A volta
04/12/13 03:00Todos se impressionam como a comida passou a ser de uma importância na mídia e na vida de todo mundo. Sorrateiramente, porém, tenho percebido que o artesanato pode substituir a cozinha.
Os anos 50-60-70 foram dolorosos. Fórmica, pé palito, programas de TV nos quais as mulheres passavam as tardes aprendendo a fazer caixas e pintar sabão. Eu me lembro do Clodovil, ele mesmo participante de um desses programas, dando ataques de nervos com as feiuras —na verdade, assistir aos tais programas era como ver um stand-up de um bom comediante.
Ria-se a valer. Era o melhor humor da TV. A tricoteira enroscada nos fios, a demonstradora de trançado indígena com o dedo preso nas alianças de palha de uma tribo, um divertimento sem fim.
Depois foi acabando, devagarinho, exaurido por anos e anos da telinha. Vieram os programas de sexo, de relacionamentos, de saúde, nutrição, dietas sem fim. Muita casca de banana.
Contei 188 livros sobre como arrumar a casa numa pesquisa superficial. Já viram um programa do GNT no qual uma amável senhorita ensina a arrumar os armários, a cozinha? Outra decora a casa. O canal Bem Simples, então, voltou totalmente ao artesanato caseiro de bandejas forradas e lacinhos e borboletas. Muita borboleta. Sinto uma alegria perversa, uma vontade de me jogar de boca nessas estrelas e Mickeys, sem censura.
Há um blog, se não me engano, com o assunto “é sustentável, mas é feio pra cacete”, que expõe contribuições dos leitores, como tudo o que se faz com garrafas PET. Faz-se tudo, como luminárias de copo descartável, vestidos de cápsula de Nespresso, presépio com lixo eletrônico, saia de guarda-chuva. Tem umas coisas sensacionais, vestidos de baile inteiros de jornal, com cauda e tudo, manifestações de criatividade há muito controladas. E essas coisas pegam, quando você menos espera está aprendendo pintura gestual sobre garrafa de vidro e almofada de coração em capitonê.
Qual o motivo dessa volta ao lar? As casas ficaram destratadas ou as mulheres não aguentaram a saudade da sessão das 14h? Ou os dois? Os programas de TV estão mais sofisticados, o que os torna mais perigosos. Por que além da cozinha, onde todos querem meter a mão na massa sentados no sofá, de repente voltamos para o “papier mâché”, o tricô, o crochê? Ou nunca saímos, só havíamos reprimido esse nosso lado obsessivo e kitsch?
Para mim, foi a síndrome do tricô. Ainda não consegui terminar uma peça que se possa chamar de peça. São todas levemente disformes. Mas nada consegue parar minha fome de lidar com as agulhas e com a lã, sanha de vestir alguém, de trabalhar com as mãos, de esquecer o computador, a leitura, e mergulhar na atividade de tecer. Síndrome de Homo faber.
Sinto que em breve estaremos bordando e montando Nossa Senhora Aparecida como enfeite de abridor de porta e, para acabar de vez com essa mania de cozinha, a pintura em frigideiras. Com as frigideiras pintadas já não haverá a mínima possibilidade de cozinhar. E teremos mudado de etapa, quem quiser me explicar estou aqui toda ouvidos.