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Nina Horta

Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha

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Acabaram as avós dona Benta

Por Folha
14/08/13 03:00

Comecei a ler uma resenha nova do meu livro “Não é sopa”, bem escrita, até quando o autor começou a me chamar de dona Benta.  Não a do Monteiro Lobato, a outra, do livro grosso de receitas.

Fui ficando com ódio.

Foi publicado em 1995… Qual dona Benta qual nada, bonita, moça, viajando por São Paulo, Nova York, Paris, Londres, vestida por Ossie Clark, minissaia, mechinhas no cabelo, a nouvelle cuisine começando a arrebentar aqui, as experimentações, as novidades, as terrines, a bela apresentação do prato, Londres desfilando a mais jovem das modas pelas ruas, a comida de Jean Pierre White, Alastair Little, Bocuse já com 25 anos de trabalho!

Bem, pigarreei. Isso me parece ontem, mas provavelmente esse rapaz que escreveu não havia  nascido.

O que não me torna dona Benta. Acabaram as avós dona Benta, se um dia existiram. Enfiem isso na cabeça, crianças.  Nem as minhas avós eram donas Benta, senhoras mais compostas do que eu, sim, mas nenhuma das duas fazendo bolinhos de chuva para os netos, à tarde.

Uma delas cozinhava muito bem, mas sem grandes emoções, logo ficava livre para dar uns giros. A outra, protegida avó, me deixou de herança seu pilão de moer amêndoas, só dela, para doces que fazia numa cozinha só sua, escondida de todos. Escondidíssima, mesmo, jamais alguém a viu fazendo os tais de doces, e muito menos os doces.

Deixei o cabelo branquear, adoro um coque, o que me põe imediatamente no rol das velhas, mas não das fritadeiras de bolinhos. Por favor, não gosto que me chamem de dona Benta, entenderam? Não gosto e pronto.

O epíteto leva a pensar numa pessoa boa, amorosa, que só pensa nos outros, submissa ao marido e aos filhos, sem interesses a não ser os bifes acebolados, com o coração apertado por não ter sido secretária de alguma presidência. Arre! Seria mentira.

Mas… É aí que o resenhista que me chamou de dona Benta viu através dos véus. Posso ter ficado moderna em tudo, posso ter usado um salto 15 do Manolo Blahnik, rodopiado com as sainhas da Mary Quant, mas ninguém me convence que não existe uma coisa, uma essência, chamada mulher, que tem prazer de ficar em casa.

Que pode carregar pedra, acho besta esse assunto que a capacidade de um gênero é diferente da  do outro. Tudo igual. Mas, as melhores teorias caem por terra quando, no meio de um trabalho insano, minhas mãos começam a coçar para pegar um tricô. “Já vou, só acabar essa carreirinha aqui!”, é a frase que mais tenho vontade de gritar. Fala, Adélia Prado!

“Há mulheres que dizem: Meu marido, se quiser pescar, pesque, mas que limpe os peixes. Eu não. A qualquer hora, me levanto, ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram, ele fala coisas como ‘este foi difícil’, ‘prateou no ar dando rabanadas’ e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez, atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa, vamos dormir. Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva.” É isso.

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Sem avós, não haveria grandes chefs

Por Folha
07/08/13 03:00

É muito difícil achar um bom livro de cozinha. Bom de se ler, com receitas novas, texto interessante e ideias que realmente te inspirem. Tinha um na Amazon me perseguindo há meses. Tento não comprar, afinal era um título que não prometia muito. “Smoke and Pickles”, de Edward Lee. Receitas e histórias de uma cozinha nova do sul dos Estados Unidos.

Claro que, num sábado desassuntado, apertei o “one click” e pumba, o livro apareceu no iPad. E que grata surpresa.

Começa com a avó. Se os grandes chefs não tivessem avó, não haveria grandes chefs. Tudo tem início no Brooklyn, numa família coreana, cozinha apertada e singela e a avó fabricando comidas coreanas com uma faca Ginsu falsa. Recusava-se a fazer comida americana.

Ou o menino papava o que ela fazia ou passava a manteiga de amendoim e gelatina. E, através dos dois sabores, ele foi forjando um novo paladar. Reinventou-se.

O autor louva os Estados Unidos por essa oportunidade que teve. Comia na casa dos colegas e era, ora porto-riquenho, ora judeu ou mexicano. Foi ficando interessadíssimo em comida, achando que o máximo do status e da felicidade era um bom restaurante. Estudou bastante. Fez estágios importantes.

Um dia, lhe deu na telha ir assistir ao Derby de Kentucky. Nunca mais saiu de lá. Sua comida simples e deliciosa tem raízes na Coreia e na comida dos negros escravos do sul dos Estados Unidos.

Juntou à sua lista de ingredientes o tabaco, o Bourbon, o presunto da terra e abriu o hoje afamado 610 Magnolia. No cardápio, o arroz da infância não podia faltar. Arroz grudento que é a base das refeições. E de resto, não exclui nada. Mistura história, lembranças e bons ingredientes.

Foi se estruturando a partir desse bem-estar com a terra que  o recebia sem distinções. Fechou o círculo, juntando os novos ingredientes dos quais aprendera a gostar, com a comida da avó de faca Ginsu “fake”. Conseguiu enxergar com clareza a comida dela com muito alho, picante e cheia de azedos e doces. Fez sua própria história. Coreia, sul dos Estados Unidos com um traço forte de defumação. Com grelhados coreanos e churrascos sulistas. Consegue o gosto do defumado usando Bourbon, temperos defumados, cervejas pretas. Nada tão bom para cortar a intensidade do defumado como o picles bem azedo. O perfeito yin e yang.

Para nós, brasileiros, é uma achado. Couve, feijão, carne picadinha, rabada com fava, músculo de panela com molho de pêssegos e Bourbon. Faz sopa de tutano com pasteizinhos coreanos boiando por cima. Um sanduíche de fatias de bolo de carne feito com Coca e uísque, cortado em pedaços que serão fritos, mais um ovo frito por cima e molho de pimenta. Galinha frita com waffles. Torresmo, feijão-fradinho.

No seu restaurante, mistura as imagens da comida de infância com a complexidade cultural da “soul food”. Edamame com amendoim cozido, por exemplo.

Casou-se com uma alemã católica. Ele faz kimchi (fermentado), ela faz chucrute.

É um corajoso o tal de Edward Lee. Tem algumas receitas dele no meu blog.

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Receitas / Defumados e Picles - Edward Lee

Por Nina Horta
02/08/13 21:28

Vamos começar do comecinho, o Zen fundamental da mesa asiática – a tigela de arroz que acompanhava todas as refeições da minha infância: cheio de vapor, grudento, doce e reconfortante………

Gerações da minha família cresceram com aquele arroz grudento, e eu também. Era o arroz que me tornaria forte e sabido, e que me faria ótimo em matemática, ciências e história. O arroz transformaria meus olhos em olhos de lince, meus dentes seriam bonitos, minhas unhas brilhariam. Se eu fosse bonzinho ganharia uma tigela de arroz bem quente com carne de porco bem temperada por cima. Se fosse desobediente me ameaçariam dar a ração do gato -, verdade, essa lenda urbana de como os imigrantes pobres asiáticos comiam ração de gato com molho de soja sobre a tigela de arroz!

De vez em quando a panela elétrica de arroz estragava, minha avó fazia arroz do modo tradicional, numa panela pesada, mas ela não gostava pois tinha que tomar conta do arroz junto do fogão. E o arroz do fundo grudava na panela e de um segundo para o outro podia passar de crocante a queimado. Era falível. A panela elétrica produzia exatamente os mesmos resultados, sempre.

Receita para uma tigela imperfeita de arroz grudento

O objetivo ao cozinhar esse arroz é conseguir uma fina camada tostada no fundo da panela, contrastando com o
arroz fofo de cima. Os dois tipos de arroz  contrastam maravilhosamente bem.  Pode usar uma frigideira de ferro
e faça seu acompanhamento preferido enquanto o arroz está cozinhando. Quando estiverem prontos, divida o arroz,
com a parte crocante e tudo, entre os convidados, em tigelas e sirva.

Rende o bastante para 4 cumbucas maiores, próprias para arroz ou 6 menores.

2 xícaras de arroz agulhinha japonês

1 colher (chá) de sal

Coloque o arroz numa vasilha grande já com 4 xícaras de água fria.
Com as mãos, mexa o arroz em círculos até que água fique turva, esbranquiçada.
Passe o arroz por escorredor, volte à tigela grande e junte mais 4 xícaras de água fria.
Deixe o arroz de molho por 30 segundos.

Escorra o arroz outra vez e as e sacuda para retirar o excesso de água. Transfira o arroz para uma frigideira grossa, de ferro, de uns 27 cm de diâmetro. Junte 3 copos de água e o sal e dê uma boa mexida. Leve a água a ferver em fogo baixo, tampe a frigideira hermeticamente e cozinhe por 18 minutos. Apague o fogo e dixe o arroz descansar de 3 a 5 minutos, ainda tampado.

Destampe a frigideira, ponha em fogo médio, e cozinhe o arroz por mais 3 3 a 5 minutoos, até que o arroz do fundo da frigideira esteja dourado e crocante. Mantenha o arroz quente na frigideira até a hora de servir.

Receita eterna para uma rémoulade perfeita.

Não se assuste com a longa lista de ingredientes. Tudo o que tem a fazer é jogá-los numa tigela e misturá-los. Uma vez que esteja pronta a receita básica pode-se dar o sabor que quisermos.  Divirta-se. Use com tudo, desde carne moída ou hambúrguer a legumes crus. Pode ser feita um dia antes que os sabores se misturarão durante a noite.

Rende umas 3 xícaras.

2 ovos grandes

1 ¼ de xícara de maionese.

1/3 de xícara de echalotas picadas. (pode substituir por cebola roxa).

½ xícara de quiabo em picles, picado.( se não tiver use pepininhos em conserva. Cornichons)

2 dentes de alho, ralados, use o ralador Microplane.  Ou moídos.

1 colher de raiz forte preparada.

2 colheres de chá de suco de limão

2 colheres de chá de estragão picado.

1 colher de chá de salsa comum.

1 ½ colheres de mostarda granulada.

1 colher de chá de catchup

¾ de colher de chá de molho inglês (Worcestershire)

¾ de colher de chá de páprica doce.

¼ de colher de chá de pimenta calabresa

¾ de colher de chá de sal kosher

½ colher de açúcar

½ colher de chá de pimenta-do-reino moída

Casca ralada de 1 laranja

Casca ralada de 1 limão

3 sacudidas de molho de pimenta Tabasco

Ponha os ovos numa panelinha com água e leve a ferver em fogo médio. Ferva durante 4 minutos, escorra e transfira imediatamente para a água gelada para esfriar. Escorra.

Descasque os ovos e ponha numa tigela grande. Bata com o batedor de ovos. As gemas estarão ainda moles. Não se impressione se  empelotar. Junte os ingredientes restantes até que a mistura esteja grossa o bastante para cobrir  as costas de uma colher, mas mole o bastante para poder escorrer da tigela onde está. Transfira para um vidro e leve à geladeira por uma hora antes de servir. A rémoulade se mantém bem na geladeira durante uns 5 dias.

 Uvas em picles

Adoro frutas em picles. A combinação de salgado e azedo doma a doçura da fruta, juntando camadas de sabor sem tirar a identidade das uvas. Como uvas em picles com queijo maturado, como o Manchego ou mesmo Cheddars maduros.

São ótimos com embutidos. Ou tente servi-las com peras em fatias e romãs para uma salada aromática de frutas.  Dá 3 litros

3 1 ½ quilos de uvas sem semente, sem cabo, lavadas e secas.

1 pau de canela

2 xícaras de vinagre de champagne

1 xícara de água

2 xícaras de açúcar

1 colher de chá de sal

3 sachets de chá chai.

Corte cada uva ao meio e transfira para um vidro grande ou outro container qualquer.

Junte o pau de canela

Misture o vinagre, água, açúcar e sal numa panela grande e leve a ferver, mexendo para dissolver o açúcar e o sal. Despeje o líquido quente sobre as uvas. Junte os sachets de chá e tampe muito bem. Leve à geladeira. Retire os sachets depois de 2 dias. As uvas estarão prontas para comer em 4 dias e vão durar cerca de um mês.

Alho em picles de melado e de soja
Esse picles é bastante forte, mas, se você gosta de alho tudo bem .
Acompanha carne assada, salteada e frita.
Às vezes faço um purê do alho com o seu próprio suco e uso como recheio para wraps de
alface, rolinhos primavera, ou tofu frito.

4 cabeças de alho separadas, descascadas e lavadas

vinagre branco destilado para cobrir

2 xícaras de molho de soja

2 xícaras de água

3/4 de xícara de vinagre de arroz

1/2 xícara de açúcar

1/2 xícara de melado

1 pimenta jalapeño – pode ser substituída

Coloque o alho num vidro, junte o vinagre branco; o alho deve ficar totalmente coberto.
Tampe hermeticamente e leva à geladeira por 5 dias.
Escorra o alho, jogue fora o vinagre e lave com água fria.
Coloque o alho no vidro novamente.
Misture o molho de soja, a água, o vinagre de arroz, o açúcar, o melado e a
pimenta numa panela média e leve a ferver. Apague o fogo e deixe por 15 minutos.

Despeje a mistura  sobre o alho , tampe outra vez, leve à geladeira.

O alho estará pronto em 6 dias . Dura vários meses.

 

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Na mesa com Virginia Woolf

Por Folha
31/07/13 03:00

A mulher, muito bonita, se sentou à cabeceira da mesa, olhando se todos os pratos estavam nos seus lugares. Pediu ao casal de namorados que se acomodasse ao seu lado. Eles tinham aquele amor entre eles, ela só tinha aquela mesa comprida e arrumada, com os convidados prestes a jantar o seu famoso “boeuf en daube”.

Lá na cabeceira, o marido de cara enferrujada. O que seria desta vez, meu Deus? Pouco se lhe dava, de repente tudo pouco se lhe dava. Nas férias, eram sempre os mesmos convidados. Os amigos do marido, ou melhor, alunos dele com as cabeças cheias de filósofos e a pintora do quadro que nunca era terminado.

Aproveitou o serviço da sopa para aceitar nos ombros e na alma o cansaço de ter que manter a mesa alegre e unida. Sentiu mais uma vez a esterilidade dos homens, a dificuldade que tinham para juntar as pessoas, fazer com que uma refeição pulsasse com vida. Sempre era trabalho das mulheres.

O orientando caçula só faltava morrer de tédio. Tudo aquilo, o jantar, as pessoas sentadas falando de coisas que não o interessavam em nada! Adoraria estar no quarto, lendo. E o que adiantava aquela conversa tola, as relações humanas eram uma ficção, jamais se conheceriam profundamente.

A mulher pediu às crianças: “Acendam as velas.” Pronto, as velas acesas na mesa destacaram o arranjo de centro. Era uma simples tigela cheia de pêssegos de um vermelho-amarelo-rosa nunca visto. Não quisera mexer muito neles, só um toque e um galho de melindre bem tenro. Úmidos, como que houvessem absorvido um pouco daquele vapor de maresia que se estendia pela costa inteira.

A cozinheira entrou na sala trazendo um cheiro de azeitonas, azeite e molho. Levantou a tampa da panela de barro com a comida que levara três dias para fazer. E a mulher pensou que escolheria o melhor pedaço para o orientando, enquanto o sentia alheio a tudo. Olhou para as carnes, o louro, o vinho. Sentiu um calor no rosto, um desejo, haveria de fazer daquele ensopado uma celebração. O noivado do casal de sobrinhos. Haveria coisa mais forte para ser celebrada do que o amor de um homem por uma mulher?

“Está maravilhoso”, gemeu o orientando. “Com que diabos conseguem fazer um jantar como esse nos cafundós de uma praia deserta?”

Ela se sentiu acarinhada. “É uma receita da minha avó, receita francesa, é claro, só os franceses dão valor exato a uma carne bem feita, no ponto certo.”

“André”, disse ela ao filho, “levante o prato para eu não derrubar o caldo na toalha.” O “boeuf en daube” fora mesmo um sucesso. Todos repetiram, apaziguados.

O orientando mais velho perguntou a ela se queria um pêssego. “Ah, não, não quero” —na verdade, esperava que ninguém comesse um, para não destruir o momento captado sem querer. Toda vez que acertava um arranjo de mesa, baixava nela uma serenidade doce. Mas o jantar acabara. Espetou a ponta do guardanapo debaixo do prato. Ainda era preciso levar a vida em frente. Do seu lugar, observou os convidados se levantando, alguém apagando as velas. A configuração total das pessoas e do lugar mudara. O jantar já era o passado.

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Mistério molecular

Por Folha
24/07/13 03:00

Vou ter que confessar em alto e bom tom. Não sei fazer nada desta culinária moderna de bolinhas e vapores etc. e tal. E o nosso chef também não. Até fui a uma aula onde vendiam os gadgets, acho que o mal foi esse.

Utensílios, botões, tempos. Não tenho celular, matei o meu com sapatadas faz tempo. De manhã, tenho que fazer uma pequena prece para que a máquina de café funcione. À noite, a televisão se apaga subitamente e ninguém sabe me explicar por que nem qual dos controles usar para ligar de novo.

Nem pensar em gravar programas, pobre de mim, não sei responder às cartas do meu blog, fico no escuro porque não percebo que é hora de acender a luz, fogões complicados nem pensar.

Em matéria de culinária, o processador não é de todo amigável na hora de encaixar a tampa, e a mais nova das batedeiras nunca será tão minha amiga quanto uma antiga Sunbeam, perfeita.

Logo, a cozinha de Adrià ficou um mistério insondável para mim. Acredito que, se fosse em pequena escala, eu até teria aprendido alguma coisa, mas em bufê é tudo insuportavelmente grande. Uma pequena máquina não funciona para 500 pessoas, há que ter umas dez delas.

E vejo que a moda já vai se esvaindo pelos meus dedos, saindo de moda, entenderam, moda saindo de moda, e eu aqui, burra, vulnerável, nem uma azeitona falsa consegui fazer.

Nem me perguntem o porquê dessas barreiras, mas esse é um pedido de socorro. Alguém quer vir aqui nos ensinar antes que a cozinha técnica, molecular, tenha morrido de vez?

Não me conformo. Preciso comprar xantana, lecitina, aprender a fazer nuvens, bolhas, sifões, metilcelulose, alginato de sódio. Preciso aprender a fazer macarrão de manga crua, pérolas gelatinosas, fluidas, quero esferificar minha picanha, fazer caviar de abóbora, coelhos líquidos e leites acoelhados.

Quero suspender minhas partículas, comprimir, centrifugar, evaporar, hidratar, secar, transformar pudins em pedras.

Onde estão o methocelF50, o ágar elástico, os diglicérides, a pectina, a maltodextrina?

Tenho uns sites que percorro alucinada: Modernist Cooking Made Easy (www.modernistcookingmadeeasy.com) e manual dos hidrocoloides, para ajudar com os ingredientes (www.cookingissues.com/primers/hydrocolloids-primer).

Pode-se comprar um aplicativo para iPhone e iPad, assim como um para Android. Na loja de aplicativos, procure por ”molecular gastronomy”.

Leitores, não estou ironizando. Acho que cada movimento chega sempre muito novidadeiro e, quando se vai, deixa para trás alguma coisa sólida e boa.

Estou aqui, humilde, esperando as dicas, o nome de alguém que possa ensinar ao bufê o que houver de melhor nessas modernidades.

Não quero que os clientes nos surpreendam com colher de pau, farinha de mandioca e picadinho de ponta de faca. Até quero, mas tudo feito com xantana, em espumas de bolhas. E quando morrer, não quero choro nem vela e sim que me enterrem defumada e em “sous-vide”. Para o que der e vier.

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Uma tia-avó

Por Folha
17/07/13 03:00

Fico abismada de ver de quanta coisa não me lembro. Aliás, não me lembro de nada. De cada década, consigo no máximo as mesmas fotos imaginárias, daquelas pequenas, de ocasiões que me parecem que não fazem diferença nenhuma na biografia de uma pessoa.

Viagens, alegrias, sofrimentos, gentes, cada um como um álbum do Facebook, daqueles que se começa e não se acaba, com flashes fora de propósito e sem pose, além de tudo.

Por exemplo, as férias em que eu ia para uma cidade do interior de Minas, acho que nem cidade era, era uma rua, e passava por Belo Horizonte, onde tinha uma tia-avó. Vovó Naná, esse título que me obrigavam a dar a ela já era uma fofoca familiar para incomodar a verdadeira neta que morava no Rio e que a visitava pouco.

Não poderia repetir o rosto dela, sei que muito magra, vestido até o chão, fantasma em cinzentos, levemente muda, deslizando por corredores de portas muito altas.

Uma velha senhora preta desbotada, que fora escrava, fazia par com ela, muda também, com as pernas cheias de varizes e chinelos de lã xadrez. Engraçado que, talvez por ser muito pequena, me lembro mais do acabamento inferior das pessoas, pernas e pés, e não os

rostos que eu teria que quebrar o pescoço para observar.

O clima da casa era de passado embrulhado em papel de seda amarfanhado, e posto no canto para que não se atrevesse a voltar à tona. Nem um riso, um barulho de copos tinindo. Quem estava ali sabia que quanto menos se mexesse menor o perigo de sofrer. Afinal o mundo era um vale de lágrimas.

A casa dava para a rua, não tinha jardim, a não ser que você se aventurasse a subir uma escada de cimento, lateral, que te levava aos jardins suspensos da Babilônia.

Nem precisava ser sensível para sentir a secura, a geometria esturricada dos canteiros sob o céu de anil de Minas. Nada, nem uma flor, só coisas que espetavam e buxinhos com formatos rígidos e duras palmas e os urubus rodando alto, em cima, esperando… O quê? Segredos enterrados, medo, sentia eu destrambelhando escada abaixo.

Nem de comidas o inferno sem chamas era cheio. Na sala, uma cristaleira antiga com um cacho enorme de uvas enroladas em papel brilhante azul.

Para mim, pareciam uvas de chocolate, recheadas de bebida,  mas não tinha coragem de pedir, estavam lá ano após ano, intocadas. A avó, baixinho, permitia, “Quer, pode pegar”, com voz neutra, mas eu declinava, doida de desejo.

Das comidas comuns da casa, não me lembro de uma couvinha que fosse, não me lembro de empregadas, cozinheiras, sala de jantar, nada.

Mas havia passeios a uma tal de Baleira Suíça, lugar sagrado na cidade com uma quantidade enorme de balas de sabores diferentes, escolhidas devagar pelo comprador e colocadas em saquinhos.

Tinha uma de coco queimado com fiapos de coco que iam aparecendo à medida que eram chupadas com cuidado.

Enfim, Belo Horizonte para mim era uma terra triste, de mulheres desesperadas e mudas enterradas no tempo, chocolates sedutores e proibidos, balas boas, mas duras como pedras. Só valia como passagem para a roça brilhante de sol que me esperava.

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Rabanetes

Por Nina Horta
16/07/13 23:13

 

Ah, encontrei um nome para esses posts só de parágrafos de comida. Rabanetes.Como  uma entradinha.

# Por que esquecemos do rabanete? Era bem gostoso antes da comida, com a parte vermelha recortada em flor e um pouco de sal. Os americanos gostam com sal e manteiga, nunca experimentei mas deve ser bom.  Podemos servir em coquetéis com 3 tipos de sais diferentes, rosa, negro e o sal de todo dia. Quem sabe nos acostumamos de novo?

#As comidas que vão sendo mal feitas ou se dão muito certas quando processadas vão sendo apelidadas de brega e deixamos de comer. Acho que há uns 20 anos que não como uma lasanha feita em casa. A última foi feita por meu irmão e minha cunhada. Tudo feito na hora,  a massa inclusive. Demorou tanto que tenho medo que a delícia tenha vindo da fome.
Tenho a receita num daqueles livros antigos do TIME LIFE. Eles levaram a receita à risca me lembro muito bem.
Fui reler e vi que não tinha nada demais, só que muito capricho. Vamos fazer? Se quiserem escrevo a receita aqui.

#Há montes de livros novos na Amazon que só vão ser vendidos a  partir de setembro e outubro. Fico mineirissimamente desconfiada que ele colocam os livros em pre-venda, a gente paga adiantado e só aí eles vão imprimir. E um deles é do Atala. Vamos torcer para que saia um livrão bom e confiável.

#Tenho ido a um novo restaurante do bairro, para jantar. Ainda não vou dizer o nome. São dois rapagões bonitos, o restaurante é pequetitinho, mas fiquei de queixo caído com a comida. Simples, saborosíssima, aquele corre-corre dos chefs sem nem olhar para o lado.Tudo perfeito. Da última vez o chef estava mais acessível, já olhando a cara dos clientes, procurando ver se estávamos gostando. E acreditem que pela primeira vez não estava muito ok? A polenta um pouco salgada, a sobremesa não tão fresca como da primeira vez… Claro que vou voltar lá para ver como se desenvolve, mas é uma profissão dura. Você se distrai um segundo e a comida piora. Não dá nem para respirar, tem que provar tudo, jogar fora o que sobrou num dia, começar tudo de novo… O caminho da perfeição não é fácil.

#De vez em quando vocês não têm vontade de comer um cachorro quente? Nós aqui em casa temos. A salsicha tem que ser aquela que estoura depois de cozida, aquela mole não tem graça. E prefiro o meu só com mostarda. Dizem que atualmente, na Inglaterra todos os cachorros quentes têm recheio de batata frita. Será que é bom? Será?
Olhem que adoro batata frita, mas acho que prefiro ao lado do cachorro quente.

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Quase fui.

Por Nina Horta
10/07/13 21:06

Sem poder falar de comida, e sim de FLIP.
Não fui a Paraty, achei que estaria muito cheio, mas, pelo jeito, não estava.

Quando compramos um sítio em Paraty escolhemos um lugar sem praia, com poucos hotéis e
nos escondemos num morro a cavaleiro sobre a cidade. Pois não é que periga virar um lugar de
turismo desenfreado? Pouco tino, o nosso, mas aproveitamos muito enquanto foi possível.

Marina de Mello e Souza falou sobre esse problema. O excesso de eventos engolir a cultura de Paraty.
Assisti quase a FLIP inteira por Internet. No meu computador pegava muito mal, a cada frase era preciso
apertar 2 botões para que a voz aparecesse de novo, um terror, até que assistindo no IPAD vi que estava perfeito.
Dá para acreditar? Só comigo. Acredito que quem assiste em casa assiste melhor, e com maiores possibilidades de ver tudo pois não há deslocamentos para o hotel, para almoçar, tomar banho, passear de barco.

Não foi a melhor FLIP, mas por pior que tenha sido é sempre boa. Adoro ouvir gente falando sobre livros.
Agora com o ebook é só apertar o botão e o autor está à sua frente e o livro no seu colo. Engraçado que livros muito sem graça tem autores falantes e simpáticos, e livros muito bons tem autores da maior chocaria (chocaria na minha família quer dizer sem-graceza). Aquela Lydia Davis que escreve tão bem, jamais se viu uma chocaria tamanha. Nem que tivesse sido encomendada. Timidez? Sei lá. Não deveria aceitar falar em público, ora! Viajar tanto para ser tão chata!
Já tinha lido “The Collected Stories of Lydia Davis” E o português arquiteto? Eduardo Souto de Moura. Que coisa mais irritadiça, malcriado como ele só. Deve ser um homem interessante, mas fazia questão de mostrar somente o outro lado, o lado de lá. Bem malcriado e ranzinza, mesmo. Íntimo do Paula Mendes da Rocha, adora o Paulo e implica com o resto. Nelson Pereira dos Santos muito bem e muito bom. Plácido, feliz, risonho.

A musa iraniano-francesa,Lila Azam Zanganeh linda demais, doce, falando português muito bem, também é meio naive
ao falar. Comecei a ler o livro dela sobre o Nabokov, mas ainda estou em nado lento, talvez ela seja mais bonita que o livro.
Mas é material de FLIP. Muito interessante como mulher. Quando vejo uma pessoa tão equilibrada, linda, inteligente, falando 8 línguas imediatamente enxergo um pouco de loucura no olhar. Que horror! Deve ser pura e verde inveja.
O nome do livro é “The Enchanter: Nabokov and Happiness”. Quase um livro de auto ajuda, mas poético, doce, borboleteando cheia de felicidade pela vida do Nabokov. Para ler a autobiografia de Nabokov “Speak, Memory:
An Autobiography Revisited” .

Enfim, o que acho divertido nas mesas é quando a dupla escolhida conversa entre si, se descobre, responde ao mediador,
mas já de olho no vizinho, comparando sua obra, dando pitacos a respeito dela, etc. E o mediador, coitado, é sempre o mais difícil. O pior são os que leem as perguntas sem atinar com as respostas anteriores. Pergunta alguma coisa o cara responde que odeia doces. E ele fala ” ah,então vai adorar o quebra-queixo e a cocada e e o caldo de cana de Paraty.”
Tenha paciência!  TJ Clarke dissecando Guernica, como se tivesse o dia inteiro para isso, foi bem. No meio da FLIP 2013 enveredei para outra, fui parar no Terry Eagleaton, esse um cara de esquerda muito bom e engraçado que já andou por Paraty. Os debates sobre o movimento das ruas, oportuno, com gente muito bem preparada, e meu William Wack quase levando uma vaia, beware, não tentem expulsar o melhor ou o único comentarista político da TV, por favor. O que havemos de assistir, sem ele? Melhor desligar o aparelho de vez. Como leitura seria bom ler “Networks Of Outrage and Hope: Social Movements in the internet age” Manuel Castells Comprei Pulphead, Notes from the other side of America- de John Jeremiah Sullivan e é um novo jornalista. Adepto do New Journalism. Diz ele que não, os jornalistas nunca escreveram assim. .

Nesse livro passeia pela America numa imitação ou influência de David Foster Wallace “A Supposedly Fun Thing I´ll Never Do Again”, mas menos bom, mais suave, mais normal. E como se não bastasse estou fazendo um curso, grátis, muito interessante no coursera.com. O nome é “The Fiction of Relationships”, e já lemos um bocado de livros. Há vídeos de aulas, e os forums são excelentes, inacreditável a turma de gente do mundo todo que se atreve a conversar e mandar opiniões.
De quando em quando escrevo duas linhas se me dá muita vontade, mas séculos abaixo de toda a erudição da turma que faz o curso. Sem contar os livros de cozinha que tenho que ler para fazer os menus do buffet. Acho que vou ter um troço.
Os autores presentes na Flip tinham seus livros traduzidos e vendidos e autografados lá. Lembrem-se que o blog fala pouco de livros traduzidos, já tem muita gente falando, aqui é na base do original. Não estou esnobando, não, foi meu pai que me ensinou que nunca se deve ler um livro traduzido se é possível lê-lo no original. Nem sei se é um bom conselho, mas o blog é sobre comida, de preferência sobre livros de comida que não saíram aqui e dos quais eu possa dar um sumário se não foram traduzidos ainda.

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Literatura para cozinhar

Por Folha
10/07/13 03:30

Vivo dizendo aqui que para sermos bons cozinheiros precisamos ler não só livros de comida, mas romances, principalmente. Arranjei uma base científica para minha conversa mole. Adivinhem de onde vem? Do lugar mais inesperado, a neurociência!

Os estudos do cérebro mostram o que acontece nas nossas cabeças quando lemos uma descrição detalhada, uma metáfora evocativa, uma história. Nossos cérebros são estimulados e podem até mudar o nosso modo de agir.

Imaginem que palavras como “lavanda”, “canela” acionam respostas não só das partes processadoras de ideias, mas das partes que lidam com cheiros. “Perfume” e “café” fazem brilhar uma parte. Já “chave” e “cadeira” deixam aquela mesma parte escura.

Adivinhem se não é por isso que nós, cozinheiros, que sabemos das coisas por intuição, nomeamos um canapé simples de “trouxinha de papoula recheada de queijo de cabra da serra com cerefólio colhido no orvalho da madrugada na horta das ervas finas”. Achei mais ético escrever “trouxinha com queijo”, para não manipular o cérebro dos clientes, mas não deu ibope.

“Papoula”, com esses dois “pês” estalando, a ilusão de um vício, a profundidade do “u”, a subida do “la”, ah, “papoula” é imbatível. É claro que minha explicação é tosca, não entendo nada de neurociência, estou só passando adiante o que dizem os cientistas.

Até entendi por que esses livros “pornô soft” fazem sucesso. As mulheres sempre entram em carros com cheiro de couro novo, deslizam por sofás aveludados e roupa de cama acetinada. “Cinquenta tons de cinza”, cada um bombardeando o nosso cérebro a 200 por hora.

Tudo leva a crer que o cérebro não distingue entre a leitura de uma experiência e da experiência em si, na vida real -em ambas, as mesmas regiões neurológicas são estimuladas.

A leitura provoca uma simulação vívida da realidade. O que leva a crer que a leitura de ficção, com seus detalhes, descrição de pessoas e suas ações, nos oferece uma réplica rica da experiência verdadeira.

Olhem só, já é uma pequena explicação, talvez (não quero me meter em assuntos que não conheço), para a nossa mania atual de assistir a programas de comida na TV.

O cérebro nos engana, e pensamos que estamos cozinhando. “Não foi você que fez esse nhoque, seu ignorante, foi o Jamie Oliver!” Mas o marido sai de frente da TV feliz da vida com a mão que deu no jantar.

A literatura reconstrói nosso lugar no mundo, nos desenha, é um espelho para que nos vejamos melhor. E não são só as coisas que acontecem, os fatos, a informação exagerada a que estamos submetidos que nos formam.

A leitura de um bom romance é uma viagem visceral, é uma experiência, é um jeito de ter novos olhos e ouvidos. Somos capazes de captar por meio da literatura forças e energias que nos sacodem, de verdade. Ler boa literatura, conviver com a arte nos faz crescer como seres humanos. A ciência do cérebro mostra que isso é mais verdade do que se imaginava.

Você foi à Flip, cozinheiro?? Pois sua feijoada de hoje em diante vai sair muito mais gostosa.

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Línguas

Por Folha
03/07/13 01:39

Estava lendo um livro sobre traduções, a quase impossibilidade delas, quando me dei conta do problema idêntico na tradução e na transposição de receitas culinárias de um lugar para outro. Acabei de fazer um curso na internet e havia um capítulo sobre “Madame Bovary”. E, é claro, os americanos liam em inglês. Cada frase me deixava estuporada, tinha que ir correndo ao original par ver se estava errada. E era igualzinha, só que não.

No livro “Frutas”, da inglesa Jane Grigson, ela ensina como descascar uma manga. Nem marcianos descascariam uma manga assim, me dei conta, de novo, que ingredientes que não temos num país são enigmas para nós, de alguma maneira. Alguém vê uma jaboticaba pela primeira vez. O que lhe ocorre? Dá para comer, o que se come? É para descascar? Engole-se o caroço? Já dá para comer verde ou tem que esperar ficar preta? Quando está mole, está boa?

E o kiwi? Descasca-se, corta-se ao meio no sentido da largura ou do comprimento? É de chupar, comer em rodelas, ou comer de colherinha dentro da casca? Perceberam? Vi goiabas na Fauchon que seriam jogadas fora por uma criança de três anos de idade e o cheiro permeava a loja, cheiro de trópico podre, decadente.

Não temos que ser só bilíngues para traduzir uma receita, mas biculturais, “possuidores de todo o complexo de emoções, associações e ideias que relacionam a língua de uma nação à sua vida e tradição”. Diz o livro que leio, sobre traduções. Claro. Fauchon pode dar o nome científico da goiaba, de onde veio, em qual mês estaria pronta para ser comida, sua origem, mas ela continua impermeável para os franceses.

E nós, ao lermos uma receita de ruibarbo, se tivermos o bichinho à mão, podemos fazê-lo, mas sem saber ao certo se é para o almoço, para o lanche e com o quê combina bem.

Ao lermos, no entanto, a palavra goiaba, o que vem à nossa cabeça?

Cozidas à Pedro Nava “têm a polpa quente e corada como o dentro dos beiços, o embaixo da língua e o fundo das bochechas”. Em compota são como “orelhas em calda”.

Na sua estrutura, é uma árvore criada para criança subir. O tronco liso e tortuoso, esgalhado, abrindo espaços, de um marrom muito claro. É só passar a unha e o verde claríssimo aparece, contrastando com as formigas passeadeiras.

As flores das goiabas nascem nos sovacos dos ramos novos e são brancas, perfumadas. A goiabinha se forma em verde escuro, vai clareando até ficar “de vez” com um gosto adstringente que é a hora da verdade da goiaba.

Dali, descamba para o fruto marchetado de pintas duras e pretas como pregos ou são bicadas por passarinhos, ou se esborracham no chão com um cheiro forte e almiscarado, exagerado, penetrante, ruim para sermos mais precisos.

A goiaba é nossa, a “guava” não é deles. Eles nem desconfiam do bicho da goiaba. Nem sabem que para comer uma goiaba boa há que se morar perto do pé, e nós não sabemos que uma maçã de beira de estrada pode ensopar nossa blusa de um caldo doce-azedo, o que explica ser ela a fruta do bem e do mal.

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