Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha
Perfil completoJABOTICABAS, PÃO, FLORES e ALEXANDRA FORBES
21/11/12 01:06Nunca tenho fotos, arrebanhei essas para dar um colorido, ilustrando a coluna de hoje.
E surpresa das surpresas, quando no dia seguinte levantei (bem tarde) para tomar o café da manhã, adivinhem, tinha chegado, de presente para mim, um pão MAGAVILHOSO, quente ainda, casca grossa, miolo saboroso, me matei de comer. Feito por quem? Luiz Américo, insigne crítico de comida do Estadão, de hoje em diante o meu melhor amigo.
Deus te abençoe, Luiz Américo, você é padeiro de verdade, e salvou meu feriado, era pão para não botar defeito.
Mas, que excesso de feriados! Tanto feriado atrapalha o lojinha, confunde a semana! Alimenta a preguiça de nós todos… Fiquei até enfarada de tanto ler. (“enfarada” é palavra velha, velha, procurem no Google, vocês, crianças!)
E adivinhem uma leitura que adorei? A página de cozinha, ou melhor, de comida do New York Times que foi traduzida pela Folha, na segunda feira, 19 de novembro.
Um exemplo de página boa de comida. Assuntos interessantes, nada para mudar o curso do Ocidente, mas artigos que li com prazer, bem escritos. Um ensaio de Peter Wells sobre os menus-degustação, que podem virar armadilhas. A história da cozinheira Daniele Delpeuch que era chef pessoal do presidente François Miterrand, no segundo mandato e o filme que foi feito sobre ela, lançado em outubro “Les Saveurs du Palais”. Apesar ou porque é meu nicho, o de coisas e livros estrangeiros que vão demorar a chegar aqui, adorei.
E já que a Folha tem cadernos, (que nem gosto muito, gostaria de um jornal sem cadernos), por que não juntar essas traduções de artigos ao caderno Comida?
E sabem um blog que não podemos perder, nessa mesma veia de restaurantes fora do Brasil? E mesmo de qualquer outro assunto ligado a comida? É o blog da Alexandra Forbes, da Folha, também. (Ela é colunista da Folha há pouco tempo.) Descobri essa menina quando ela era criança pequena, uns dezoito anos e já escrevia para revista importante de São Paulo. Casou, mudou para o Canadá, e daí não parou mais. Hoje é uma globetrotter, especializada em comida, em restaurantes, nos seus chefs, tem cabeça ótima e escreve com fluência invejável. Como seu pai, talvez, Geraldo Forbes que também é encantado com o assunto e escreve como ninguém.
Invejo a Alexandra. Como consegue viajar tanto, de cá para lá, comendo, anotando, contando para a gente, fotografando, dando sua opinião valente? Parabéns, mais uma vez, Alexandra, tenho te mantido sob lupa e ainda não descobri um defeito que fosse. Boa, perseverante, lutadora, sedutora, cheia de garra, ótima em línguas e ótima de blog.
A amizade com ela quase se tornou impossível por causa de uma gafe minha. Ela me telefonou, uma vez, há mil anos atrás, e convidou para ir comer um risoto na casa dela. Havia convidado um chef, especialista em risotos, (acho que era o Gianni Tartari) e ela própria faria um risoto do livro que ele acabara de lançar. Aceitei o convite, mas a preguiça paralisante que tenho começou a me cutucar. Ah, uma daquelas festas enormes que não dá para conversar, em pé, gente desconhecida… Não vou ceder à tentação. Meu cabelo está precisando de um óleo, de um hidratante, vou lambuzar a cabeça, amarrar com um turbante para ver no que dá. E dito e feito.
Embrulhada no tal de turbante, lá por 1 hora da tarde Alexandra me telefona. “Nina, que atraso! Eu e o chef estamos esperando você para começar!!!!”. Bom, já adivinharam, a convidada era só eu. Cheguei lá . De turbante, mas cheguei.
E foi engraçado. Alexandra, menina de tudo, nervosa e linda, (tem isso a mais, ela é bem bonita) se pôs a cozinhar numa eficiência sem par. Acabado o risoto perguntou ao chef: “O que você acha? Falta alguma coisa? Ou ficou certo?” Ele, meio encafifado (outra palavra para o Google), foi perguntando coisas à ela, de modo socrático, até que ela própria chegasse à conclusão de que faltava sim. O risoto era de frutos do mar e ela esquecera de quê? Dos frutos do mar. No final deu tudo certo. E toda essa conversa fiada é para dizer que Alexandra é muito boa, mesmo, e que quando quiserem saber de restaurantes, de opiniões sobre o que vai pelo mundo e pelo Brasil também, corram ao blog dela. É bem feito, inteligente e muito informativo.
DEDICOU AO MARIDO
18/11/12 17:59Ai, quanta coisa para ler nesse mundo sem fundo… Muitas vezes o que me sobra de um livro são as bordas do mingau que se comem primeiro por estarem frias.
Vejam os créditos do fim do livro de Paula Bradwell
“All in: the education of General David Petraeus.”
(Como diria meu pai:”perdeu uma boa oportunidade de ficar calada”)
“Agradeço principalmente ao meu marido e melhor amigo, Dr Scott Bradwell, que brincou de mamãezinha com nossos dois filhos pequenos enquanto eu estava no Afeganistão ou Washington e que os protegeu de qualquer eventual ansiedade ou saudade da mãe aventureira num país do terceiro mundo….
Scott mostrou uma tolerância admirável na minha ausência e nas muitas noites e madrugadas no computador.Só tenho que agradecer por ter um marido extraordinário que me apoiou tanto…………..
O livro não teria sido possível, é claro, sem a cooperação do general David Petraeus.
A boa vontade de Petraeus para responder com prazer às minhas infindáveis perguntas, e deixar que eu explorasse todos os cantos do teatro da guerra me deram uma oportunidade de aprendizado que só se tem uma vez na vida e agradeço seu apoio, confiança e candura………. Agradecimentos especiais a Holly Petraeus………………………..
Fiquemos amigos dos micróbios
14/11/12 03:00Não é possível começar como padeira e ficar só “padeirando” durante uma centena de anos. A minha paixão por pães durou uns dois anos, e dez quilos a mais. Fazer pão engorda. Lembro-me de que comecei com o intuito de fazer todos os pães de um livro da Elizabeth David, um tratado. E nada dava certo, problemas das farinhas diferentes.
Desanimada, conversando com uma das cozinheiras do bufê, ela me disse que a mãe era excelente padeira. Morava na Freguesia do Ó, e tinha como instrumentos uma lata redonda de cera e uma gilete enferrujada. Foi com ela que aprendi que pouco era preciso para conseguir uma bela trança marrom dourada.
E daí em diante me botei a fazer pão com ímpeto, dia e noite. Até passeava com o ele. Sabe o lugar em que o pão cresce bastante? No bagageiro de uma perua, embrulhado em fofos panos, o sol de inverno batendo leve. Fermentos.
Nesta semana me caíram nas mãos um artigo e um livro que tratavam do mesmo assunto. Na revista “New Yorker”, li “Nós somos os micróbios”. E o subtítulo: “As bactérias nos adoecem, será que também que nos mantém vivos?”
O doutor Martin Blaser diz: “Somos um ensopado (usou a palavra “stew”, um cozido de panela) de infinitas variedades de micróbios, que trabalham de um jeito que não entendemos direito. Os antibióticos são tão fabulosos que nos confortamos com a ideia de que não há desvantagens. Mas elas existem: matam a boa bactéria e a bactéria má.”
A implicação da frase dele é que a boa bactéria atua como um antibiótico -e muitas vezes é mais eficiente do que o que compramos na farmácia. O nosso microbioma nunca é estático ou simples. Geralmente, é uma briga de foice entre espécies. A tarefa difícil da medicina é controlar esse campo de batalha.
E roubei do meu filho Sylvio o livro “The Art of Fermentation”, de Sandor Ellix Katz. Excelente, mas excelente, mesmo! Um livro tira-medo. E fácil, fácil. “O seu chucrute está com uma barba branca de mofo por cima? Esqueça, tire a barba e coma seu chucrute sossegado.”
Fiquemos amigos dos micróbios. Vivemos – ou queremos viver – num mundo esterilizado. A comida toda na geladeira (ai, como tenho implicância com comida de geladeira) dentro de caixinhas fechadas, uma batalha perdida de antemão em relação a bactérias. Sosseguem, mães preocupadas, as crianças muito protegidas têm mais alergia e asma, por exemplo. E o dr. Bactéria não passa de um terrorista.
Se cozinhar é um modo de se ligar à vida, a fermentação é um dos aspectos preciosos dessa arte. Como livro de comida, esse comentado acima ensina raras receitas, mas nos ajuda principalmente a formar um conceito maior.
Os coreanos têm expressões que diferenciam o gosto da comida da “ponta da língua” aquela que não foi feita por nós, a industrializada e a comida “das mãos”, feita por nós, que cria vínculos com quem as faz e quem as come. Talvez o equivalente de comida de avó ou comida de mãe, comida de alma, é o amor…
Essas coisas que sempre nos pareceram piegas vem sendo reclamadas pela ciência, quem diria!
O homem que comeu o mundo
07/11/12 03:00Jay Rayner é o crítico de comida do “Observer”, de Londres. Começou nos 90, quando Londres e o mundo já haviam redesenhado o mapa dos restaurantes famosos. E ele tinha a impressão, grudada no fundo de sua consciência, de que em algum lugar do mundo existia a melhor comida. E de que ele poderia achá-la se se esforçasse muito.
Durante o dia ia aos restaurantes e, à noite, lia blogs. Adorava os blogs de Steve Plotnicki, um nova-iorquino milionário que frequentava todos os restaurantes sempre levando uma garrafa de vinho de sua adega, mesmo que estivesse num boteco vagabundo. E o blog “Chez Pim”, da tailandesa Pim Techamuanvivit, por causa das suas receitas complicadas das ruas de Bancoc e dos menus parisienses que ela também postava depois de visitas.
Quanto mais ele se empenhava, mais reconhecia que o mundo havia mudado. Primeiro era só Paris. Se queria comer bem era em Paris, uma cidade inteira confiante na sua capacidade de oferecer a melhor comida do mundo.
O fim da Guerra Fria, segundo ele, mudou tudo. “Uma nova classe intercontinental, cheia de dinheiro, se formava —não só na Europa ou nos Estados Unidos mas também na Rússia, na China, no Oriente Médio e no Japão. A nova tribo desenvolvera um gosto por símbolos da sua afluência, menos tangíveis do que o iate imenso e o carrão. Queriam estilo de vida. Experiências, hotéis, spas e… restaurantes.” A gastronomia se globalizara.
Muitos outros críticos haviam chegado à conclusão de que a boa vida não estava nesses restaurantes de luxo. Estava na autenticidade, no pequeno restaurante dos caminhoneiros de estrada, na pousada à beira do riacho onde saltavam as trutas.
Na mesa do camponês que chegava do trabalho de ordenhar as vacas. Jay Rayner suspeitava da autenticidade e da simplicidade total. Para ele, havia algo de errado naqueles que achavam que a boa comida estava dentro dos estilos de vida dos muito pobres, que esse modo de comer era mais autêntico do que aquele de quem tinha um liquidificador e outras bobagens como eletricidade e água boa para beber.
Jay Rayner tinha até vergonha de pensar assim, sabia que, como escritor, precisava ter um elo com o camponês desdentado. Mas latejava nele, como crítico de restaurantes um plutocrata de dentes brilhantes. Ele queria saber o que comiam os ricos, muito ricos.
E queria se justificar daquela vida que levava de ganhar dinheiro comendo. Sair pelo mundo procurando respostas poderia ser uma redenção. E quem sabe encontraria respostas para as perguntas que as pessoas se fazem incessantemente.
A cozinha é uma arte? Quanto podemos aprender sobre o mundo em que vivemos por meio da comida que chega ao nosso prato? É moral comer enquanto outros passam fome? A globalização ameaça extinguir a chama da criatividade que por tanto tempo ardeu no peito dos chefs?
Daí começou a peregrinação virtuosa. Las Vegas, Moscou, Dubai, Tóquio, NY, Londres e Paris. Viaje com ele. Além de tudo é engraçado. O nome é “The Man Who Ate The World”, Jay Rayner (ed. Headline Review).
RESTAURANTES DE LAS VEGAS
04/11/12 16:02A primeira vez que Jay Rayner visitou Las Vegas foi como repórter para entrevistar o homem que tivera o pênis cortado por sua mulher e depois implantado com sucesso. E ainda teve que ver o tal do pênis em pessoa, um monumento ao sucesso da micro cirurgia do pais. Talvez tenha sido por causa dessa reportagem que mudou de função no jornal.
A comida de Las Vegas antes que se abrisse o Spago, era qualquer bar ou buffet onde os jogadores pudessem comer qualquer coisinha enquanto gastavam dinheiro na roleta e outros jogos.
Nos anos 90 o interesse por comida aumentava nos Estados Unidos. Las Vegas abriu um hotel, o Bellaggio e convidaram o chef Jean-Georges Vongerichten. Convidaram é modo de dizer. As propostas eram indecentes. Muito dinheiro, quase impossível deixar a oportunidade passar.
Jay Rayner queria descobrir essa Las Vegas nova. Logo se interessou por checar um dos restaurateurs tido como melhor do mundo, Thomas Keller, que tem o French Laundry no Napa Valley e o Per Se em Nova York. A tentação dos ovos perfeitos, dos purês de trufas e os mil-folhas de maçãs verdes e azedas. Todo mundo que procura a refeição perfeita tem que dar uma dentada nessas especialidades. Para chegar ao Thomas Keller, que é bem fechado para a rua, teve que passar por canais venezianos com gondoleiros de camisa listada tocando acordeon,como se fosse a coisa mais natural do mundo. O crítico de comida achou tudo irremediavelmente camp. Um camp revitalizado por esteróides anabólicos. “Vegas parece ter sido desenhada por um batalhão de designers gays de interiores que não teve ninguém para dizer- Chega!”
E lá foi ele para o Bouchon. Comeu ostras com cheiro de mar, escargots com massa folhada, costelinhas de vaca num molho denso com torresmos e cogumelos selvagens. Comeu e bebeu bem, o restaurante é fechado de um jeito que você não percebe onde está e o nosso crítico depois de ter bebido um pouco realmente não sabia onde estava. Ou melhor podia estar em qualquer lugar do mundo. Mas, não era isso que queria, era a experiência de Las Vegas e não de outro qualquer lugar do mundo. Mas, no dia seguinte iria ao Robuchon, bem localizado no meio do kitsch reinante.
O salão era pequeno, caberiam no máximo quarenta pessoas. Robuchom é um especialista do menu degustação. Debaixo de um lustre de 28.000 dólares da Swarowski, ele leu o cardápio que ficaria por 350 dólares por cabeça, sem bebida, nem imposto, nem serviço.
O nosso crítico se assusta um pouco, mesmo que não seja ele a pagar. À cabeça vem os milhares de esfomeados, mas ele sabe que não é dali daquela mesa que poderia sair o remédio da miséria humana. É a profissão dele. Todo tarado por comida sabe que daria o dinheiro que tem na popança por uma experiência sem par na comida. O negócio é esse. Experiência sem par.
E comeu. Pérolas crocantes de maçã verde com uma raspadinha de vodca para limpar o paladar. O famoso caviar em gelée sob uma pannacota de couve-flor com a superfície decorada com bolinhas mínimas de purê de ervas.
Um mil folhas de unagi, enguia glaçada, salgada, foie gras e também um tartare de atum com um ravióli de lagosta com um pouquinho de repolho salteado ao lado.
Um bowl fundo com um brilhante purê de cebolas sobre o qual derramavam uma densa sopa de alface. E depois uma lingüiça feita de mousseline de vieiras com raspas finíssimas de vieira crua por cima.
E o último prato, seria mesmo o último? Um osso no meio do prato, escavado e dentro dele uma mistura de favas verdes e cogumelos selvagens. No topo do osso o tutano, brilhando de lindo.
Ah, não era o último. Tinha o abalone, num caldo viscoso de gengibre e alcachofra. Um pedaço de peixe com as escamas queimadinhas e crocantes. Uma pinça de lagosta num bouillon de açafrão e frutos do mar. A lagosta parecia do Maine mas era da Bretanha.
(Foi aí que bateu no nosso crítico um susto. Só esse prato havia viajado mais do que ele para chegar nesse restaurante.. Todos os restaurantes de Las Vegas compram as coisa de muito longe. E a idéia de comida que venha de perto? Era uma idéia que ele também não comprava muito. Podia levar à ossificação da culinária, essa história de comprar só o que existe por perto. Visitando o mercado de Vegas concluiu que tudo vinha de fora mas sempre da melhor qualidade possível. O melhor da carne orgânica, do peixe, das verduras, das frutas.)
Comeu demais, nem conseguiu se lembrar das sobremesas.
No dia seguinte fez um tour pelos novos restaurantes de Las Vegas, mas só para visitar. Visitou até o terreno do Guy Savoy de Las Vegas. Quem vai tomar conta é seu filho Frank que conta, todo feliz.“ O restaurante do meu pai em Paris está pertíssimo da Torre Eiffel, mas não conseguimos vê-la.” E faz o crítico olhar pela janela “Estamos do outro lado da rua do Hotel Paris Vegas, com uma tour Eiffel na porta. Olha, daqui dessa janela é possível vê-la,“ e ri, encantado.
Já com as malas no aeroporto Jay Rainer resolveu visitar um restaurante tailandês com fama de melhor do mundo. Quase tudo em Las Vegas tem fama de melhor do mundo, mas Jay acreditava que o melhor restaurante tailandês estaria em Bangkok e nem se emocionou. Bem longe, mas lotado. Ele comeu uma salada deliciosa de salsicha moída, amendoins e pipoca de arroz, temperada com pimenta, gengibre e suco de limão. Comeu carne marinada, mais ou menos um charque feito em casa, e depois um porco de panela com molho denso e muito picante. Para terminar pediu um curry verde de galinha, igual a todos os bons curries de Londres e pagou bem pouco.
E foi a refeição que ele mais apreciou em Las Vegas, por duas razões. Primeiro porque não conseguia escapar do fato que tinha sido comida numa cidade empoeirada no meio do deserto. Lótus of Siam parecia parte de Las Vegas, não a Vegas de jogo e mulheres , mas a Vegas que fica por baixo, a cidade de fronteira, quente, fora de moda.
Na verdade o que o incomodara em Las Vegas era a habilidade da cidade de transportar você da cidade em que está localizado, para algum lugar completamente diferente, pelo simples excesso. Sentira o mesmo deslocamento em todos os restaurantes. Para convencer você que a Las Vegas de hoje é uma cidade muito sofisticada, é preciso parar de pensar em Las Vegas imediatamente. É o que fazem os bons restaurantes. Se encapsulam para não serem tocados pelo kitsch reinante. O que talvez os torne mais kitsch ainda.E o restaurante pobrezinho Lótus of Siam era de Las Vegas, mesmo, com a cara que a cidade tenta esconder a todo custo..
Devolvam os guardanapos!
31/10/12 03:00Todos pensam que François Vatel (1631 – 1671) se suicidou por causa de uns peixes que se atrasaram para uma festa, mas a verdade é bem outra. Deve ter sido por causa dos guardanapos. Acho que todo mundo prefere os de linho, grandes, brancos. E então são os que deveríamos alugar para cada festa. Acontece que os infames se perdem. Numa sala de oito por oito eles se perdem, somem para sempre. Nem a CIA, nem a Scotland Yard são capazes de adivinhar. Desaparecem no ar.
Há a suspeita de que os convidados, inadvertidamente, põem o paninho no bolso quando vão comer ou beber. A copeira chega com outro, eles pegam de novo, enchem o bolso e só descobrem em casa.
Em casamentos, as mulheres gostam de usá-los para presentear os filhos pequenos que esperam ansiosos em casa. Por isso já é bom ter uma cota de caixas com doces para as pessoas levarem embora.
A reposição é bastante cara. Como fazer o cliente arcar com essa despesa? Explicar o quê, se nem nós sabemos onde foram parar? Acontece nas melhores famílias.
Até vou contar um papelão que fiz quando fui almoçar no Nonno Ruggero. O atendimento é perfeito, logo na entrada alguém bem velhinho já faz uma cara que te conhece, todos sorriem, todos querem ajudar.
Tenho o hábito de colocar o guardanapo no colo e, por ser “gauche”, desastrada, ele cai no chão de cinco em cinco minutos. Então, escondido, amarro a pontinha na cintura para evitar que os garçons passem a noite se agachando debaixo da mesa e trazendo um limpo de volta.
Comemos, bebemos e fomos embora. Todo o staff ria para mim com boca de Mick Jagger. Nos corredores encontrei mais sorrisos, pedi um táxi com o coração embalado, contente por ser tão querida.
Já adivinharam, é claro. Passeei pelo hotel [Fasano] com um guardanapo enorme feito um avental. E só em casa —em casa, nem no táxi—, percebi que o amor por mim era uma risada disfarçada. Não foi fácil voltar no dia seguinte com o guardanapo lavado e passado e cara de tonta.
Acho que, em tempos antigos, era de rigor pegar canapés com o guardanapo. Então, até hoje as copeiras andam com uma salva de prata e oferecem primeiro o guardanapo e depois o canapé. O convidado pega, há de ter alguma utilidade aquele pedacinho de pano oferecido.
Mas foi-se a época distante em que se pegavam as coisas com guardanapo. Só se for uma costela de porco vertendo gordura, mas ninguém serve isso em coquetéis.
Não sei como faço nas festas. É provável que chupe o dedo ou passe a mão na saia, porque raramente preciso de um guardanapo para limpar a boca. (Geralmente, já caiu de tudo um pouco na minha blusa).
Lembram-se de um vídeo em que o George W. Bush cumprimenta uma porção de pessoas do povo e depois limpa a mão na camisa branca do Clinton? Pode ser uma ideia passar a mão na camisa do vizinho. Ou, quem sabe, escrever um recadinho horrível e colocar dentro das dobras, como naquelas correntes que recebemos. “Se enfiar esse guardanapo no bolso será atropelado dentro de uma semana por uma moto verde…” Hei de solucionar esse problema, mais cedo ou mais tarde. Veremos.
DILEMA: COMER OU COMPRAR?
29/10/12 11:38Bom, não sei quem é da mesma opinião. Inauguramos praticamente todas as lojas de São Paulo, do comércio dito de luxo, quase todos os shoppings, e agora vou morder a mão que me alimentou.
Não acho legal festas com muita comida em loja. Quero dizer, coquetel, almoço ou jantar. Para que serve uma loja? Para vender coisas bonitas, para chamar a atenção dos compradores. Muita comida tira o foco que deve ser todo colocado naquilo que se quer vender. Pelo menos, minha expectativa ao ir a uma nova coleção é a coleção e tomar uma champanhota, talvez beliscar uma noz, uma cereja é lucro.
Combinar a comida com a coleção, então, é o uó do uó. Já fiz muito isso, mas o tempo passa, mudam as modas.
Para mim o elegante seria manter um copeiro próprio sempre por ali, que soubesse fazer uma coisa bem gostosa, de última hora, um tostequinho bem mini, um suco geladíssimo, um café, para que você se sinta acolhida e querida na sua compra.
Mas, um jantar ou almoço, é complicado. É claro que as pessoas comem muito mal acomodadas, que a loja não tem cozinha boa, que o garçom tem problemas de sair por uma porta só e atravessar a loja inteira para dar comida aos lá do fundo. E comida quente… Realmente não vejo propósito. Ninguém espera ser alimentado numa loja. Quem sabe uma surpresa, uma mesa de chocolates, um sorvete bem servido e maravilhoso, ou uns mini –mini sanduichinhos postos em lugares estratégicos onde as pessoas se sirvam sozinhas…
Um mimo para agradar. Coquetéis só em lugares que antes de serem construídos pensaram nessa possibilidade de servir comida.
Para os que não pensam assim e têm uma boa fome quando vão comprar uma bolsa, que tal uma única bebida boa, um único refresco ótimo e muito gelado e com pouco ou nenhum açúcar? Um doce jamais visto ou uma coisinha salgada de fazer cair de costas e que as pessoas liguem irremediavelmente à coleção. Ninguém vai reclamar porque não comeu na loja, juro, loja é lugar de comprar. A comida não vai fazer diferença. Brinde faz. Um presente sem o logo da loja (com logo é a maior roubada), e todo mundo adora presente, é capaz de entrar numa mesma fila duas vezes para papar dois presentinhos. Não vai ser o fim dos buffets. Vamos continuar cobrando pelo serviço impecável de bebida gelada e por aquela novidade ou gostosura, fácil de fazer, servir e comer.
O lado brilhante da cozinha
24/10/12 03:00Pronto, chega de reclamar, chega de ser ranzinza, vamos falar do lado de lá, o lado brilhante da cozinha. Sanduíche de presunto eu nem sabia que gostava. Um pão francês, pequeno, cortado ao meio com manteiga e presunto. Ah, mas há que ter as quantidades certas e fica melhor com Guaraná do que com Coca.
Aprendi isso quando todo ano era convidada por minha neta pequena para uma peça de teatro dos alunos na União-Cultural-Brasil-Estados-Unidos. No fim, hora de cumprimentar os atores, nada de coquetel, ganhávamos um sanduíche de presunto com Guaraná. Juro, era tão bem feitinho, nem presunto demais nem de menos, manteiga também na quantidade certa, o pão nem quente nem frio, mas quebradiço, e, quando chegava o convite, em vez de pensar na neta só pensava na hora do pãozinho. Não aprendi a receita. Era uma conjunção de fatores difícil de adivinhar. Pão, rosbife rosado e manteiga também é bom.
A primeira comida da minha vida que entendi que era diferente de todas as outras foi a do Alain Chapel quando veio ao Brasil. O que ele tinha? Uma mesa de cozinha, grande, uns 30 quilos de manteiga da fazenda no centro, e ele cozinhando com uma intensidade e um fervor de louco. Nenhum erro. Absolutamente nada. Nem um tico a mais de sal nem de açúcar, um gênio numa labuta tão simples. Morreu cedo de excesso de perfeccionismo.
Um dos segredos dele era a quantidade de manteiga. Peguem qualquer legume para purê e ponham três vezes mais manteiga do que costumam por. Vai ficar o melhor.
Continuarão iguais os croquetes holandeses? Lembro do cheiro de Amsterdã como se fosse hoje, me dizem que é cheiro de maconha. E num bar qualquer aquele croquete enorme, muito crocante por fora e macio como um patê por dentro.
Estão me achando excessivamente frugal, não é? Pois tínhamos uma cliente da embaixada, não vou contar qual era, que recebia caviar em latas de quilos, e podíamos comer, com a ajuda dela, caviar às colheradas, haja delícia, é ruim ficar comendo uma coisa boa com muita economia, prefiro nem comer.
Marrom-glacê acho que perdeu muito do status antigo. Era a comida preferida de minha mãe, que não gostava de chocolate. Um dia recebeu uma enorme caixa de bombons e como precisava ir ao hospital visitar uma amiga, resolveu levar de presente. A amiga, feliz, abriu o pacote e nem acreditou. “Marrom-glacê, é demais, nunca vi tantos!”
A cara da minha mãe era um estudo de confusão mortificada.
Manga. Madura, manga coquinho daquela pequena de comer uma sacola de feira na hora. Dessas coisas nas quais não se deve mexer.
Foi feita por Deus num momento de pura alegria amarela. Jabuticaba negrinha em cestas. Nada de musses, sorvetes, por favor, não toquem no que está perfeito, não despejem maracujá por cima, nem coco, nem nada. Está pronto.
E torresmo? Feito à perfeição, só o da Suely e da Val. Poderiam enriquecer fazendo aquele torresmo, mas Sueli arranjou um namorado e fugiu para Ribeirão. Só um namorado pode ser melhor que um torresmo.
QUAL TERIA SIDO, MESMO, O MOTIVO PELO QUAL VATEL SE SUICIDOU?
20/10/12 15:15Estamos fazendo uma festa onde o aniversariante, muito famoso, fica na maior ansiedade do mundo quando convida alguém. Moral da história. Não podemos desagradar o cliente para ele não cair em depressão pré-festa. Ele telefona de Cingapura, Japão, Dresden, onde estiver, para perguntar se tem bastante comida, se as pessoas não vão passar fome, se a mesa não vai ficar muito vazia.
Dentro do apartamento dele só podem entrar coisas que ele ache bonitas, e odeia buffets forrados. Arranjou uma mesa mineira enorme para servir de bar que acho que vai ter que ser serrada e levada pela escada de tão grande.
E se as pessoas continuarem na casa dele depois do almoço? Vai ter que ter jantar. E ficou por conta da empregada dele fazer o tal jantar. Duvide-ó que alguém, depois de um lauto almoço ainda resolva jantar, mas o cliente é quem manda.
Íamos ter um ensaio de mesa, para ele ficar sossegado, telefonei para a empregada dele, simpática, cumpridora dos deveres, e ela só me chamou a atenção, de leve. “É o último dia da novela, Dona Nina” Quase caí de susto com meu esquecimento. O quê? Só vou conseguir inimigos mortais com quem for me ajudar com aquelas pesadíssimas panelas de ferro. “Esquece, faço o ensaio aqui mesmo no buffet e vou na madrugada do dia da festa ensaiar a mesa. Socorro. Se Carminha souber que a deixei de lado para arrumar uma mesa vazia é capaz de me dar uma daquelas cuspidas mortais acompanhada do silvo de cobra.
Vou contar a comida:
Simples, sem excessos, acho que muito farta.
Não tem coquetel. Algumas coisinhas espalhadas pela casa, pega quem quiser. Uma das coisas são amêndoas descascadas e geladas, branquinhas, misturadas a pedras de gelo. Tenho que sossegar um dia pensando em como dar mais gosto a elas. Ficam crocantes e geladas, mas meio sem graça. Uma pimenta brasileira? Uma gota de essência de amêndoas? Não sei, vou pensar, Se alguém sabe me conta. Uns pasteizinhos de queijo que ninguém é de ferro, os quadradinhos de tapioca do Rodrigo do Mocotó, e mais umas bobaginhas espalhadas pela casa.
Daí, pam, pam, pam pam. Abre-se a porta e sobre uma mesa muito rústica só duas coisas, duas tigelas enormes, ou quatro, sobre gelo. Numa delas uma salada verde com todos os verdes que combinam entre si, em bom molho. Na outra, enormes camarões, lulas e polvos, frescos de trincar o dente, só temperados, uma salada de frutos do mar. E pãezinhos variados.
Substitui um grande coquetel sem copeirinhas correndo de lá para cá. Para mim, já é uma refeição.
Comeram bastante?
Retira-se aquela entrada e vai para a mesa, tudo servido em panelas de ferro e cobre.
Uma paçoca de três carnes, úmida e leve, acompanhada por muita coisa para você próprio elaborar seu prato:
Caldo de feijão
Arroz com alho negro
Couve finíssima
Mandioquinha frita
Purê de banana da terra
Banana ouro em rodelinhas feitas na hora
Fatias finíssimas de pepino em picles para dar um ácido.
Ovinhos pochés redondos, mínimos.
Estou falando de cabeça, vai ver tem mais algum acompanhamento.
Depois, de sobremesa,
Sorvetes maravilhosos de maracujá e de dois tipos de chocolate. Um amargo, outro mais doce.
Caldas. A calda do sorvete de maracujá é feita com a polpa da fruta, aquela parte branca, fica meio diferente e muito gostosa.
Ah, e um arranjo de todas as frutas da estação, arranjo grande, onde todos possam se fartar de frutas frescas.
No cafezinho, o próprio e chá de chaleira de ferro, também. E adivinhem a gostosura Barrigas de freira, aquela hóstia com doce de ovos dentro, no formato de um pastelzinho. Muito bem. Vou pedir para alguém tirar umas fotos, se der. Quero colocar a paçoca em farnel de linho, vamos ver no que dá.
Facilzinho, não é? Aha, sem contar a comida, os vinhos, a caipirinha, os refrigerantes, a água, os garçons, as copeiras, a menina que toma conta do banheiro, a coordenadora da festa, o maître, as aspirinas, o omeprazol, os aquecedores de terraço já que esfriou, aos vinhos, ah, quem pensa que Vatel se suicidou por causa dos peixes que não chegavam está muito enganado. E os guardanapos pequenos e os grandes e como somem guardanapos, seria preciso um cara da CIA para espionar onde vão parar. Odeio guardanapo. Por mim costurava um em cada cintura de convidado e quero ver se sumia algum.
No próximo post conto umas histórias de guardanapos, parte importantíssima da estratégia de um buffet.