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Nina Horta

Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha

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O que há de errado com o Slow Food/ última parte/6

Por Nina Horta
02/07/13 23:20

O link entre biodiversidade e o  consumo de vinhos finos, queijo e linguiças parece óbvio para Petrini, mas não para mim. Que acho bastante confuso. Imagino que o que ele quer dizer é o seguinte: A Estratégia Francesa do Terroir encoraja o o Slow Food a criar produtos de boa qualidade.  Alguns deles, como o queijo, são feitos com certas raças de gado.  Um mercado para esse queijo daria aos fazendeiros um motivo para assegurar a sobrevivência daquela raça. Isso manteria a variabilidade genética da espécie, um dos muitos tipos de biodiversidade reconhecida pelos biólogos É um argumento perigoso para o Slow Food se é a variedade e não o terroir que cria o gosto, estariam pondo o risco a Estratégia doTerroir.. Mas, deixemos isso de lado.

Sem oferecer qualquer prova, Petrini diz que 300.000 variedades de plantas sumiram da terra nos últimos cem anos. O que confunde bastante pois não fica claro se ele (ou o tradutor dele) está confundindo variedades e espécies.. O texto escorrega de cá para lá e não tem muita força de convencimento e credibilidade.  Mas, suponhamos que ele esteja certo Essas 300.000 variedades ou uma proporção delas teria sobrevivido se nós tivéssemos comido Slow Food ou os produtos da culinária modernista? Não é óbvio que esses seria o caso.  Mas as variedades não são uma coisa fixa.  São criadas e descartadas o tempo todo à medida que as necessidades e gostos mudam. Os últimos 300 anos no ocidente viram uma explosão de criação de novas variedades. De modo que se algumas variedades comestíveis desaparecem, não é grande coisa, contanto que outras estejam aparecendo para substituí-las.

Nem está muito claro que o programa Slow Food criado para proteger a biodiversidade e o ambiente faça muita diferença.  O primeiro, a Arca do Gosto, não é, como o nome pode levar a crer, um jardim botânico ou zoológico, mas uma lista de produtos em risco de extinção.  O segundo, o Praesidia, simplesmente identifica produtos ou produtores que necessitam de intervenção especial  e se merecem ser apreciados, melhorados ou mantidos.  E o terceiro é um prêmio, o prêmio Slow Food  para a defesa da biodiversidade.  Em 2003  foi para o mexicano Jose Iturriaga, que durante seu período no conselho nacional de cultura e de artes, Conaculta, organizou uma série de 50 livros sobre a comida dos pobres e nativos do Mexico.  ´Realmente é um belíssimo trabalho  de documentação da comida mexicana (fiz a crítica entusiasmada, em algum lugar)  Mas a conexão com a biodiversidade é tênue.

E para criar uma agricultura sustentável os membros do Slow Food precisam pensar em como alimentar o mundo, algo que os advogados do Diet for a Small Planet tentaram abordar com seriedade. Isso significa enfrentar a questão  de como produzir grãos , carne, os legumes necessários e outras proteínas.  Mesmo os membros do Slow Food  não vivem só  de vinho, queijo, embutidos e verdes (as comidas preferidas da organização).  O mundo com certeza não vive.  Esses produtos podem revigorar  as economias de pequenas regiões da Itália  ou áreas próximas do mercado urbano  em outros países.  Mas não são o centro de uma agricultura global sustentável.  Petrini não diz nada sobre os grãos e proteínas  que são o fulcro do problema.  Como um palpite, acho que ele provavelmente usaria seu argumento de “tradicionalismo avant garde”.  Mas um retorno ao tradicionalismo  nos levaria, a morrer de fome,  revertendo os ganhos com a culinária modernista. E a volta do sistema de comida de dois níveis. Para pobres e para ricos.

De modo que somos deixados com o fato intrigante,( á primeira vista por causa do background socialista ou comunista dos fundadores do Slow Food) – de o Slow Food não fala nada sobre a desgraça dos famintos de todo o mundo.

Justamente ao contrário, Petrini não quer saber da comida acessível, comprável e decente para todos que era o objetivo tanto do Modernismo Culinário com o da Dieta de Um Pequeno Planeta, por mais que os dois movimentos tenham se desentendido sobre as maneiras de conseguir isso..

Em vez disso Petrini condena o movimento culinário moderno como tendo trazido “a aceitação da prioridade do lucro para o produtor   e economia para o consumidor, resumidos no slogan vergonhoso “ preço baixo e qualidade péssima”. Experimente contar essa história a Chuy de Cabrera  do rancho El Rodeo, no estado de Guanajuato no Mexico.  Como ela sai para trabalhar, para comprar os livros escolares e uniformes para suas três filhas pequenas, não tem mais tempo de fazer tortillas em casa.  Em vez disso vai a uma tortillera na cidade onde sua prima, uma pequena empresária  que deseja ter um pequeno lucro, vende tortillas baratas feitas na máquina que vão bem com o feijão da família.

Ela acha isso vergonhoso? Nem um pouco. Decidiu que ganhar e guardar dinheiro para o futuro de seus filhos está muito à frente  de tortillas feitas em casa.  Essas tortillas são só para aniversários e Natais, talvez acompanhadas pelo raro mimo de uma galinha barata, novidade que também não existia antes.  E a prima está ganhando um dinheirinho, o que talvez não seja tão mau, assim.

Vem agora o sonoro mas vazio paradoxo de Petrini (ele tem muitos)  que o Slow Food cria uma elite sem excluir ninguém”. Bobagem. Chuy  não pode se juntar à elite que escolheu pagar mais caro, por causa do gosto. A organização Slow Food diz Petrini , tem o que  dizer a respeito da comida italiana   “ trazemos comida para o povo ou o povo à comida.” Bem, não é o caso de Chuy  pois ela não vai comprar os queijos e embutidos no Mexico ou na Itália.  Os pobres estão presos à tirania do que é local.  Comida que viaja bastante e gente que viaja bastante refletem o status social , de nível e classe.  A elite do Slow Food está reservada a aqueles que já colheram os benefícios do movimento modernista.

Se os advogados do Slow Food  ficassem contentes com o esforço de alcançar o objetivo de aumentar a felicidade dos gourmets enquanto criam um nicho  de mercado para fazendeiros e produtores de comida oferecendo produtos especiais, então eu e muitos estaríamos felizes.  Se eles acham que o movimento dá lugar para a expressão da  compaixão, beleza,  comunidade e sensualidade, e até de uma experiência religiosa, fico encantada.  Mas não é toda a gente que prefere  comida. E aqueles que não preferem, não querem ser esnobados por gourmets dos mais convencidos e chatos.  Pior ainda, se aqueles que se tornam membros são levados a acreditar  que o Slow Food tem a resposta  de como preservar a biodiversidade e  agricultura sustentáveis, então estamos de volta  a uma situação  onde o melhor para  poucos  é o inimigo do bom para muitos.  E existem Chuys aos  milhões pelo mundo afora. E enquanto existirem, há gente que quer que seu mundo culinário seja mudado e mudado para o melhor. Para esses o Slow Food não tem um plano  a oferecer.

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O que está errado com o SLOW FOOD/5

Por Nina Horta
02/07/13 23:19

Mas, vejamos como Petrini funciona. Para fazer com que a estratégia de terroir francês funcione, por pouco que seja, ou para fazer dela uma base para um programa agrário-culinário novo, Petrini tem que enfatizar a educação gastronômica.  Os produtos ofertados são mais caros do que os oferecidos pelo modernismo culinário  de modo que os consumidores tem que pagar preços maiores pela comida.  Em princípio não é de todo mau.  O problema é que como temos visto, muitos poucos consumidores querem fazer isso.  Em vez disso gastam o seu dinheiro supérfluo em outros produtos que Petrini descreve com desdém como “coisas supérfluas…. sugeridas pelas campanhas de propaganda do mercado”. De modo que para criar um mercado de comidas de luxo , as pessoas precisam ser treinadas a reconhecer e gostar delas.  Com isso na cabeça, os advogados da Slow Food criaram programas para ensinar gosto às crianças, laboratórios e workshops para adultos estudarem os diferentes gostos da comida, e agora estão a caminho de criar uma universidade de gastronomia.

Ninguém quer evitar atividades que ofereçam ao povo  a oportunidade de abrir seus horizontes. Mas a educação do gosto  é um conceito ambíguo. Pode querer dizer  educação no sentido de detectar os sabores usando técnicas refinadas por cientistas de comida nas duas últimas décadas, e a oportunidade de explorar  novos gostos e texturas. Ou pode ser educação para o “bom” gosto, um objetivo mais subjetivo e tradicionalmente um modo de solicitar a adesão de uma elite. Como muitas pessoas estão completamente desinteressadas em se tornar membros de uma elite gastronômica, é perfeitamente possível  que mesmo aqueles que passaram  pelos workshops de sabor ainda prefiram comida desdenhada e ironizada pelo Slow Food. Tenho mais que um parente que experimentou vinho e prefere coca cola, experimentou nhoque e voltou às batatas fritas, e passaria muito bem sem comer foie gras, trocando-o por um hambúrguer a qualquer momento.  Não seriam minhas escolhas, mas meus parentes têm toda a liberdade de fazer as escolhas deles. E nem a educação do paladar infantil  produzirá uma safra de gourmets.  Muita pesquisa mostra  que os gostos não são formatados pelo gosto dos pais ou outros adultos, e nem fixados na infância. Na verdade se o gosto fosse formado na infância haveria muito pouca gente no movimento Slow Food.  De modo que o Slow Food não pode se apoiar  somente na educação para convencer   as pessoas a pagar mais por comida  e assim instituir  mudanças da agricultura que poderiam substituir as práticas do modernismo culinário. .

Talvez, pela educação não ser  em si própria  o bastante para estabelecer as credenciais  do Slow Food, Petrini  organizou outro programa,  o da bio diversidade.

“ Estudiosos da gastronomia, sociólogos, cientistas em potencial, e gourmets, se confrontaram  com um fato desagradável: o desaparecimento de artesãos  e o sistemático desaparecimento de espécies frutíferas e vegetais”.( Espécies ou variedades?) “ O Slow Food estenderia sua missão  ao salvamento da produção  de comida de qualidade, separando-a da quantidade enorme de comida padronizada  e  preservaria também as raças de animais e plantas em extinção.

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O que há de errado com o Slow Food / 4

Por Nina Horta
30/06/13 22:13

O que há de errado com o Slow Food- continuação-4

Seja lá como for, o que Petrini decidiu é que a estratégia do terroir rejuvenesceria aquela específica região da Itália. Em 1986 ele fundou uma associação para “vender” ao mundo um pacote de história, paisagem, vinho, cozinha, e estilo de boas vindas para sua área italiana.  Foi isso que um ano depois de transformou  no brilhante e sugestivo nome Slow Food, com uma agenda que se estendia bem além do Piemonte italiano.  Apesar de que muitos nos Estados Unidos  viam o projeto como  uma retomada dos ideais da Dieta para um Pequeno Planeta, na verdade suas origens eram bem diferentes.

A questão é se um movimento gastronômico como o Slow Food fundado para estimular o turismo culinário, pode ter ambições tão grandes de corrigir ou substituir o Modernismo Culinário.  No livro de Petrini, e aqui me restrinjo a ele, não há nada a sugerir que isso possa acontecer.

Para começar, a adoção que Petrini fez da estratégia do terroir francês, com sua versão romantizada da história, significa que ele simplesmente passa por cima de muitas coisas que fizeram com que a comida italiana fosse o que é hoje. Ele ignora os tomates em lata que Francesco Sirio  colocou à disposição de todos o ano inteiro. Não fala nada sobre a máquina de extrusão e sala de secagem  que tornaram o spaghetti possível à nova nação.  Diminui  a influência de autores culinários como Pellegrino Artusi e Ada Boni  que escreveram sobre  a comida italiana e a codificaram. Passa por cima  da campanha de Filipo Marinetti nos anos 30 que luta por uma nova cozinha (apesar de que os métodos de Petrini – manifestos, visitas promocionais a Paris, e sua busca  de adesão da mídia coincidem muito com os métodos de Marinetti.  Oferece a nós um país sem supermercados, um país sem redes de fast food próprias.  Não há   uma    Associação de Comida e Cultura com sede em Roma apoiando o estudo  da comida camponesa no mundo inteiro, ou no World Association with General Agreements on Tariffs, and Trade e nenhum CAP, ou o  Common Agricultural Policy da União Europeia ( apesar de que o  movimento Slow Food tem muito em comum  com mudanças da política sobre a forma de produzir a comida, ie produzir quanto for possível tão barato quanto possível, produzindo comida de alta qualidade e com sustentabilidade.)

De modo que Petrini, não fazendo parte de nenhuma dessas instituições na Itália é tão artificial como um resort de praia em Maui, encalhado numa areia com palmeiras e o mundo mágico do enorme Mickey com seu castelo desproporcional.  Em vez da areia branca e do Mickey, temos pequenos restaurantes rurais que oferecem uma comida maravilhosa, lojas que vendem pão artesanal,queijos e salames.

Só de vez em quando a realidade se intromete e é quando Petrini  se queixa sobre certas comidas tradicionais italianas. Os camponeses e  fazendeiros não estão à altura do movimento.  Pastores  passam os verões com suas famílias ao invés de se isolarem nas cabanas alpinas. Fazendeiros de Abruzzi comem sua própria carne curada em vez de vendê-la no mercado.  Os camponeses da Sardenha fazem queijo de segunda classe e precisam melhorar suas técnicas.  Eles tem que ser forçados a produzir ingredientes e produtos tradicionais de alta qualidade.

A verdade,  como o próprio Petrini diz, é a construção do terroir.  É muito mais. É nada mais é que a invenção do terroir e não sua preservação.  Para cada produto de séculos, existem, diria eu, depois de ler muito sobre o assunto,(o Salone del Gusto), muitos produtos que saíram do repertório, ou que foram inventados ou reinventados para coincidir com o gosto moderno urbano.

Como marketing, as estratégias do Slow Food são soberbas, talvez o exemplo mais bem sucedido  da adoção  quase universal  da Estratégia do Terroir Francês  para vender comida no Primeiro Mundo.  Como base de um programa de reforma é profundamente suspeito.  Se nós, nos países adiantados  sofremos de amnésia coletiva quanto à escassez dos suprimentos alimentícios há um século atrás, também temos uma tendência  de esquecermos que a maioria das pessoas do mundo ainda vive sob uma dieta pobre. E dizer que o Slow Food  produzirá agricultura sustentável e que vai manter a bio diversidade sem considerar o restante do mundo significa que o problema está mal colocado  desde o começo.

 

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Continuando ...O que há de errado com o Slow Food? 3

Por Nina Horta
27/06/13 17:27

(A escritora é muito prolixa, vamos ver a que veio só mais tarde!)

A maioria dos italianos teve que esperar mais pela massa de farinha de trigo e os ragus ricos que geralmente a acompanham.  Há alguns anos almocei com um senhor de uns oitenta anos, engenheiro muito distinto. Ela pediu polenta. Explicou que quando era pequeno sonhava com pão mas não havia. Comia só polenta, comida que ele jamais imaginou que se tornaria tão chic a ponto de ser servida no Stanford Faculty Club.  Ele e sua família, como 26 milhões de outros italianos, emigraram para terras distantes como Argentina e Estados Unidos.  Para os que ficaram, parecia impossível sair da pobreza.  Polenta pode ser uma delícia de vez em quando, mas três vezes ao dia, não só é monótona quanto perigosa, produzindo uma deficiência alimentar conhecida agora como pelagra.  Cientistas sociais, reformadores, e físicos investigaram a doença e não sabiam o que fazer, desesperados. Mussolini tentou aumentar a produção de trigo taxando alto o trigo americano. Para celebrar essa batalha compôs um poema que começava assim “vamos gostar de pão, de todos os lares o coração.”

Só depois da Segunda Guerra a dieta melhorou para a maioria dos italianos (e para muitos, de todas as sociedades mundo afora). Começando em 1957, a União Europeia, de acordo com Common Agriculture Policy, subsidiava o trigo italiano para os fazendeiros. Mesmo assim não era o bastante para vencer a demanda: até hoje a Itália importa (no momento 1/3  do trigo consumido) para amenizar a demanda italiana.

Uma das virtudes da Culinária Modernista era que comida barata permitia que o povo gastasse seu dinheiro do modo que achasse melhor.  Ao cair o preço da comida e aumentarem os salários, as pessoas compraram, para começar, roupas melhores, bicicletas, ingressos para concertos, educação para as crianças, sistemas de som, carros bons para as estradas, casas maiores, e férias fora da Itália.

Relativamente poucos escolheram gastar o dinheiro em gastronomia. Na verdade muitos desconfiavam que gastar demais com comida, se assemelhava aos dias antes do Modernismo Culinário, quando os ricos usavam a comida para mostrar o seu poder.  Para muitos americanos a gastronomia era simbolizada pelo jantar de 4000 dólares que Craig Claiborne e Pierre Franey pagaram em Paris em 1975.  “Essa noite de leitões gastrônomos”, como disse um comentarista, “ofende o sentido de decência do americano médio”. Tal reação reflete uma crença muito espalhada sobre os valores da Cozinha Moderna. A comida deveria ser acessível a todos e nunca deveria ser usada para denotar classe ou fortuna.

Claro que uma mudança tão dramática como O Modernismo Culinário não poderia ter ocorrido e não ocorreu sem criar uma variedade enorme de problemas. Os migrantes quase sempre sofriam um declínio de modo de vida, mesmo que seus descendentes viessem a melhorar muito.  A distância cada vez maior entre o produtor e o consumidor, entre a fazenda e a cozinha dava lugar aos inescrupulosos no sentido de adulterarem a comida. A terra arada há pouco perdia a fertilidade sem um cuidado adequado. Comidas muito processadas eram cheias de calorias e a obesidade passou a substituir as doenças de deficiências alimentares.  E muita gente começou a se preocupar com a ideia de que o mundo simplesmente não conseguiria produzir o trigo necessário para todos que o queriam.

Entre eles havia muitos líderes da Contra Cultura. Amedrontados com a ideia que uma população aumentada levaria com certeza à fome, rejeitaram a tentativa do  de proporcionar pão branco e carne para todos, mas acreditavam também que todo mundo merecia uma dieta saborosa e nutritiva.  Em 1971 Frances Moore Lappé em Dieta para um Pequeno Planeta, sugeriu que a nova pesquisa científica oferecia uma alternativa. Grãos e feijões, nenhum deles adequado por si só, ofereciam uma dieta completa e nutritiva se servidos juntos.  Se o Primeiro Mundo fosse deixar a carne e adotasse uma dieta vegetariana, todo mundo teria alguma esperança de comer uma comida decente e igualitária.  Ele e outros inspiraram uma geração para experimentar comidas vegetarianas do México, do Médio Oriente , India e China e a fundar colônias, comunidades, cooperativas como alternativas ao complexo agro-industrial.  O livro Dieta Para um Pequeno Planeta foi uma tentativa séria para se encontrar uma alternativa para o Modernismo Culinário adotando uma estratégia inversa. Em vez de Comida do Oriente para o Resto, era a comida do Resto para o Ocidente.

A Dieta para um Pequeno Planeta, no entanto, teve muitos problemas. Um deles é que a para a maioria dos ocidentais pão e carne, massa e carne continuavam a ser a comida ideal. Gostavam da comida barata do Modernismo Culinário, com seus problemas todos.  Adoravam a comida barata do Modernismo Culinário, mas não queriam comer o feijão que os fazia lembrar da pobreza. Adoravam a torrada matutina, e o bife do jantar. Quando o McDonalds inventou um modo de oferecer o pão e a carne com simplicidade, depressa e com higiene, e ainda por cima por preço baixo sem a mãe ter que passar um tempão na cozinha, foi um sucesso formidável.

Enquanto isso, na sua cidade natal de Bras, no Piemonte italiano, Petrini olhou à volta e viu uma região em depressão.  Cortumes desertos pipocavam por toda a cidade. As fazendas no entorno iam mais ou menos,nada da atividade constante que imaginamos nas fazendas dos camponeses, nem a eficiência mecanizada da agricultura moderna.  Petrini se perguntou o que fazer para reviver aquela área e a resposta foi “comida”.  Ou mais precisamente – A estratégia do Terroir francês.

A estratégia do terroir francês havia sido desenvolvida entre 1860 e 1930. A primeira sacudida da indústria do vinho francês para encorajar o turismo culinário. Nos 1860 a indústria francesa do vinho, a segunda indústria de exportação na França teve um problema terrível.  Guerras com a Inglaterra, mildio, philoxera e competição de vinhos baratos algerianos, haviam reduzido o mercado dos grandes exportadores de vinho.  Eles salvaram suas plantações, mobilizando os cientistas franceses famosos. Depois de muitas estratégias falidas, alcançaram o consenso que a esperança era  enxertar vinhas francesas nas vinhas rudes e fortes americanas. A indústria estava salva.

Mas será que os amantes do vinho chegariam à conclusão que não havia nada de especial no vinho francês se fosse  tirado de uvas comuns americanas?  Com esse perigo ameaçando o mercado da uva francesa, os vinhateiros chegaram à conclusão  que não eram as vinhas que faziam o vinho francês tão bom. Era o terroir.  Terroir, definido primeiramente como a terra, logo se transformou no entorno local no qual o vinho era produzido.  Com a ajuda do governo francês, estabeleceram o sistema de appelation controlée, branding seus vinhos de acordo com seu país de origem.

Não muitos anos depois, os ricos parisienses começaram  a andar de carro pelas estradas nos seus Renaults e Citroens.  Era natural de que depois de se cansarem de ver castelos medievais e catedrais góticas, procurassem beber. Os empresários vislumbraram outro nicho de mercado e rapidamente pousaram  restaurantes ao longo das maiores rotas turísticas. Lá, criaram cozinhas regionais francesas tweaking os pratos da cozinha burguesa para satisfazer o gosto dos parisienses. O príncipe dos gastrônomos, o crítico francês Maurice Saillant, vulgo Curnonsky, começou a publicar o livro amarelo da comida das províncias francesas.  A fábrica de Pneus Michelin começou a dar estrelas para os restaurantes. Agora os turistas poderiam juntar a comida com arquitetura e paisagem. Experimentavam a comida descrita como o ápice de centenas de anos de refinamento de produtos únicos de camponeses próximos ao terroir e ao ambiente.

Como história não fazia sentido. Mas, a estratégia do terroir foi um golpe brilhante de marketing que satisfez os desejos modernos de um passado romantizado ao fazer propaganda da tradição e ao mesmo tempo explorando métodos modernos de produção e distribuição. Ao proclamar que certas comidas ou refeições estavam totalmente ligadas, enroscadas mesmo a lugares particulares e à histórias míticas, os promotores criaram o conceito de escassez desses produtos e elevaram seus preços. Gourmets urbanos ricos e futuros gourmets compravam todos os produtos ou iam para o interior aproveitar a fartura daquele ingrediente. A estratégia fez maravilhas para os grandes vinhateiros, restaurantes e produtores que conseguiam dar uma levantada nos seus produtos para que fossem aceitos por consumidores ricos e sofisticados com paladares urbanos.  É bom notar, no entanto, que muito eficiente para as necessidades dos turistas e donos de restaurantes, a estratégia dos terroirs não fez nada para o bem estar dos camponeses. Avançando no século 20, eles , assim como os camponeses italianos continuaram com uma dieta pobre e  que não tinha nada a ver com a comida servida a turistas culinários. Ao contrário, era uma sucessão de sopas de vegetais muito ralas e o pão dos mais rudes. A não ser depois que as terras passaram a servir à modernização em larga escala e distribuição eficiente associadas ao Modernismo Culinário é que os preços baixaram,  os camponeses puderam comer pão branco e carne e a dieta tornou-se mais rica.

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Slow Food 2 Continuando...Salone del Gusto

Por Nina Horta
27/06/13 12:13


Tinha todos os sinais óbvios de gastronomia: guias de vinhos para compradores entusiasmados, guias de restaurantes para turistas culinários, e um encontro de degustação de vinhos, o Salone del Gusto onde gourmets e futuros gourmets podiam experimentar vinho, queijo, produtos de porco e outras especialidades.

Era de se esperar que fosse saudado com alegria por muitos de nós que adoram
pensar sobre o assunto e adoram mais ainda comer a comida boa. Mas, o Slow Food,
dizem seus defensores, leva a gastronomia a um nível mais elevado. Algo como uma religião dos últimos dias e um programa político, afirmando que essa versão da gastronomia nos salvará dos problemas já conhecidos associados à modernidade.

O Slow Food se apoia sobre a revelação de que a procura do prazer protege
o entorno, cria uma agricultura sustentável, preserva patrimônios históricos,
e aumenta o bom, o verdadeiro e o belo, além de ter o potencial de nos salvar
de nós mesmos. Corby Kummer, um dos mais importantes cronistas de
comida americano nos diz que tornar-se membro do Slow Food é tomar
o caminho certo ; comendo bem estamos fazendo o bem.

Albert Sonnenfeld, professor de francês na Universidade de Colúmbia, e editor de uma série de livros importantes sobre a história da Alimentação explica que a mesa é um altar que oferece ao devoto a a preservação dos direitos humanos e do ambiente.”

A reverenciada fundadora do restaurante Chez Panisse, afirma que o Slow Food
nos ensina “compaixão, beleza, comunidade e sensualidade.” Mario Batali, do famoso restaurante Babbo em Nova Iorque faz um elogio mais espirutual, religioso, quase
(mais religioso, até do que qualquer outra religião) ou seita que eu já tenho sido
convidada a entrar. E Carlo Petrini, o empresário que fundou o Slow Food e cujo livro estou revisando nessa página, conta a história e a agenda da organização e comanda o coro – “face a face com os excessos da modernização, não estamos tentando mais
mudar o mundo, e sim, somente salvá-lo.” Salvar o mundo dos excessos da modernidade simplesmente por nos tornarmos gourmets parece bem tentador. Nenhuma dor, só ganhos.

Mas será muito bom para ser verdade? A modernidade terá feito seu serviço?
É a hora de voltar à tradição e herança como uma resposta “avant garde” ao campo minado da modernidade? Era isso que eu esperava encontrar no livro de Petrini.

Apesar de ser um livro que me deixa furiosa, pomposo, auto elogioso, cheio de retórica, curto em argumentos e mais curto ainda em provas – com algum esforço é possível discernir o que Petrini quer. Mas, primeiro temos que ver o que quer dizer Modernismo culinário, que segundo Petrini é um movimento evidentemente falido. O modernismo culinário tem aspectos muito interessantes mas o mais relevante, aqui, é que trouxe o fim, pelo menos no Ocidente, a um sistema de comida de dois níveis. Isso sempre existiu em todas as sociedades desde o começo das primeiras cidades. O nível superior, dos ricos e poderosos, comia carne e os grãos mais importantes, como arroz e trigo. O nível mais baixo , os pobres que compunham 80%por cento da população sobreviveu através de grãos menos desejáveis como aveia, mileto ou milho, com um ocasional pedacinho de carne para alegrar suas mesas.

No século 19, na Inglaterra e nos Estados Unidos o interesse dos pobres e dos poderosos coincidiu pela primeira vez. Os poderosos começaram a aceitar teorias políticas mais igualitárias, assim como a necessidade de um cidadão bem alimentado para trabalhar nas fábricas e exércitos E como a democracia não tinha muito valor se não se pudesse comer o que antes fora apenas dos ricos, os pobres começaram a pedir uma dieta melhor.

A coincidência de interesses levou os governos a adotar políticas para fazer com que o trigo e a carne, até então as comidas de prestígio reservadas para os ricos, fosse acessível a todos. O modernismo culinário deu outra forma ao mundo.
Os colonizadores se apropriaram das terras de pasto da América do Norte, Argentina, Austrália e Nova Zelândia para plantar trigo e criar gado para centros urbanos distantes. Migrantes foram do campo para a cidade e da Europa para colônias de além mar.
O tamanho das terras sendo cultivadas elevou-se. Os mercadores abriram novos canais comerciais e instituições que permitiam que o trigo e a carne fossem levados aos mercados.. Inventores, industriais descobriram novos meios de processá-los.
A vida das pessoas mudou na Inglaterra e nos Estados Unidos, ao acharem normal o pão branco e a carne assada, coisa que seus antepassados só tinham ouvido falar.

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O que há de errado no movimento Slow Food?

Por Nina Horta
26/06/13 10:40

O blog, como vocês sabem tenta falar sobre coisas que ainda não apareceram aqui no Brasil. Ensaios, livros, matérias de revistas, filmes sobre comida, e desabafos da blogueira. O motivo de não chegarem imediatamente aqui é a língua.

A blogueira Rachel Laudan pode ser achada no seu blog Rachellaudan, que trabalha muito á volta da história da comida. Eu nunca tinha ouvido falar mal do movimento Slow Food, sabia que ela andava meio capenga, mas não sabia o porquê. Aqui nesse artigo Rachel Laudan vai dar a opinião dela sobre o movimento. Achei que era uma fofoca boa.
Uma tomada de posição contra um dos movimentos de mais sucesso no mundo.
Rachel Laudan contra Petrini. São 10 páginas, vou traduzindo em 10 posts, ok?

 

Essa é a primeira página de dez do ensaio de Rachel Laudan no qual ela discorre sobre o movimento Slow Food.

Gastronomia – cultivo da arte de comer – sempre foi muito rara na história do mundo. A maioria das pessoas, na maior parte do tempo tinha mais do que fazer do que se preocupar com os delicioso sabores da comida, ao se sentarem à mesa.  Para os pobres era um modo de encher o estômago, ou, raramente, num dia de festa, para se matar de comer. Para os piedosos era um modo  de provar que podiam controlar os desejos da carne. As freiras, ou pelo menos as mais devotas entre elas, provavam suas vocações ao recusar mordiscar os ricos doces de ovos e açúcar que faziam para os mecenas dos conventos. Para os poderosos era um modo  de mostrar seus poderes pondo na mesa tudo que era impossível aos seus inferiores. Os cortesãos da Renascença mostravam seu status em banquetes do Estado intermináveis onde a comidaera elaboradamente montada.

Nenhuma dessas pessoas estava pensando em comida boa.

Só quando apareceu uma classe urbana rica que não precisava se preocupar com a comida do dia seguinte, nem mostrar sua devoção, nem ostentar sua riqueza ou seu poder  foi que apareceu a gastronomia.  Só numa sociedade próspera na qual a riqueza não estava confinada a uma mínima parte da população  é que ela pode florescer.  Essas condições foram atingidas, por exemplo, no século 13 em grandes cidades da China ou do Islam: Hangchow, Bagdá, Damasco, Cairo e Córdoba – e de novo, nas cidades da renascença europeia, como no século 18 e 19 em Edo, Paris e cidades da China.

Com a gastronomia chegaram os gourmets. Ao invés de banquetes elaborados os gourmets preferiam jantares íntimos ou idas a restaurantes finos. Organizavam concursos para provar e julgar   coisas boas como chá e vinho. Adoravam procurar espécimes raros e regionais e não se importavam de pagar caro por eles. Criaram uma literatura gastronômica que incluía, menus, livros de cozinha, guias culinários, poesia e filosofia. E se ligavam em culinária turística ou indo a restaurantes que se especializavam em comida de uma região particular, ou com a melhoria dos transportes, indo a restaurantes dos quais haviam ouvido falar.

Para os que podiam pagar, a gastronomia era um afastamento bem vindo da tarefa pesada de mostrar sua fortuna ou santidade. Tirava a comida do plano público e fazia dela um assunto de prazer pessoal. Aumentava um pouco o trabalho dos cozinheiros, donos de restaurante, fazendeiros  e comerciantes.  É claro que começou a surgir um pouco de esnoberia e especialistas. Mas, apesar desses traços irritantes, eles não eram o que há de pior nos vícios humanos. De modo que a gastronomia(como outros hobbies dos ricos, tipo colecionar primeiras edições de livros, cavalos de corrida, ou patrocínio de música de câmera) a felicidade humana aumentou sem perturbar seriamente os outros. E qualquer coisa que aumenta a felicidade humana sem perturbar os outros é uma boa coisa, convenhamos.

E agora temos o movimento Slow Food uma organização que se cristalizou a partir de alguns programas italianos quando o McDonald´s abriu em Roma. Em 9 de novembro, 1989, foi formalmente fundado como o  movimento Slow Food para a defesa e direitos ao prazer, na Opera Comique, em Paris.

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Aniversário infantil saudável?

Por Folha
26/06/13 01:50

 

Começa-se a passear pela internet, esse enorme parque de diversões, e de repente descobre-se um blog, aquele te manda para outro, e acaba-se achando alguma coisa da qual não se tinha ideia.

Fui parar no rachellaudan.com. É uma historiadora que gosta de comida e passeia pelo mundo atrás dos seus dois assuntos preferidos.

Em 2011, fez um sucesso de escândalo com artigo que publicou “A Plea for Culinary Modernism: Why We Should Love New, Fast, Processed Food” (um apelo para culinária moderna: por que deveríamos amar a nova e rápida comida processada).

Li o artigo que pode ser encontrado no número um da revista “Gastronomica” e no jornal “New York Times”. Censurava a moda da nostalgia e nos convencia de que a palavra de ordem é a do aperfeiçoamento da comida processada. Descobri que temos algumas ideias em comum, ou meias ideias, sujeitas ainda à verificação.

Por exemplo, acho um exagero separar o lixo em três, se sabemos que ele vai parar no mesmo lixão. Quer dizer, não me importo nada com os três lixos, cada um tem quantos lixos quiser. Mas, de mania em mania, tenho medo que a outra geração saia com medo de comida, apavorada com todos os problemas dos quais tem que cuidar.

No outro dia, numa festa que estava fazendo, vi um menino de uns três anos, surtado, em frente a quatro latas de lixo. Já havia aprendido em casa a lidar com três, mas queria jogar alguma coisa fora e não conseguia adivinhar onde. Tremia de angústia, juro, pequenininho e aterrorizado com o enigma do lixo.

Uma casa de festas nos pediu menus de aniversários infantis saudáveis. Já me arrepio toda, fico com uma pena das criancinhas, no dia do aniversário, comendo sanduíche de pão preto com brotos, bolo de cenoura, vagens e pepinos espetados na coalhada, brigadeiro de tofu! (deve existir). Vão crescer esquisitos em relação à comida, garanto.

É que sou bem ignorante quanto às pegadas que vamos deixando para trás. Como se mede isso? Vejo na TV, num programa sobre crianças (assisto um bocado de TV, é verdade) em que são levadas para parques para plantarem um feijãozinho, com as caras mais felizes de quem está salvando o planeta.

Assisto à saída de carro com a mãe, ao trânsito, ao avental branco e ao sapato ficando pretos de lama, imagino que vai ser preciso lavar o carro, o sapato, o avental na máquina, tomar um banho… Bem, se a criança estivesse em casa assistindo a um desenho ou plantando o feijão na varanda acho que o mundo ganharia uma boa meia hora.

E uma festa para mil no interior, onde não se pode usar nada de papel mesmo sendo reciclável pela santa causa da sustentabilidade? E o transporte dos pratos de caminhão e a lavação de pratos e copos e talheres pelas mulheres contratadas para tal, que vão chegar em São Paulo depois de três horas de viagem e, só então, começar a volta para casa em mais três ônibus? Exaustas? Que sustentabilidade é essa?

Daí me chamarem de antiecológica. Ora, vão ter que acoplar um aparelho medidor de sustentabilidade no meu braço, para me convencer de muita coisa que andam tramando por aí.

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Acorda, Brasil!

Por Folha
19/06/13 02:10

Ah, que pena… Todo mundo me telefonando e eu vendo no Facebook os chefs, os cozinheiros, os donos de restaurante nas escadarias do Masp reunidos contra a violência, “Acorda Brasil”, e me chamando para me juntar a eles. Ora, não dá mais tempo!

Esquadrinho as fotos e enxergo o Charlô, com sua cabeleira branca, o Alex Atala, talvez o lenço de cabeça da Helena, do Maní, e mais uma multidão jovem e me orgulho deles e estou lá com eles. É hora de a gente se manifestar.

Todo mundo tem direito à sua história de assalto em restaurante.

Há um mês, saí do bufê numa noite fria e fui com minha filha a uma doceira de Pinheiros tomar um chocolate quente. Estava relativamente cheia e escolhemos ficar num terracinho envidraçado, vazio.

Vocês sabem o tamanho da menor mesa dessas de mármore, de bar. O tamanho de um abraço. Eu estava com uma bolsa enorme, de couro, velha, cheia de metais, complicadíssima de abrir, minha amiga, minha velha conhecida. Coloquei sobre meus pés e
até me lembro da sensação dela escorregando pela minha perna, pesada, até chegar ao chão.

Chegou um casal e se sentou na mesa ao lado, a uns dois metros. Minha filha de frente para eles, e eu de costas. Tomamos o chocolate, e fui pegar a bolsa para pagar. E cadê?

A primeira reação é de incredulidade, quase como se tivéssemos sendo vítimas de uma brincadeira. Porque, na nossa cabeça, é impossível que numa mesinha sem toalha, de bar, num restaurante vazio, alguém tenha se aproximado o suficiente para roubar sua bolsa, provavelmente, andando de quatro, e você não tenha percebido.

Imediatamente, se passa de vítima a carrasco mentiroso. Como não é de se acreditar, mesmo, o segurança diz que você chegou sem bolsa, abanando as mãos. A encarregada não deixa que conversemos com o chefe, pois também desconfia que quem está dando o golpe somos nós, para não pagar o chocolate.

Tomei as providências que achei necessárias, registrei pela internet a ocorrência policial, escrevi para o responsável que achei no Google, para o Facebook da empresa, telefonei para o banco. Por incrível, o mais amável foi o banco. “A senhora já está em casa? Está bem? Precisa de alguma coisa?”

Como havíamos percebido uma câmera logo acima da nossa mesinha, fomos assistir ao filme, depois de muita insistência, pois lembrem-se: os bandidos éramos nós.

No filme, o casal ladrão entra, fica parado no meio do restaurante, olha bem à volta e escolhe a mesa na mesma varanda vazia que nós. Mal se sentam, ela se abaixa, por trás de mim, quase que se deita no chão e pesca minha bolsa, que estava a meus pés. Passa para dentro do casacão dele que, imediatamente, enfia na mochila, levantam-se e saem. Um minuto de ação.

Parecerá normal para vocês. Mas, para mim, que estava com a bolsa no pé e que não senti ninguém nas minhas costas, e para minha filha, que não tinha outro lugar para olhar senão à sua frente e não viu, são ladrões como os grandes mágicos, como David Copperfield.

São gênios, de uma leveza, de uma prática estonteantes. Foi um assalto “soft”, mas “Acorda, Brasil!”, antes que nos roubem até o grito de revolta.

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Ramen 1

Por Nina Horta
16/06/13 20:14

 

Bem, continuando com o ramen. E acabando! Senão o assunto muda e não finalizamos esses
posts. Aproveitar para experimentar o ramen já que é inverno.

Fui ao Asca, na Liberdade, bem no primeiro dia das manifestações de rua, ignorante de tudo. Escapamos das balas de borracha e dos cravos vermelhos por pura alienação, só achei a região animadíssima, como se fosse um dia de festa. E é claro que não pude experimentar o ramen, no restaurante pequenino e cheio até as bordas. Mas, continuo pesquisando, vocês não fazem ideia da literatura que existe sobre o assunto.

A China e o Japão são velhos demais, há coisas milenares para se aprender e nem tempo temos. E é difícil acreditar que uma comida leva séculos para se adaptar em outro país que não o seu e ainda precisa de propaganda, circunstâncias favoráveis, e o escambau.

O que nos bastaria saber? Que os japoneses eram pequenos de tamanho, miúdos, pobres
e comiam pouquinho, com a maior simplicidade. Comida era remédio para sobreviver e
não para ficar assuntando. Bastava que fosse bonita.  A China, por sua vez tinha a comida
como socializante, adorava comer de tudo, e junto com todos.

Uma vez meu filho trouxe um documentário de 18 horas sobre a China. Era uma época de luto aqui em casa e a única coisa que sobreviveu na minha memória foram os chinesinhos desde a mais tenra idade, se lambuzando de comer o dia inteiro, com a cara melhor do mundo, os olhos brilhando, uma alegria incontida que dava gosto. Dos mais pobres aos mais ricos, comendo escorpião em pirulito ou chupando os fios de macarrão barulhentos.

Os japoneses e chineses têm uma relação ambígua. A cada século que pesquiso estão mais ou menos amigos, conforme a situação, a política, as guerras. Querem começar em 1657 ou em 1680? 1680. Algumas regiões do Japão já haviam se encantado com as maravilhas da cozinha chinesa e o seu porco. Outros se enamoraram do macarrão, como o enclave urbano de Edo, que teve restaurantes antes da França. Essa, não sabíamos, pois não? A quantidade de vendedores ambulantes cada dia aumentava mais.  Achavam que era mais bonito e civilizado ficar comendo aos bocados de 3 em 3 horas, pois assim digeriam com mais facilidade. O macarrão soba era uma das 4 delícias possíveis de serem comidas nas ruas do Japão. As outras eram enguias, tempuras e sushis.

Indicação de Leitura:
SLURP ! A social and Culinary History of RAMEN Japan´s favourite Noodle Soup –
Barack Kushner

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Ramen 2

Por Nina Horta
16/06/13 20:12

 

Como o ramen teria chegado ao Japão? Tem história a dar com  pau, podemos
resolver por uma ou outra pois todas são prováveis e até podem ter acontecido todas juntas, geralmente é assim.

Com o novo governo Meiji, imperial, em 1868, (O governo Meiji é muito para pesquisar
quando alguém está procurando saber sobre o Miojo. Mas, confio que houve uma era
Meiji, confio) era provável que crescesse a importância da identidade nacional e da comida.

Todos acreditavam que se o Japão tivesse uma boa noção de protocolo faria bonito com os
estrangeiros, e isso o ajudaria a manter sua independência. Logo, seria preciso uma cozinha
nacional que pudesse produzir banquetes capazes de impressionar os hóspedes internacionais.

Os japoneses do século dezenove não caíram imediatamente de amores pelas comidas dos
países estrangeiros, como carne de boi ou de porco, mas com o tempo, novas sopas de
macarrão começaram a aparecer. Em parte por causa dos estudantes chineses loucos para
entender a modernização do Japão e que iam para lá fazer a pesquisa in loco.

Os imigrantes chineses e os estrangeiros geralmente se assustavam com a pobreza da comida japonesa. Um chinês chamado Cheng Pingjun, em , em 1887,  inventou um prato de macarrão chamado champon, uma comida feita de restos, muito bem temperada. Tornou-se um hit!

Já em 1920 poder-se-ia descobrir as conquistas geográficas de outras terras na ponta dos
pauzinhos, dos hashi. A colonização da comida havia começado e se refletir na cozinha que
absorvia influências do Ocidente e Oriente, ambos com uma impressionante cultura culinária.

O ramen saiu dessa coleção híbrida de novos sabores que entrou no Japão como
parte do império que se expandia. Na virada do século a cozinha nacional japonesa estava em constante revolução. Os japoneses haviam deixado para trás os antigos sabores mas ainda não haviam mudado completamente como o fizeram lá por 1920.

Livros de cozinha, receitas, mostravam que as mulheres haviam aprendido
a ler e que além disso cozinhavam em casa e tomavam conta da alimentação da
família. O Japão mudara seus gostos, mas ainda não estava pronto para o lamen.
Precisaria da Segunda Guerra para arrancá-lo de suas raízes, seguindo a modernização
e a perda do império.

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