Respeite ao menos meus cabelos brancos...
18/01/13 23:45Hoje, dia de aniversário é melhor não se meter a lembrar coisas nem fazer planos. Cortar o cabelo é uma idéia boa. Deixei que branqueasse e as amigas queriam me matar, me jogar num balde de tinta loura, mentir que não me conheciam, Acho que foi por uma dose de implicância, afinal não era contra tingir cabelo, já havia passado fases louras, castanhas, não me importava. A idéia de estar escondendo a velhice, isso sim, mas… escondo a idade como minha mãe e minha avó escondiam. Tenho um preconceito contra a velhice, acho velhos bem insuportáveis pela carga de vida que ainda carregam e pela dificuldade de levá-la adiante.
Voltando ao cabelo, a certa altura enjooei de salão de beleza. Salão de beleza, só a palavra já me implica. Aquela coisa repetitiva, as esperas, fui começando a usar cabeleireiros cada vez mais malucos, (o que nunca foi difícil de achar), que cortavam meu cabelo sem lavar primeiro, que me deixavam molhar gostosamente a blusa sem aquela batinha ridícula que acaba molhando também.
Durante quase a vida inteira cortei com o Jacques, fazia maquiagem nos anos sessenta com a Jeanine e me acostumei com o comportamento deles, extremamente educados. Era a época das mechinhas, horas e horas com aqueles papelotes na cabeça, graças a elas aprendi alemão, ficava ali decorando tempos de verbos, ganhei até uma Bolsa para a Alemanha e se já não fosse casada com filhos teria me tornado uma gorda Frau em Berlim.
O caso é que não dava mais, mesmo, o trânsito, tudo me afastou dos tais salões de beleza e hoje devem fazer uns tantos muitos anos que não vou ao cabeleireiro. Dia de chuva fina, cinza, o dia da cor do cabelo e… . Eu tinha uns nove anos, pequena ainda, quando vi uma tia soltando o cabelo grisalho, com uma cara de Madona machucada, e depois trançando-o numa trança grossa. Ela era bonita, de olhos azuis ou verdes, enfiei na cabeça que quando pudesse faria a mesma coisa. E fiz. Faço um coque para disfarçar que parece um daqueles chapéus do casamento da Kate Middleton, como se chama mesmo, fascinator.
Não tem coisa para deixar a gente com cara de louca do que cabelo comprido, emaranhado e branco. Não tem jeito.
E agora estou esperando a japonesinha mais doida de todos os tempos vir aqui arrancar com tesoura afiada essas madeixas dickensianas, próprias das desdentadas, panos rotos servindo de roupa, mulheres comendo asas de frango no Globe Theater e gritando impropérios para Shakespeare.
Ou mineiramente escondidas naqueles mafuás de fim de mundo da roça, mão atravessada no sorriso, a cabeça louca, louca, torrando os miolos cinzentos na sombra. Muita galinha por perto, uns quiabos, e a borboleta amarela.
A mulher do cabelo está chegando, perdida, quem sabe traz consigo um elixir, faz um corte joãozinho e me deixa linda, linda, como dantes no quartel d´Abrantes?