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Nina Horta

Perfil Nina Horta é empresária, escritora e colunista de gastronomia da Folha

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Garçons, uma categoria.

Por Nina Horta
19/10/13 19:10

 

Eu me lembro tão bem de uma cliente logo no começo do buffet que pedia garçons bonitos, com roupa de Mao, sapatos de bico quadrado, olhos azuis ou verdes, de preferência, e um brinquinho numa das orelhas. Nós a olhávamos com a boca salivando pois era o que queríamos também.

No dia da festa dela havia garçons de todos os jeitos , com barriga, sem barriga, bigodão, jovens, bonitos, carecas, um exército de Brancaleone, todos de brinquinho, que era o mais fácil, só ir até a farmácia e furar a orelha.  Ela só suspirava fundo, sem reclamar, pois sabia que a profissão não primava por galãs pois era pesada, estafante. O cara podia até chegar galã e em pouco tempo já se ia transformando num trabalhador cansado.

Em muitos lugares do mundo o emprego de garçon é uma passagem pela vida de alguém que quer estudar e aproveita o dinheiro das gorjetas para pagar a escola e tem comida grátis. Aqui a carreira costuma ser longa. Uma vida.

Antes de abrir o buffet imaginava que os piores problemas seriam com eles. Tivemos alguns problemas passageiros, como é inevitável, mas no geral eram pessoas confiáveis, honestas, muito conservadoras  e cumpridoras de horários.

Chegam nas festas umas 4 horas antes, arrumam o bar, esterilizam a louça e começam a conversar. Quem disse que conversa mole é privilégio das mulheres? São capazes de passar horas e horas num bate papo nheco –nheco enquanto as copeiras fazem canapés e conversam também. Sobre a igreja, sobre a mulher do pastor, a filha do pastor, a casa, a novela.

Imagino que o serviço renderia muito mais se todos trabalhassem quietos, ensimesmados.  Mas, numa festa, de repente, tudo se transforma. Começou! Os garçons com a bebida e as copeiras com a comida.  Trabalham mesmo, com garra, levando a sério, simpáticos e educados dentro da pressão do serviço.

O que é difícil de resolver é um número grande deles com o mesmo uniforme, sapatos, camisas. E é problema de difícil solução. Você pode ter os uniformes, mas a população de garçons muda, pois são chamados daqui e dali, e sempre o defunto era maior ou menor. Exigir deles que se mantenham rigorosamente uniformizados? Setenta deles iguaizinhos? É o que todos querem, mas a vida anda cara e só os sapatos que a primeira cliente gostaria de ver neles custam um mês de seu trabalho.  Resolvem cortando o cabelo a Neymar, imaginando que isso lhes dará um ar cool, mas pelo contrário, aquele cabelinho assusta.

É uma boa classe, gosto deles, não dão trabalho, lutam pela vida, e se quisermos uniformes perfeitos, que é o único defeito, teremos que cobrar muito mais dos clientes para poder vesti-los como merecem honrando a profissão.

Seria ótimo poder treiná-los, fornecer as roupas e tudo o mais. Impossível financeiramente. Uma vez numa festa de 1000 pessoas mandamos fazer os dólmãs no mesmo lugar. Não sei o que aconteceu. Eram todos iguais mas batiam quase no joelho dos garçons, uma tristeza total. Há os muito vaidosos e sabedores de que o gasto com um uniforme sempre novo e bem tratado vai mudar a vida deles. Serão chamados para todas as festas, terão o emprego que quiserem a hora que quiserem.

O caso das copeiras é diferente. Elas poderiam ter uniformes lindos e tratariam deles com muita eficiência. Mas, mesmo as mais magras e bonitas jamais caberiam num uniforme japonês, bem cortado, simplérrimo e chique. Nosso problemas são os bumbuns, marca da mulher brasileira. E os peitos. Parece que vamos ter que navegar muito tempo ainda com os vestidinhos pretos. Dos quais gosto. Adoraria que todas estivessem lindas de macacão azul claro. Só que não ficam lindas, só aquelas que o Diabo fez sem bundas.

Houve uma época que investimos nos Bacanas, muita gente investiu em rapazes sem experiência mas de ótima aparência com uniformes nossos. Quem disse que aguentaram o pique? Tínhamos que chamar um velho barrigudo para cada dois meninos bonitos. Os meninos desfilavam e o barrigudo trabalhava. Me lembro muito bem dessa fase, numa festa da Editora Abril encontrei o presidente segurando a bandeja do bonitão enquanto ele amarrava o sapato. Justamente para quem pediu auxílio no seu momento difícil!

Antigamente, e parece que agora, de novo, os buffets estão sofrendo processos, pois o garçon que serve a todos os buffets de São Paulo resolve dizer que trabalha num só, e faz exigências absurdas. A Justiça tem sido justa conosco, nunca perdemos uma causa mentirosa.

Outra época com a qual eu não concordava era a dos garçons temáticos. Festa de índio, garçom índio fantasiado de índio, festa peruana, garçon de poncho. Nunca deixamos. Um distintivo na lapela, carregar uma caixa de baleiro, mas nada que mude a identidade do funcionário que acaba perdendo o amor pelo uniforme.

Não tenho uma resposta, mas acho que aqui no Brasil estamos demorando muito para perder a formalidade das festas. Esta mudança virá ou não conforme a economia se comportar.  

Clientes muito ricos permitirão garçons nos trinques. Os não tão ricos vão ter que apelar para a menos gente servindo, um tipo de self service, que aliás acho bonito e confortável. Adoro eu própria pegar minha bebida, colocar o gelo que quero, a quantidade de uísque que estou com vontade, e até em matéria de comida, me implico muito com aquelas copeiras rígidas servindo as pessoas. Podem ficar lá, para qualquer eventualidade, mas as pessoas deveria se servir À VONTADE. Aquele camarãozinho regulado pode me matar numa festa. Ou tem fartura ou não se faz aquilo que está regulado. E o convidado tem que ter uma pequena margem de liberdade na festa. Está armada a mesa de doces e ele quer um antes do jantar? Podia ser mais disciplinado e esperar e não ter que enfrentar a víbora que o descasca com olhar. Não. O cliente quer, o cliente tem e com um belo sorriso no rosto. Era só o que faltava, num casamento suntuoso com regras de não põe a mão aqui, não pegue mais que três vieiras e meia colher de caviar. Nan,nan,nan. Melhor comer uma bela macarronada bem feita do que um caviar controlado, acho eu.

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Mercados e mercadinhos

Por Folha
16/10/13 03:00

Acho que todos na vida já passaram por mudanças de casa, de bairro, de cidade, de país. E com as viravoltas que a vida dá temos de nos acostumar a comprar comida em lugares diferentes. Pouco mudei de casa. Mas, com dois anos de casada, fui para o Rio de Janeiro e tive que deixar, nos anos 60, as ricas feiras de São Paulo pelas feirinhas do Rio. E vocês não podem imaginar a diferença. O Rio de Janeiro custou muito a ter comida para vender, comida fresca, verduras, frutas, era um inferno. (Hoje tem até o Marcos Palmeira com sua fazenda orgânica!)

A feirinha, ali, junto da Aires Saldanha era até divertida. Eu, acostumada, andava  puxando o carrinho de feira e tinha que fazer a mesma compra três vezes, pois os moleques esvaziavam o carro quantas vezes eu o enchesse.

Mas tinha coisas divertidas, uma quantidade de frutas-do-conde, de pinhas, pequenininhas e estourando de doces. E sempre um gringo na esquina, já meio bebum, comendo caqui duro e cortando pedaços com uma faca e oferecendo aos que passavam. Um camarão lixo (sete-barbas) que se comprava de balaiada, terrível de descascar, o ideal era fritá-lo com casca e tudo, e não tinha coisa melhor.

Vi no YouTube a poetisa Sylvia Plath falando sobre a Inglaterra. Ela dizia, entre outras coisas, que havia adorado a ideia de morar no campo e ao mesmo tempo a uma hora de Londres, e o que a fascinava totalmente era o açougue.

Acostumada com corredores brilhantes, músicas de elevador, peitos de frango anódinos embrulhados em plástico, não acreditou quando foi comprar umas costeletas de porco. O quê? Com a sensibilidade exagerada dela, até se desequilibrou. Um porco inteiro enorme, dependurado, meio porco, um terço de porco, sangue, faca, e o açougueiro lá, pronto a ir intuitivamente para o exato lugar onde estava a costela que ela queria! Que gênio!

Aos poucos, foi se acostumando até ela própria saber onde estaria a parte que queria fazer naquele dia. Cozinhava bem a poetisa.

Em Paraty não são muito de mercados nem de mercadinhos. Em compensação, o peixe que se pode levar quando se encontra um barco cercado de gaivotas é inacreditável. Faz-se um nó na ponta da canga, que se transforma numa sacola, e o fundo de rede cheio de criaturas  esquisitas e camarões pequenos vira um caldo ou um pirão inigualável de bom.

E aquele lugar que não tem nada, fim do mundo no Brasil, vendinha ressecada, farinha e feijão, saquinhos de plástico com salgadinhos, biscoitos recheados e aquele picolé feito lá, embrulhado lá, cor de framboesa, que você vai chupando, chupando a cor e ele se torna branco e a boca vermelha, aquele, confessem, é o sorvete mais refrescante que existe.

Em Manaus passa uma charrete de madrugada com cheiros-verdes orvalhados. Às seis da manhã já murcharam.

E tem outra historia da Sylvia Plath, a mesma que se encantou com os porcos e com a singularidade dos ingleses. Hospedou-se numa casa, observou tudo e, na hora de dormir, a dona da casa ofereceu bolsas de água quente ou gatos, pois não tinha nem bolsas nem gatos suficientes para todos. A poetisa escolheu o gato.

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Será que dói ?

Por Nina Horta
11/10/13 23:33

No último artigo da Folha comentei que o autor David Wallace Foster não escrevera sobre

comida e um amigo me chamou a atenção que no seu livro “Consider The Lobster: Essays

And Arguments” havia um ensaio que dava nome ao livro, justamente esse sobre o festival da

lagosta do Maine. (É uma reportagem escrita para a revista Gourmet em 2003)

Acontece que o autor tem seus textos de ficção e os de reportagem, e a lagosta foi uma

reportagem, feita, como sempre, com obsessivo cuidado mas também com um humor

certeiro. E ele não considerava a não ficção uma arte, mas uma escrita que o ajudava a

sobreviver , que o descansava da literatura, mas o impedia de escrever seus romances, ao

mesmo tempo. Ou um ou outro.

Começa por procurar no dicionário o que é uma lagosta, coisa que podemos fazer sozinhos.

As lagostas são gostosas, confirma ele, pelo menos é o que achamos agora, pois nos 1800 era

comida de pobre. Até em prisões americanas não era permitido dar lagosta aos prisioneiros

mais do que uma vez por semana pois era considerado cruel, como se estivessem alimentando

os criminosos com ratos.

Vejam o perigo das modas!

E como em todas as feiras ou festivais vocês podem imaginar as filas, o calor, os cheiros,

as pessoas gritando e mastigando ao mesmo tempo, nada de muito elegante ou fino. Um detalhe

importante, avisa DWF é que a lagosta deve estar viva quando colocada na panela para

cozinhar. Um detalhe importante.

E no festival, então, são despejadas dos próprios barcos pescadores indo direto para as tendas-
restaurantes.

É aqui que aparece uma pequena preocupação no repórter que pergunta a todos os leitores

se não se importam de cozinhar uma lagosta viva só porque ela sabe bem ao nosso paladar.

E comenta que o motorista que o levou até lá, homem de uns setenta anos, diz que já foi a um

dos festivais e que eram filas enormes de gente para comer as lagostas, com rapazes e moças

passeando pelas filas e entregando panfletos que dizem que as lagostas morrem com dores

horríveis e que não se deve comê-las. Eram os ativistas da PETA. O motorista diz que apesar

de fazerem muito barulho, que o pessoal do Maine já não se importa com eles. Eles reclamam,

as pessoas do festival comem as lagostas e convivem bem, assim.
DWF que é um erudito acha que esse é um problema muito complexo e ainda não resolvido.

E que além de ser um problema complexo também nos incomoda muito. Ele próprio, o que

faz é não pensar no problema. E acha que os leitores da Gourmet vão odiar ler sobre dores ou

não dores das lagostas, pois eles querem mesmo é comê-las. E que as revistas de culinária não

estão aí para discutir a moralidade de cozinhar lagostas em água pelando…

Ele acha que como as lagostas são menores, causam mais impressão quando são mortas em

casa. Ali, no festival, com aquela multidão esfomeada ninguém presta muita atenção. Ele

imagina que num festival de churrasco seria problemático se os animais chegassem vivos

e fossem mortos ali, no lugar da feira, em frente a todos que esperam pelas costeletas e

cupins.

Depois de muitos estudos DWF chegou à conclusão que é possível, apesar de tantos

depoimentos contrários, que as lagostas sofram mais ainda do que imaginamos . Ou que as

lagostas sintam dor, neurologicamente, mas um jeito de sentir dor diferente dos mamíferos,

e que não se importam com a dor, pois há uma diferença entre (1) – dor como um fato

puramente neurológico e (2) sofrimento verdadeiro, que parece envolver um componente

emocional, uma consciência da dor, como sendo desagradável, como alguma coisa a se temer,

detestar, querer se livrar de.

Agora, ele DWF acha que pelo comportamento da lagosta ela não gosta de ficar na panela

e tenta sair, fazendo um barulhão, escalando as bordas da panela, o que demonstra uma

escolha, uma preferência. E há muitas outras provas de que as lagostas preferem umas

coisas a outras, gostam de viver no fundo da água, não gostam de sol, não gostam de ser

amontoadas em tanques, etc e tal.

E ele, o repórter começa a se chatear um pouco com essas reflexões. Será que no futuro

aquele festival será visto como um circo romano ou uma festa de tortura medieval? Será isso

um exagero? Será que verão uma feira tão prosaica de comemoração da comilança da lagosta

do mesmo modo que vemos agora as festas de Nero ou experiências de Mengele? Não, a

primeira vista essa reação é extrema e histérica. Na verdade ele acredita que os animais não

são tão importantes moralmente quanto os seres humanos.

E por que ele acha isso?

Porque tem um interesse óbvio nessa crença, pois gosta de comer os animais e quer continuar

comendo. Porque não conseguiu desenvolver uma teoria ética pessoal na qual a crença dele

seja defensável de verdade e não egoisticamente conveniente.

E ele não quer parecer um pastor raivoso. Ele simplesmente se sente confuso.

E pede aos leitores que respondam. Vocês pensam muito sobre o sofrimento dos animais que

comem? Como gastrônomos, que comem por prazer, qual a desculpa que dão para isso? A

explicação? Ou nós nos esquecemos de pensar nesse assunto por egoísmo?

Está realmente curioso. Ser gastrônomo não é ser muito sensível, atento, preocupado, com o

que se come? Não é isso que caracteriza um verdadeiro gourmet?

Apesar dele fazer as perguntas, muito sinceramente, acha que elas envolvem muitas

outras questões abstratas entre moralidade e ética e as perguntas levam direto a águas tão

traiçoeiras e perigosas que é melhor parar a discussão já. “Há limites para as perguntas que

mesmo as pessoas muito interessadas podem fazer umas às outras.”

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Bastidores de um Casamento

Por Nina Horta
11/10/13 00:46

 













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Um novo livro, uma nova ideia

Por Folha
09/10/13 03:02

Ah, o ser humano é um fofoqueiro. (Quase todos.) Me expliquem por que compramos livros sérios, de estudo, de trabalho, e lemos primeiro a biografia da Lily Safra?

E está acontecendo uma coisa desagradável comigo —será que com vocês também? Já confessei minhas compras compulsivas de e-books. Também, não compro mais nada —nem caixas de fósforos. Então, sem enxergar, meio desvairada, clico o livro que foi mencionado naquele instante na TV e ele cai no meu colo.

Não seria tão grave, se eu não me considerasse imediatamente dona daquela sabedoria. Por exemplo: estão acontecendo as passeatas de rua. O sociólogo Dória diz que uma boa leitura sobre o assunto é Manuel Castells. Clique. Já nos achamos entendidos no assunto só com o clique. Entenderam? O simples “ter” o livro já nos deixa prenhe de conhecimento.

Há pouco tempo, uns dois anos, descobri um americano, David Foster Wallace. (Já morreu.) Eu andava procurando por sobremesas, com certeza, fiz uma parada para ler uma entrevista dele sobre TV e me amarrei. As entrevistas são sempre ótimas. Por escrito.

DFW usava uma bandana na testa para segurar o suor que escorria quando ele falava em público.

Ah, que pena, nos livros que li não fala em comida. Ler as coisas que ele escreveu sobre tênis ou sobre a espera de uma encomenda de marijuana deixa o leitor esvaziado, remexido —no caso da “marijuana”, até deprimido. Mexe com emoções profundas. Já pensaram como ele escreve bem? Imagine que deleite seria vê-lo falando de comida. (Quando Nabokov descreve uma partida de tênis da sua ninfeta, também dá um banho de competência. Tênis, afinal, não deve ser tão sem graça.)

Logo teremos seu livro principal, “Infinite Jest”, publicado pela Companhia das Letras, o “Infinda Graça”. Pelo achado do título, a tradução vai ser boa.

Bom, tudo isso para falar nos livros de cozinha, e lembrando sempre que cozinheiro que só lê sobre cozinha vai ser pior do que qualquer outro que seja mais curioso. (Falo muito isso, mas não sei de verdade se é verdade.)

Mas, se tivermos uma boa antologia e alguns clássicos, podemos nos virar a vida inteira; não há tempo para executar todas as receitas do mundo. Quando, de repente, aparece um livro, fotos maravilhosas, nova concepção na arte de cozinhar, lá vai o cozinheiro atrás. Não é um bom vício. O livro de cozinha deve ser somente para consulta. Acho que de cada compra de livro pode sair, mas nem sempre sai, uma nova ideia.

Ideia que, se for muito nova, ninguém aceitará, e olharemos o cozinheiro inventor com olhos vítreos, como: “Gelatina na moda outra vez? Carne com peixe? Picles de uva muito doce? Raviolini com couve frita em vez de parmesão?”.

O criador e aventureiro a certa altura desiste de mostrar o que somente ele está vendo. Dez anos depois, começam a farejar aquilo de dez anos antes, e só queremos saber de gelatinas e de conservas de uvas muito doces. Aquele que viu desde a primeira vez já enjoou totalmente e está noutra parada, fazendo um ovo frito na cachaça do qual ninguém quer saber. Ovo frito na cachaça? Olhar vítreo. É assim a vida.

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A vida no Palácio dos Elíseos (2)

Por Nina Horta
08/10/13 13:17

 

Tradução livre e editada.

“Chegar de manhãzinha aos Elíseos para começar um dia de trabalho nunca foi para mim uma banalidade. Passar sob os arcos da entrada sob o olhar desconfiado dos guardas – que logo deixaram de ser desconhecidos uniformizados para mim – , me dava, desde o começo  a sensação de uma segurança amável.

A pequena cozinha onde eu trabalhava, fica no subsolo da ala esquerda do Palácio, do lado oposto à cozinha mais importante. Instalada num bom e grande espaço, sob a escada de serviço dos apartamentos particulares, em volta de um magnífico  fogão , que data provavelmente do começo do século a imaginar pelo funcionamento fraco de seus fornos.  Ao lado um soberbo forno ultra moderno a vapor, um pequeno forno elétrico profissional, uma enorme geladeira, e uma mesa comprida de inox são as peças principais do lugar.

Um cozinheiro está lá há dois ou três anos. Nunca me disseram se vou substituí-lo  ou se devo colaborar com ele.  Tenho com auxiliar um menino brilhante, filho de um grande pâtissier que executa muito bem tudo que lhe peço.

Para chegar à cozinha….. tenho que passar pelos corredores dos salões. Calmos e desertos, cheios de flores frescas a cada dia, abertos para jardins cheios de paz……………

Para minha primeira experiência  na cozinha, eu estava um pouco intimidada e nervosa.  O maître d´hotel pede que o Serviço Particular me anuncie que nesta manhã será minha vez, devo fazer minhas provas.  Tenho duas horas para as provas. ……….

Não sei muita coisa desse lugar tão hierarquizado.  Ainda não tenho a liberdade de fazer as compras.. Sei, porque alguém me disse, que a minha presença foi decidida pelo Presidente, o que é uma surpresa  para todos……….

Na geladeira, encontro um salmão, um repolho, meu pote de gordura de ganso que me segue por onde vou e um pedaço de presunto cru.

Farei um repolho verde recheado de salmão, talvez de panela… talvez com pequenos torresmos… O preparo é feito sem dificuldade, até o momento de enrolar o repolho num pano fino.  Surpresa, não existe um pano fino nas cozinhas.  (Vai até a casa dela correndo e pega um paninho antigo, com iniciais, bordado pela avó.)

Bem, o presidente amou!  Aprenderei depressa a interpretar os silêncios ou os pequenos comentários que me serão fielmente transmitidos. Percebo que o pessoal é muito profissional e que conhecem bem o presidente.

Sempre me perguntam como é que fui parar na cozinha do presidente. Olha, de verdade, nem sei, mas a única certeza é que não cheguei lá sozinha, foi preciso que minhas mães me levassem até lá

Uns quinze dias depois de minha chegada, encontro a porta de serviço fechada….. Abro a primeira porta que vejo e caio em cima… do Presidente François Mitterrand!

Muito envergonhada, pois não estou no meu lugar, me apresento, “Bom dia, senhor Presidente, sou a cozinheira nova.

Ele me dá as boas vindas……….

O presidente quer me ver  dois dias mais tarde.  Numa biblioteca, acolhedora, uma grande lareira …

Eu havia feito naquele dia um coelho  e só soube depois que não é um de seus pratos preferidos. Mas ele conversa sobre a terra de Périgord….. Digo do meu prazer de estar lá, peço ordens e ele me dá carta branca. Conversamos sobre omeletes. Uma coisa mais ou menos assim

_Se você fizer para mim a comida de minha avó, vou ficar satisfeito

-Vai ser difícil, Presidente. Ninguém consegue cozinhar com uma avó querida. Vou tentar

(No dia seguinte perguntam a ela como pôde conversar 50 minutos com o presidente quando certos chefes de Estado não conseguem mais de dez minutos e ela responde que ele acha as cozinheiras mais importantes do que os chefes de Estado.)

 

“Sei exatamente o que o presidente quer. Não é absolutamente um exercício de estilo e técnica. Estou naquele lugar para mostrar o que há de melhor na vida rural francesa. Sempre fui feroz defensora dos produtos franceses. Depois de encontrar um ingrediente perfeito, faço o melhor que sei e não  é raro que o presidente queira saber quem foi o fornecedor e o agradece pessoalmente.  Nos Elíseos me convenci que o ingrediente perfeito passa pelas relações humanas. …

A elaboração do cardápio é geralmente minha. Mas de vez em quando o telefone toca. _” Bom dia, Madame, aqui é François Mitterrand, Tenho seis convidados , amigos, amanhã par a o almoço. O que a senhora tem a propor? ”

Na hora as ideias somem, o que fazer para deixar todo mundo de bom humor?  Quase sempre acerto. Gosto de desafios.”

E quem quiser saber mais que compre o livro.

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A simples cozinheira do Palácio (1)

Por Nina Horta
08/10/13 12:13

 

Não vi o filme, mas gostaria de ter visto. Chama-se os” Sabores do Palácio” e conta a história de uma cozinheira que um dia passou pelo palácio presidencial francês e não se rendeu às glórias do poder. Tinha uma filosofia própria que a fez deixar as pompas e a midia. O que dizem do filme é que é minimalista, trata do cotidiano e que a cozinheira só prepara comidas regionais  da Dordogne. O nome real dela é  Daniele Mazet –Delpeuch.

   E foi ela própria que ensinou à atriz que a interpretou como se fazem as compras, como se conversa com os feirantes, o jeito de pechinchar, ou de apreciar o produto, o modo de pagar, o jeito de receber o troco, e todo o gestual de uma cozinheira bem preparada.  

Pois, sem ver o filme, sabendo que a cozinheira fora nomeada Hortense, de repente encontro nos meus próprios livros a livrinho dela “Carnets de Cuisine” Du Périgord à l´Elysée.

Vamos ver do que se trata.  Pensei que encontraria lá dentro uma pouco da história  da nossa cozinheira. É ela que conta  como foi parar dentro de  um filme. Tudo começou em 2008. Havia voltado da Antártica (!) há algum tempo, e se dedicou  a realizar um sonho que tinha. Reconstruir as truffières do avô que haviam acabado nos meados do século XX.  E na Nova Zelância. Por que a Nova Zelândia?  Para que os netos pudessem  sonhar melhor com um pé no novo Mundo e outro no Velho.  E como as estações são diferentes teria trufas o ano inteiro. Animada com seu projeto pede a um amigo que junte pessoas interessantes e interessadas em comida para que ela possa conversar sobre seu sonho, em Paris.

O grupo se faz, ela cozinha um grande jantar e no meio dos convidados vai estar o homem que a convencerá a fazer o filme, com muita e muita dificuldade. Mas estamos tratando do livro.

 O livro dela, na verdade, começa com o casamento do filho, no outono de 1994. E vemos a diferença de um casamento no campo francês e de uma de nossas festas urbanas e sem a mão da família. Seu filho vai se casar com uma boliviana. Espera-se a família da América do Sul e de todos os lugares da França. O menu já está organizado. Mariscos, magret de pato com ameixas, folhado de tomate com pesto, escargots com nozes, brochetes de galinha com gergelim

Sopa de abóbora, foie gras, papas a la huaincana

Cordeiro de 7 horas

Torta de batatas

Macarrão a Janete

Pamonhas ao forno

E depois  7 sobremesas

A família inteira é que traz as comidas, uma com um saco de mariscos, outra com dois mil escargots. O restante é lá do Périgord mesmo, a não ser os temperos dos pratos bolivianos que a sogra do filho virá supervisionar. E a festa acontece como todas as festas familiares. Comida excepcional, bebida, dança, alegria, trabalho, uma anarquia feliz. Daniele que nunca fizera uma génoise se resolve por uma receia que achou poética. “Para saber se o bolo está assado no ponto coloca-se a palma da mão sobre ele que deverá fazer um barulho de um passo sobre a neve mole.”

Segue-se então a receita da génoise. E assim é o livro inteiro. Uma história e a sua receita.

E as histórias são boas e as receitas também, cheias de amor pela terra, pelos bichos, pelas frutas e um grande entusiasmo de boa cozinheira.

Acontece o de sempre. Temos que ter os ingredientes, estarão os substitutos à altura? Dá uma certa frustração e uma vontade de voltar às nossas raízes e trabalhá-las tão bem quanto ela trabalha a comida francesa. Esquecer das trufas, empenhar-se no pequi, melhorar nossos vitelos e cabritos, coisas assim que nos deem orgulho e prazer de nossas comidas, sem frustrações.

Claro que não sou contra a globalização da cozinha, adoro uma novidade, mas quando se torna difícil, sempre acho melhor prestar atenção no que temos para elaborar melhor o que já está no nosso quintal.

Muitas vezes falam que os franceses não estão mantendo seu lugar na cozinha mundial. Não sei, não, estão é lá quietos, com a cozinha que gostam, debruçados sobre suas raízes e talvez não lhes faça muita diferença estarem nos primeiros lugares dos grandes chefs. Suas receitas ainda cheiram à sua terra, foram inventadas por eles, são feitas nos seus fogões cheios de lembranças de infância. O mundo está cheio de chefs franceses repetindo e muitas vezes melhorando suas receitas primitivas, o que mais se pode querer? Qualquer dia a moda volta e bate na porta deles.

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O cheiro da palmeirinha

Por Folha
02/10/13 03:00

Se faltar assunto é só começar a se lembrar de cheiros. Todos os leitores se transformam imediatamente em Prousts, espirrando memórias profundas que dariam volumes. E tem um cheiro, do qual escrevi na semana passada, que não deixa pedra sobre pedra. É o das cicas da orla de Santos, as tais que lembram besouros esmagados.

Até o Ucho Carvalho não aguentou, “volta e meia escuto relatos apaixonados pelo perfume das cicas e me sinto feliz, vingado e compreendido, pelas tantas vezes que apelo a ele, quando falo da minha infância. Faço dele trampolim para voar na minha memória caiçara, mas quase sempre a plateia passa longe de entender o quanto cabe nesse cheiro acre.”

“A cica, a tal palmeirinha de sagu foi muito apreciada no paisagismo brasileiro do início do século 19 e assim virou sinônimo de exotismo daquele francesismo caipira que nossos avós cultivavam nos seus jardins. Mas, para mim, o vigor da lembrança do seu perfume, vem dos jardins da praia de Santos, onde nasci e fui criado. Palmeira elegante, fotogênica, cabe inteira em todos os fundos das fotos de infância, porque não crescem altas, mas largas e de tronco grosso. Com o calor das tardes de verão, assim que a chuva cai, ela solta seu cheiro tropical, que embora forte e arrojado, anda lado a lado com a preguiça e a modorra dessa época do ano.

Lembro bem de suas folhas brilhantes refletindo a luz dos postes acesos, de noitinha, na volta pra casa, um bando de crianças apressadas (ficaram na rua até o último minuto de sol) para jantar. Em março, tinha um espetáculo engraçado: o padre passava com seus ajudantes na casa da minha avó e rapavam todas as palmas de uma dessas imensas que se impunha na frente de seu jardim. Levavam para distribuir na porta da igreja no Domingo de Ramos.

A missa era divertida, com aquelas pessoas vibrando as palmas pro alto, repetindo os gestos do povaréu na entrada de Jerusalém. Minha avó achava uma glória, mas eu ficava com pena daquelas cicas carecas, meses a fio.”

A Ruth Levy: “Não compro nenhuma fruta sem antes sentir o cheiro. Quando era criança, cheirava a comida antes de pôr na boca, minha mãe ficava brava e dizia que era feio, que as pessoas iam achar que eu estava desconfiando da qualidade. Então, disfarçadamente, eu colocava o garfo na boca e levantava bem pra sentir o cheiro junto…”

Alguém lembrou-se do cheiro de bala de coco ainda quente, sendo puxada… Do perfume Bandit de Piguet que a mãe dela usava. Outra sente “cheiros até demais, conheço lugares e pessoas, livros e roupas tudo só pelo cheiro! Única coisa que gosto que não tem cheiro é a música, mas aí uso meu outro sentido apurado, meus ouvidos de tuberculosa! Coisas de míope!”.

A colunista da Folha, Suzana Herculano-Houzel, na mesma semana que falamos em narizes, nos convidou a testar nossas habilidades olfativas andando de quatro, como os cachorros.

Em algum lugar do mundo experimentaram e deu certo! Temos um belo narigão tal qual o deles. É somente requentar e usar! E aqui para nós o segredo das cicas é que são para lá de sexies!

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BALABOOSTA

Por Nina Horta
30/09/13 17:59

Balaboosta


Balaboosta – Admony, Einat;

É, é nome de livro e não de passarinho brasileiro.
O sub-título é  “Ousadas receitas mediterrâneas para alimentar as pessoas que amo.”

A autora tem uma escola de cozinha, um marido, filhos e três
restaurantes em NY.
Foi criada ajudando a mãe na cozinha. Diz ela que esteve sob trabalho
infantil forçado por quatro anos e depois foi promovida a sous-chef.
Arrancava as penas das galinhas, lavava a alface até não poder mais
para se livrar de bichinhos, assava batatas, bolos, fritava peixe, moía
seu próprio grão de bico para hummus, tudo sem receitas escritas nem
colheres de medir, nem balança, nem nada. O patrão era o instinto
certeiro da mãe e o conhecimento que ela herdara de várias donas
de casa antes dela.

Foi lá na cozinha caseira que aprendeu o estilo de
cozinhar chamado de balaboosta. A palavra vem do ídiche baal habayit
(dona da casa). E era um elogio. Perfeita dona de casa. Uma balaboosta
além da casa tomava conta da parte espiritual, emocional e do bem
estar da família.

A mesa havia que estar cheia de gente, de comida …
e de risadas.. A balaboosta moderna navega pela vida com um coração
corajoso, uma cabeça determinada, e um espírito de risco e de aventura.
Basta ter gosto pela vida, tentar eliminar o medo, e apoiar-se nos seus
instintos com toda a força possível.

Um homem pose ser um balaboosta, tendo paixão por comida.
É isso – balaboosta é expressar amor através da comida.
Os 3 restaurantes dela são:
Balaboosta, Taïm e Taïm Mobile, e Bar Bolonat
O marido era garçon do Balthazar e chegava em casa num horário
impossível e morto de fome. Ela se levantava para fazer o sanduíche
dele. Querem saber como era o sanduíche?
Fatias finas de peito de peru com camadas de cebola caramelizada,
pimentão grelhado, alface, cogumelos sobre uma ciabatta grelhada e
coberta de aioli de harissa feito em casa.

Não é um livro com receitas jamais vistas. Tem receitas para adultos,
para crianças, as de 5 minutos, as comidas de alma, as românticas, as do
churrasco, as saudáveis, as demoradas e caprichadas, receitas de Israel,
as de restaurante, as básicas, de todo dia.

Nada de espantar muito. Acho que seria um bom livro para uma recém
casada judia. Tem um challah muito bem explicado, um cheese cake de
ótima cara. Outra que me pareceu familiar e boa é a Sinaya, palestino
árabe, tomate, berinjela frita, carne moída temperada,pignoli e uma
camada grosa de tahini. Forno. Comida de alma palestina.

Uma coisa que sempre tive vontade de fazer e nunca fiz – azeitonas
empanadas.
E uma asinhas de galinha com harissa e mel. Bem apimentadas com mel.
Nada mau.
Uma salada de quinoa com grão de bico
E tem um chili de feijão, carne moída, linguicinhas merguez que parece
bem bom. E pimenta! (Aqui no Brasil não consigo que gostem da mistura
feijão e carne moída no prato de servir. Será por serem comidas nossas,
diárias, que nós mesmo misturamos? Não entendo muito o porquê.)

Falafel, baklava…
As fotos são daquelas bem reais, que não atiçam o apetite. Querem
alguma dessas receitas? Escrevo aqui. É só pedir.

Livro de cozinha é uma coisa difícil de recomendar. Eu não compraria
esse, (mas comprei)por já ter todas essas receitas em algum livro ou outro.
Mas, se fosse uma jovem cozinheira talvez me encantasse por ele.
Todo mundo tem um livro preferido, sujo de molho, folheado até não poder
mais. O que significa que ele chegou em boa hora, a receita deu certo.

O meu preferido é velho, velho, uma edição do Fannie Farmer. Jamais uma receita
de lá deu errada. Mas foi feito numa época em que as latas eram um
luxo e tem lata de tudo nos ingredientes. Na época dos orgânicos não
deve fazer sucesso nenhum. Cada roca com seu fuso cada livro com seu
uso.

Ah, o meu lado fofoqueiro! Comprei a biografia da Lily Safra, de Isabel
Vincent. Ebook, Kindle. Não dá para acreditar que eu largue um grande
sociólogo para ler Gilded Lily, mas a verdade há que ser dita. É sempre
fascinante ver alguém nascido num subúrbio do Rio de Janeiro se tornar
umas das viúvas mais ricas do mundo. E dá-lhe fofoca!

Engraçado é que nas fotos ela só parece alegre e feliz com o marido
pobre que ela largou como uma batata quente algum tempo depois
de casada. Vai saber, e além de tudo não temos nada com isso. Mas a
extrema riqueza sempre dá uma curiosidade a nós, pés rapados. Por que
mais uns milhões se já tem tantos…. Porque sim, ora!

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Galinha ou foguete?

Por Nina Horta
28/09/13 15:40


Foguete ou galinha?

Um jornal inglês há algum tempo escreveu que o Brasil estava deslanchando como um foguete céu acima, ninguém segurava mais. Agora voltaram atrás, e perceberam que o vôo era de galinha. Ora… E as críticas maiores, de todos os lados vão para a educação, tantos analfabetos, uma pena.

Estávamos na cozinha de uma festa quando a Fernandinha Torres veio nos visitar, linda e esfuziante de inteligência e graça. Só depois, em casa, é que comecei a rir baixinho. Pois não é que aqueles cozinheiros (os e as) que há segundos mexiam suas panelas, fritavam seus bolinhos, se transformaram não mais que de repente em paparazzi experimentados? Um tirava a foto, o outro a abraçava, enquanto um terceiro já se preparava para o beijo numa coreografia sem problemas que parecia ensaiada? E ninguém pediu autógrafo, quer mais autógrafo do que a cara da moça abraçada a você com um belo sorriso?

E eu, a letrada, também fã da moça, me restringi a uma pergunta ambíguas, que podia significar muita coisa. “Ah, Fernanda, que prazer eu tive ao ver que você sabe escrever.” Como se ela fosse uma periguete sem possibilidades literárias. Estava me referindo aos belos artigos dela na Folha, é claro. Melhor teria feito explodindo uma foto em close do que na frase desastrada

Não tenho bola de cristal e sou bastante burra para previsões, mas já percebo que nos transformamos em seres que olham mais do que escrevem. E nós, os privilegiados pela escola, ainda queremos que todos entendam textos compridos, que leiam livros de receitas, que leiam, que leiam, que leiam. Talvez estejamos errados. Suspeito que em  breve as receitas estarão na parede em tela grande. Depois de pressionarmos um botão, Palmirinha começará a dar sua receita de pavê, passo a passo, lá, inteira, gravada na parede.

Ao mesmo tempo que imagino essa cultura totalmente baseada no olhar, percebo que o facebook, ajudou muito  a minha equipe de trabalho. Através dos anos havia cozinheiras, como a Nalva, por exemplo, que não lia e não escrevia. Era alfabetizada mas não tinha interpretação de texto,  pegava o lápis com estranheza.

Com o Facebook que é um grande divertimento para todos ela começou a mandar mensagens, o que não é difícil, você olha o que o outro escreveu e repete, copia, escreve errado mas se comunica. Em três meses já se é capaz de ter uma conversa de facebook e com o tempo, a Nalva abriu um bufê caseiro e conversa com clientes por email.  E não foi só ela, todos melhoraram muito depois do facebook, alguns estão com o texto quase perfeito, que ainda por cima é conjugado à foto.

A Leila escreveu sob a foto da Fernanda. “Fernandinha é eu”. Um simples erro de digitação, de acento, e ninguém imaginou que ela se transfomara na atriz.

Nós que vivemos reclamando da mão de obra que nem ler sabe, talvez estejamos na encruzilhada em que saber ler não será tão importante, mas saber ver e ouvir, sim, o principal.

Por enquanto vou tratando de colocar um telão com filmes na cozinha, não é uma boa ideia? Ou todos já tiveram a ideia,  menos eu?

Ninguém me obedece, mando uma instrução por escrito, de uma festa, três páginas com os mínimos detalhes e a pessoa não absorve, percebo que não leu, me dá uma tristeza e pelo jeito a tonta sou eu.

Ninguém, ninguém mesmo lê uma receita de 3 páginas e é o mínimo que uma receita bem explicada costuma ter.

Fico pensando em como me comunicar com a cozinha com mais eficiência. Aí vem o meu problema que me viro muito bem com as letras e muito mal com o virtual. São eles que me ensinam coisas de computador, que consertam o bicho quando trava, todos na cozinha são melhores do que eu com o computador.

Tudo me diz que estamos em transição de galinha para foguete só que nós, os detentores dos saberes da galinha ainda não aprendemos a lidar com as técnicas foguetórias que vão tornar a mão de obra mais sábia e produtiva.

Só a moça que lava a louça não se comunica por computador. Acho que é por que não tem um. Vamos já fazer um experimento, colocar uma maquininha falante e cheia de figuras na mão dela e ver se a Ivone não se esquece do vôo da galinha e por ser inteligente e esforçada, num minuto se torne líder alçando um belo vôo de foguete americano.

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