Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha
Perfil completoNossas pequenas ignorâncias
12/12/12 03:00Não há quem tenha se criado com uma avó, uma tia, uma mãe, que se recusava a passar à frente suas receitas. Ou que passava errado. Hoje em dia a maioria dos chefs, logo depois do impacto inicial de um ingrediente ou misturas, põe a boca no mundo e conta tudo.
O Rodrigo, do Mocotó, inventou os tais quadradinhos fritos de tapioca e um cliente me pediu para fazer igual numa festa. Claro que não gosto de pedir receitas a quem vive delas, mas sabendo da generosidade do rapaz tive coragem de pedir, jurei que não faria para mais ninguém a não ser naquela festa.
Ele, simpaticíssimo mandou por e-mail, mas havia um PS no final: “Já coloquei no Youtube”.
Às vezes tenho um pequeno problema, que é quando vejo algum estagiário copiando alguma coisa, sem franqueza, sem perguntar, usando métodos da KGB, da CIA. Não, não é assim, tem que falar “eu gostaria de aprender” e pronto.
Pode ser grosseiro dizer isso, mas tenho certeza, juro que quem recusa suas receitas tem intestino preso, para evitar termos como fase anal. E, além de tudo, nessa história de receitas acontece que são simplesmente um “como fazer” numa certa época. Quando muito vão ter valor histórico. Já no tempo de nossas avós, a prescrição começava assim, “pegue um marreco na lagoa”. Hoje, “cozinhe a vácuo a feijoada e use o método de esferificação…”
Já pensaram se a ciência escondesse as pesquisas debaixo da saia? Precisam dividir a sabedoria, senão morreríamos todos com as mezinhas de Adão e Eva.
Pobres de nós em nossas pequenas ignorâncias. A receita inédita é uma utopia. Variações sobre um mesmo tema, gordura a mais, gordura a menos, um país que entra na moda, outro que sai. De vez em quando, umas turbulências, quebra-se o paradigma, choque e volta ao remansoso lago. Quem tem uma receita própria, jamais vista? É tão difícil inventar uma novidade… E muitas vezes temos certeza de que inventamos algo novo e rimos sozinhos. Essa invenção ninguém me tasca! E folheando livros de cozinha, vai-se ver que aquela galinha ensopada com pinhão e misturada com polpa de caju, servida na folha de bananeira que você certamente inventou já existia em outras plagas. Ínfimas variações. Pinhão por pinoli, galinha por pato, caju por banana. Variações sobre um mesmo tema.
E os livros de receitas? Tem de tudo. Mas são indicações, bengalas, ajudas. Há aquele que só sugere e te empurra para o fogão, como Elizabeth David, nos seus primeiros tempos. E o outro, de receitas precisas, que demorou anos para ser escrito, padronizado, testado, leva em conta a altitude, o fogão, a panela, o ingrediente, os minutos, os segundos. Anuncia fracassos, sugere emendas. São ótimos, mas saem de moda mais depressa que o vento, pois mudam os fogões, os tempos, os ingredientes, vira curiosidade numa década.
Atenção, nós, cozinheiros de hoje. Sempre me lembro das palavras de um mestre-cuca afobado ao ver como a classe se levava a sério demais. “Pelo amor de Deus, não se esqueçam que não estamos discutindo o destino do mundo livre.
É só o kiwi, minha gente!”
Sabor mineiro ou sabor paulista?
05/12/12 03:00Passei a vida inteira aqui, filha de mineiros, e minhas boas lembranças de comida são muitas. Principalmente de imigrantes, que não tinham esse nome, mas sim, de vizinhos. Novidades excitantes como pão com alho e azeite, em Cerqueira César, quibe na av. Paulista, alcachofras recheadas, gefilte fish, doce de damasco em forminha, marzipã.
Com amigas quatrocentonas e suas mães aprendi pouco. Chamo carinhosamente de quatrocentona a mulher que acha que só ela tem avós.
Para começar, o assunto “comida” era tabu. Éramos meninas muito urbanas e as raízes estavam nas fazendas das tais avós. Íamos de casa para a escola. O bonde passava em frente ao Santa Luzia, à Doceira Paulista e, às vezes, comíamos uma empadinha ou um quindim.
Nas casas das amigas, nada que eu nunca houvesse visto. Arroz de forno, carne picadinha na ponta de faca, canja de galinha, quibebe, biscoito de polvilho, pudim de claras e rocambole, bolo de nozes com baba de moça e a mais ubíqua das sobremesas: rodelas de laranja entremeadas e cobertas de coco ralado.
Em dia de festa, peru com farofa. E lembro-me de alguns aniversários infantis mais caprichados com cachos de passas recheadas, caindo de trepadeiras, como uvas.
Com certeza absoluta a família paulistana era muito tradicional em matéria de comida e bebida, e não se atrevia a inovar em nada. Só o Santa Luzia nos trazia uma certa civilização global.
Para ilustrar, lembro que viajei com uma amiga cheia de avós a Paris, nós duas mocinhas.
Ficamos no Grand Hotel sobre o Café de la Paix. Jantávamos todos os dias sob a batuta de um grande chef, a julgar pela delícia que era. E em todo jantar a amiga pedia ao garçom um arrozinho com ovo frito.
O rapaz acudia pressuroso, mas depois de uma semana escutei-o sussurrar com o companheiro. “Tenha ganas de dar-lhe uns tapas no…” Era português, e ela bem os merecia.
Fomos crescendo com São Paulo, a amiga e eu. Nos idos de 80, ela baixou ao hospital vítima de intoxicação de sashimi, que ousara experimentar num esforço de autoeducação, já que ninguém comia outra coisa. Voltou por tempo indefinido à inocente canja de galinha com um pouco de vinagre na finalização.
Na verdade, a comida que encontrei na cidade de São Paulo não era diferente da que mineiramente comíamos em casa. Um trivial que variava segundo os dias da semana, repetitivo e gostoso.
Perdi a paçoca de três carnes da Carmen, o arroz de suã de porco, o tatu de panela, o mangarito, o virado de farinha de milho e muito mais, com certeza embalada pelos lombinhos e galinhas ensopadas com quiabo de minha casa.
Há uns dez anos, numa viagem de pesquisa, encontrei pelas mãos da Fia, sem avó aparente, no Vale da Paraíba, o que deveria ser a verdadeira cozinha paulista. Patos macios, galinhas na quase coalhada, lambaris, a frescura das hortas, as frutas no pé.
Só me falta uma tarde cinzenta de nuvens, ameaçando trovoadas, quando choverão gordas içás. Vou fritá-las com farinha e comer a farofa de bundas crocantes. Só então poderei morrer, enfim, paulista.
Atala na TV Cultura
05/12/12 00:22Segunda feira no Roda Viva o entrevistado foi Alex Atala. Entre muitas outras coisas ele comentou que gosta mais de críticos contundentes e sérios com os quais ele pode aprender e crescer do que os críticos babões, que gostam porque gostam. Eu sou do segundo time. Por mais que me esforce para implicar com ele, quando me coloco diante de um prato de um sabor que me espanta, e quase todos me espantam pela delicadeza e acerto, me desmilínguo toda pessoalmente e por escrito.
Mas quer apanhar? Não seja por isso! (Gosto tanto do programa Roda Viva como do Atala. Faz tanto tempo que existe o Roda Viva e como sou viciada em entrevistas acho que assisti a quase todos na vida. Alguns que perdi me lembro que pedia a cópia, era meio complicado, acho que a gente levava a fita, ou pagava por ela e eles gravavam e num dia da semana ia-se pegar. Não foi em 1950, não, foi no outro dia, mesmo.)
Bem, a entrevista do Atala foi banal. (Confesso que fui convidada a ir ser uma das perguntadoras, mas não sou boba nem nada. Era um time de jovens lindas,menos você, Ricardo, dressed to kill, todas de preto com sorrisos de anúncio de Colgate, seria o meu enterro televisivo. Velha esperta está aqui, a TV não me pega nunca mais.)
Se tivesse visto essa entrevista pela primeira vez, teria gostado. Mas, não, é sempre a mesma entrevista, as mesmas perguntas e as mesmas respostas. Já se esgotou o assunto? Fico pensando que talvez ele não devesse ser interrogado por críticos, escritores, editores, filósofos, sociólogos, jornalistas, por gente que pensa a cozinha num contexto maior, e sim, talvez por cozinheiros, loucos para saber como foi que ele, de um cozinheiro comum passou a excelente.
Sabemos que para ser criativo nessa safra nova é preciso entender o que acontece com a comida no seu preparo, e como dependemos dos ingredientes e das novas técnicas.
Os chefs trabalham com hipóteses, como os cientistas? Ou visitam o laboratório do outro e aprendem que para a pele do peixe ficar crocante é preciso usar tal método?
Porque, percebam, nós também, cozinheiros caseiros, trabalhamos o tempo todo com física, química, só que aprendemos aqueles métodos de cocção sem dar nome aos bois.
Mudar um material em outro, ferro em aço, petroquímicos em plástica é química, assim como comida crua em cozida. A mesma coisa. Não aprendemos a fritar ovo porque a gordura aquecida a tantos graus frita o ovo de clara macia, e a tantos outros graus endurece. Não, foi um método empírico, nos tempos da faculdade, fazendo ovo numa espiriteira por acerto e erro. Assim que aprendemos.
Por que não conseguimos fazer um sorvete de tequila na máquina e só á mão?
Na verdade a cozinha está virando um laboratório e não me interessa muito saber
porque o restaurante do Atala é caro. Já sei. Raramente se discute o que está acontecendo por detrás das panelas, a não ser em demonstrações semelhantes às do mágico David Coppefield que nos deixam meio de pé atrás. Que diabo disso é aquilo?
A complexidade da comida é enorme, quero escutar o que o Alex acha. Há um livro muito bom The kitchen as laboratory; reflections on the science of food. São ensaios reunidos, que nos dão respostas a vários problemas. Mas eu não quero a essa altura da vida álgidos tratados de equações e nomes estrambóticos, quero saber o que faz um bom tostex, quais os queijos apropriados. Ele estuda a química e já me passa o nome dos queijos. E batata frita? E por que cenoura cozida é tão ruim?O barulhinho crocante do torresmo faz diferença? E a cor? Por que as pessoa viciam em Pringle´s? (Acho que viciei por causa do sal e do croc, croc) e gelatina e agar agar? Se jabuticaba não estourasse na boca seria tão boa? É o nariz do Atala que é bom ou o ouvido, ou o miolo?
Sei que se corre o risco de estar pedindo uma aula de cozinha trivial, mas não estou. O Atala vai ter que parar e fazer um apanhado das novidades mais interessantes, trabalhá-las para que não fiquem chatas demais para o leigo ou cozinheiro amador. Contar do ponto crítico em que como cozinheiro autodidata se transformou em profissional contemporâneo.
Será que esses métodos vão se incorporar à cozinha do dia a dia? Eu acho chatíssima essa parte de estudar química, não dá mais tempo, mas será que não vai dar para eu aprender sem decorar as fórmulas? Do jeito que faço bife, que acendo a luz e ligo a TV?
Ignorante do que vai por trás, mas tendo aprendido a lidar com os botões?
(Médio…, diria meu neto).
Não quero aulas, quero pinceladas, posso pesquisar também, mas prefiro que me digam qual botão apertar para que se faça a luz. Não quero saber os porquês do ovo de quarenta minutos. Quero somente que me digam, “ponham o ovo para cozinhar durante 40 minutos”. Vou obedecer, podem crer…
Vale a pena esferificar uma manga doce? Ou deve-se deixar parado o que não tem o que se melhorar?
Como vai ser a receita do futuro? “Quando duas gorduras se misturam, a combinação resultante se cristaliza muito diferentemente do que cada uma delas isoladamente”
Não quero. “Para um bom biscoito misture manteiga com azeite. ” Assim é que eu quero e todos nós queremos. Pelo menos grande parte de nós.
Conta, Atala, conta o que você acha, suas pequenas descobertas, vamos adorar. E pelo amor de Deus, chega de dar a mesma entrevista, dia sim, dia não. Talvez seja preciso que mudemos as perguntas?
Saia justa 2 e Sanduíche
03/12/12 20:04Gosto de escrever no impulso do momento, com o coração pulando. Depois, devagarzinho vou corrigindo. Escrevi sobre o programa Saia Justa, sem corrigir e ao reler, falo tanto que gostava de ouvir as bobagens que as meninas falavam que dava até a impressão que só falavam bobagens. Longe disso, cada dia da semana uma novidade boa, e as bobagens bem poucas. É claro que sofriam também da nossa insensatez de leitores, que só achamos que as coisas estão certas quando pensamos do mesmo jeito.
Bicicletas da Mônica… Oi, patrulhazinha tonta, vejam o que ela disse, uma coisa sensata, não estava contra bicicleta nenhuma, tudo bem, quem quiser ir trabalhar na chuva e na ladeira de bicicleta, vai, para que tanto barulho?
Sinto que as pessoas públicas precisam se patrulhar por causa das outras. Percebi uma vez que contra todas as expectativas da própria Mônica ela entrou numa tourada e sentiu uma certa beleza e dignidade naquilo. Eu também fui a uma tourada em Madrid, taratata…., de mau humor e chegando lá coisas aconteceram que não vou nem comentar aqui para não receber hatemail. Mas, entendi a Mônica e vou mandar para ela um livro de tauromaquia que explica muita coisa. Não mandei antes com medo de que ela começasse a defender a briga de touros e aí sim, estava roubada.
Sabem que não achei que os homens estragaram o programa? Nem um pouco. As meninas têm mais charme, são mais bonitas, mas eles eram umas boa contribuição, também, introduzindo a voz masculina que é sempre boa de se ouvir.
Ainda estou com aquele plano de jogar pedras, diferente de outras telespectadoras que nunca mais vão ligar a GNT. Também não vou, mas… e as pedras?
Fico tão intrigada com esse conflito do Oriente Médio, parece briga de bairro, quando os meninos de uma rua jogam pedras um no outro. Sei que as pedras são bíblicas, quem pode atirar a primeira pedra? O lugar é pedregoso, mas que mina de pedras! Como não acabam nunca? Ou são as mesmas pedras desde sempre, jogadas de cá para lá?
Bom, mas vamos falar de comida. Ando arrumando uma prateleira de livros brasileiros e de vez em quando passo os olhos por uma receita. Receita é coisa boa para se pensar a história. Acho que o livro é de 1936.
Sanduíches Chanteclair
Tome duas fatias de 2 pães de forma de 1 cm de espessura e passe por cima uma camada fina de molho de maionese, ligado com 3 gemas cozidas e peneiradas. Com o cortador próprio de 6 cm, recorte galinhos e aplique como crista 1 pedacinho de tomate; como cauda 1 galhinho chato de couve-flor em conserva, e nos pés, como base, ½ camarão cozido. Arrume numa bandeja forrada com alface fininha, imitando relva. São interessantes e decorativos. Se não encontrar o cortador, mande fazer dando um molde de papel.
Dá quase uma tese de mestrado. Pode-se falar em estética, nos empregados domésticos no Brasil, no rococó no mundo, no ócio nem tão criativo, na decadência da fundição de moldes, no serviço personalizado, na palavra “relva” que remete aos comportados campos ingleses, nos moldes de papel das freiras dos conventos com suas mini tesourinhas afiadíssimas servindo ao Senhor….A alegria do Senhor com tanto recorte bonito. A influência francesa, quando os galos se chamavam Chantecler ou Chanteclair, como diz o livro? Não entendi essa parte de uma fatia de um pão e outra fatia de outro. Por onde andava a sustentabilidade? A economia?
Se por acaso não quiser ilustrar esse sanduíche para que todos entendam melhor, pode fazer um sanduíche de peito de frango com maionese e até com um pepino em picles ao lado. Nada mau..
Saia justa
29/11/12 13:29Trabalho tanto, chego cansada em casa, me resta estudar, ler e ver TV. Gosto de TV, gosto muito, foi o veículo que apareceu na minha geração, como a internet agora, e vocês podem imaginar que ver as caras das pessoas que escutávamos no rádio foi uma revolução maravilhosa e impensável. Eu era pequena e me contavam que isso poderia acontecer,
o que me botava extasiada, de olho parado, pensando e sonhando. Então, vida afora vim curtindo critica e benevolentemente, interessadíssima em tudo que acontece na TV.
Nem tudo. Não consigo assistir programas de auditório e os cômicos de baixa qualidade. Mas, se um dia não houver mais nada para ver, creio que consigo.
Tudo isso, não para falar de comida, mas de um dos meus alimentos preferidos na TV.
O programa “Saia Justa”. Quando ele apareceu, há dez anos, imediatamente empinei as orelhas. Mulheres falando à vontade, sem preconceitos e moralismos sobre o que acham da vida? E não era um programa que “ensinasse”. Não, era o que eu queria. Queria a oportunidade de ver mulheres normais conversando normalmente. Um rasgão , uma fenda por onde eu pudesse espiar o que ia na alma das meninas.
Lembro-me de uma vez em que a Fernanda Young falou sobre traição e brincou, acho que brincou, mas poderia ser verdade. “Não há traição de um homem que não possa ser lavada com o presente de uma jóia.” Era besteira grossa, concordo, mas isso mesmo era o que eu queria escutar. Besteira grossa. Uma mulher moderninha ainda hoje poderia dizer as mesmas coisas que minha bisavó ou tataravó. E uma mulher inteligente como a Fernanda.
Enfim, a fala delas era sobre tudo e sobre todos, conversa de sofá, de mulher para mulher, não eram regras a serem seguidas, eram pensamentos em voz alta para serem mais pensados, revirados, degustados, até a outra semana onde recomeçariam outros assuntos sérios.
Programa difícil de fazer, difícil de conseguir tanta mulher inteligente na Globo. Quando mudava uma eu pensava com meus botões que não conseguiriam outra, não era possível que a Globo tivesse gente tão boa. E atrizes de novelas, e cantoras, e apresentadoras e modelos e políticas e filósofas, todas cândidas, todas dizendo mesmo o que achavam de alguma coisa naquele minuto, todas carregando consigo suas próprias vidas, sua própria educação que íamos descobrindo aos poucos, fazendo delas seres únicos que aprendíamos
a amar como amigas, e em alguns casos a detestar.
Eu não detestei nenhuma, mas sei de telespectadores que se sentiam mais ou menos atingidos pelo jeito, pela fala, por alguma coisa que os tocava fundo e que não queriam enfrentar.
Não sei bem como era a reação dos homens, mas suponho que não seria a melhor. Elas falavam a verdade sobre eles, ou melhor, falavam o que eles não queriam ouvir, apesar de serem todas apaixonadas, apaixonadíssimas, mas tome a verdade.
O trabalho maior era da Mônica Waldwogel, mediadora, estudiosa que só, aliás, incrivelmente bem informada e capaz de sintetizar as opiniões e levar o programa brilhantemente até o final.Parabéns, Moniquinha, você é demais. Até demais demais.
Como é difícil para alguém encontrar sua melhor voz… A Mônica, justamente agora,
se deixara relaxar na condução do programa. Era o time de mulheres com o qual melhor
se entrosara, principalmente Teté Ribeiro, muito solta, que a ajudou a dar uma boa risada
e falar besteiras sem medo de errar, ou melhor sem medo da opinião alheia.
Confesso que tinha o programa como importante na minha vida. Não podia perder, se perdia me irritava muito e ia catar outros horários para assistir. Aliás, o único programa
da TV, (sem contar agora o painel do Waack), que aliava inteligência com interesse e prazer para o telespectador. Qual o mistério, qual a maldade para conosco que passa na cabeça de quem resolve essas coisas? E o telespectador não entende, a gente se sente meio dona das coisas que gosta, como tiveram coragem de mudar sem perguntar? E colocar aquele programa de homens jogando e dando palpites sobre a vida alheia no lugar das minhas meninas? Que passa? Endoidaram?
Não o programa não vai acabar, vai continuar com a Astrid. Gente, a Astrid Fontenelle é ótima, uma garra, um denodo, aquele programa diário que cortaram era um fenômeno de inteligência, rapidez, adaptabilidade aos assuntos. Mas a Astrid não tem nada a ver com a imagem do Saia Justa, é outra praia, e como a Astrid vai achar fôlego para falar por três, ou quatro, porque na verdade, com a Astrid, não é preciso mais ninguém. Ela se encarrega da falar e responder. (Maldade, hein, Astrid, só quero dizer que é outro jogo, esse é da Mônica e ninguém tasca.)
Vou sentir falta de um programa de fazer pensar, com mulheres bonitas, interessantes, inteligentes e muito, com o maior banho de loja, roupas para a gente aprender como se vestir para ficar bonita (coisa de mulher, e que sapato mais lindo, e aquele cabelo ruivinho está precisando de um corte novo e ela vai lá e corta e fica mais linda ainda), mulheres, mulheres como nós todas para o Bem e para o Mal, soltas na vida, querendo acertar.
Ah, se eu pudesse ia lá e prendia esse diretor, ou seja lá que for, que corta, sem me perguntar, o melhor programa de mulheres da TV.
NÃO EXISTE UMA PROCOM DE TV, UM CANAL PARA A GENTE JOGAR PEDRA E RECLAMAR, E FAZER VALER OS NOSSO DIREITOS DE PRAZER E DE ALEGRIA?
Fome de polêmica
28/11/12 03:00Logo em seguida a uma coluna que me mostra muito boazinha, comendo jabuticaba e dando milho para as galinhas, fico com uma vontade de fazer como o Pondé… Entrar numa polêmica das boas, só para implicar com todo mundo, Santo Exu, e ver, deliciada, os leitores se arranhando e me espinafrando com pseudônimo de ursinhos polares.
Mas não é meu jeito, o que eu deploro. Não consigo. Por exemplo, detesto todos os restaurantes de comida moderna que imitam os bons cozinheiros e cobram uma fortuna por um menu-degustação sem pé nem cabeça. Mas fico meses experimentando vários deles, quieta e depois só falo daqueles de que gostei.
Atitude que só tem me trazido dissabores vida afora. Não gosta, vá lá e fale e diga o porquê. E passe pra outra. E as discussões são sempre bem-vindas. É por causa da mania de viver botando panos quentes que a gente derrapa até na cozinha.
O que pode haver de mais escandaloso na cozinha? Aqui no bufê é tudo de uma santidade sem fim. A não ser… O cozinheiro que tinha três mulheres e se dava muito bem com todas e ainda namoriscava um pouco nas horas vagas. Passados muitos anos, as três deram o fora nele ao mesmo tempo. Acho que no século 21 foi a única pessoa que conheço que morreu de amor.
Traições, fingimentos, mentiras, fofocas, tudo isso rola em todos os patamares de uma cozinha, mas acho que é o máximo que acontece por essas bandas.
Logo no começo do bufê, quando os cozinheiros ainda faziam parte de um submundo e nem eram celebridades de revistas, vimos que havia uma briga se desenvolvendo entre os nossos e pedimos que viessem conversar.
Descobrimos que um deles tinha levado a foto do outro para o cemitério. Qual seria a implicação do gesto? O que acarreta levar a foto para o cemitério? Nunca soube, só suspeitei de chamamento dos mortos, talvez, para abocanhar o cozinheiro em 4×4.
Mas nada disso dá polêmica, ninguém quer nem saber dessas histórias. É preciso assunto mais gordo, como o do foie gras, que, se mencionado, traz e-mails de ódio candente. E falar em matar galinha também faz o mundo cair. Nem são vegetarianos. É porque falar em morte de galinha é proibido, bate na alma, galinha é um bicho muito íntimo.
E que não se toque em caça. Não se come caça e ponto final. Seria bom se pudéssemos discutir esses assuntos sem ficarmos ofendidos até o âmago. Pelo jeito, na cozinha, somos mais de bebidas e alegrias e rodopios no salão.
Com criatividade, poderíamos aludir à causa das baleias mandando um e-mail para todos os clientes. “Podem me chamar de Ishmael.” Ou virar uma crítica de restaurantes tão ferina, que pelo menos dois cozinheiros criticados se enforcassem por ano.
O Anthony Bourdain foi às alturas por um sucesso de escândalo, quando contou como eram os bastidores dos restaurantes tim tim por tim tim.
E o palmito assado Kaiowaá poderia ser um carro-chefe sem precedentes. Se ajudaria os índios, não sei. Mas acho que, nessa vida tão difícil, deveríamos ter o direito de ser burros pelo menos no Facebook, seio de mãe a transbordar carinhos.
O horror!
27/11/12 23:57Qual a coisa mais escandalosa que uma cozinheira pode confessar?
Que gosta de Miojo. Tem sua hora. E o livrinho sobre o assunto, “Meu Miojo – Receitas & Histórias”, é.extremamente simpático.
Enfim, quem sabe comer, quem sabe fazer cardápios deveria abominar comida trash. Ou não. Talvez seja mais tolerante para com o gosto alheio.
Tenho vergonha de:
Adorar batatinhas Pringles.
Não achar muita graça em pera, maçã, uvas . (Adoro banana, abacaxi, goiaba, jabuticaba, fruta do conde,todas as frutas brasileiras, como se tivesse nascido numa roça sem fim.)
Gosto de comida com a beirada queimada (pode ser pizza, costeleta de porco, sendo queimada vale.)
Não me importo de comer pipoca de micro, principalmente se ela queima no centro. O restante das pipocas fica mais macio, desmanchando na boca.
Se gostasse de hamburguer com certeza gostaria do McDonald´s, pois já aprecio as batatinhas.
Vergonha não tenho, mas gosto de feijão em tigela ou prato fundo com uma boa pimenta e farinha.
Pimenta, pimenta, pimenta é ótimo.
Qual o problema dos frangos que ficam rolando nas padarias? Meu sonho é ter uma churrasqueira daquelas.
Odeio verduras e legumes sem personalidade e que ainda passam sua sem graceza para os acompanhamentos que tentam salvá-los. Abobrinha cozida, chuchu, vagem, e mais e mais…
Adoro sardinha em lata com cebola e pão, detesto sardinha em lata em qualquer comida, como pizza, cuscuz….
Se desterrada imagino que sentiria imensa falta da farofa. Simples. Quentinha e com muita manteiga. Aliás, a quantidade justa de manteiga.
Não existe quantidade justa de manteiga. Quanto mais melhor. E bom mesmo não é o pão, é pão com manteiga.
Como com prazer a gordura da picanha.
Não adoro chocolate. Posso passar sem ele. E sem sorvete.
AS APARÊNCIAS ENGANAM
27/11/12 23:49Caiu um livro na minha mão e eu nem abrir queria. Para mim, já na capa tinha todos os defeitos. Era um livro oficial, o que seria isso, um livro oficial? . Soy contra!
Da campanha – odeio campanhas culinárias.
A campanha era “segunda sem carne”. Pode ter uma campanha mais boba que “segunda sem carne”? Por que segunda, por que sem carne?
O prefácio é feito por Paul, Stella e Mary McCartney.
A campanha não come carne por causa dos gases de efeito estufa dos animais e porque eles bebem muita água. Não entendo de razões científicas, mas implico com essas.
As receitas são de personalidades como Kevin Spacey, Woody Harrelson e Pamela Anderson e mais uns cinco nomes que desconheço. I couldn´t care less.
No que diz respeito a nossa saúde, estudo do Oxford University Department of Public Health avalia que limitar o consumo de carne a 3 vezes por semanas evitaria anualmente 31.000 mortes por doenças cardíacas, 9000 por câncer e 5000 por enfarte.Há,Há, Há.
Tudo isso para dizer que as aparências enganam. O livro é ótimo.
Esqueçam toda a baboseira acima. São receitas vegetarianas para ninguém botar defeito. Deliciosas!
O livro é da Melhoramentos, chama-se “Segunda sem Carne” em letras muito miúdas e quem o escolheu para traduzir é bem esperto. Receitas muito interessantes, de verdade!
Um pedaço de terra mequetrefe
21/11/12 03:00Tomei café da manhã e fui me sentar num banco duro lá fora, só para tomar um solzinho e me sentir dona da jabuticabeira que, neste ano, está dando mais que o pires de “fruita”, como era de costume.
Fico até disfarçando o orgulho que sinto daqueles galhos pretos, era o que me faltava na vida. Ainda será preciso esperar uns dois anos para ela estalar de vez, em tlocs, plufs e nhocs.
Perto dela, tem uma arvorezinha parruda de pimentas negras, acho que são mexicanas. As pimentas parecem pitangas, ardidas, mas frescas, fazem bem a qualquer comida.
Sem querer, fui moldando um quintalzinho caipira, com a ajuda do seu Antonio, que vem aqui em casa três vezes por semana e conversa com plantas e com bichos e divide a marmita que traz de casa com o cachorro.
Planta mangarito, cará roxo, galangal, mas não sei se se esquece do local ou as plantas não vingam porque jamais consegui achar os frutos dessas plantações. Quando pergunto, embrulha daqui, embrulha dali, fala baixinho e me mostra o gengibre, só o gengibre.
Antes o jardim era bem bonito com umas cutucadas da Suzana, da Bothanica, mas fui relaxando. Primeiro ganhei duas galinhas garnisés, tão comoventes na sua pequena burrice…
Por mais amante de galinhas que eu seja, não houve como mantê-las soltas. Entram em casa nas piores horas, o desconfiômetro é zero, vivem em perpétuo estado de susto, à beira de um ataque de nervos.
Põem os ovos mais lindos, menores do que os comuns e maiores do que os de codorna e gorgolejam, desafinam, gritam, compartilhando o espaço com duas tartarugas e alguns pardais comilões.
Sentada ali, vejo que a primavera fez umas flores modestas. Tem uns jasmins-do-cabo cheirosos que duas amigas inventaram de me dar no mesmo dia. Cresceram numa rapidez e cheiram muito bem.
A casa vizinha à minha era térrea. Foi vendida e construíram uma fora do gabarito do bairro, com três andares. Meu sol sumiu por algumas horas e todas as plantas espicham o pescoço o mais que podem para alcançá-lo. Uma roseirinha deu um cacho a uns três metros de altura, acreditem.
Ando louca por umas boninas de todas cores. Até já tive, mas elas se espalham com tanta gula pelo chão que cortei tudo e agora meu coração fica pequeno quando as vejo florindo em outras casas.
Os sabiás são do tamanho das galinhas pois comem ração de cachorro, milho e mais o que apareça. São gordos, barrigudos e não sabem o perigo que correm em casa de cozinheira.
E as maritacas ou maitacas. Barulhentas, passavam gritando em voo e se aboletavam num pau d’alho altíssimo. Comprei umas sementes especiais para elas.
Agora ficam à distância de um braço, naquela boniteza verde, descascando cada semente com o bico e aquelas garras de papagaio que têm. São buliçosas, olha só que palavra mais velha.
Confessem que isso parece um paraíso. Não. É um pedacinho de terra bem mequetrefe que eu embalo com os olhos e nem trato, deixo que ele cresça maluco e misturado, como um matinho da infância. Só falta mamona para fazer uns cachimbos. Vou providenciar.