os cronópios, dançando em roda, sem medo de sermos felizes. Nós, cozinheiros, eternos aprendizes.