Só acontece comigo. Li o livro, tomando notas, com capricho para fazer o post do blog e quando acabei o post sumiu inteiro. Ou a gente se mata ou começa tudo no dia seguinte, acho que é o jeito.
Achei engraçado que me disseram que eu iria gostar da série americana “O alaranjado é o novo preto” que deve estar aparecendo logo por aqui. Havia acabado de ler o livro, e me espantei que alguém usasse um livro tão simples, tão sem acontecimentos, para fazer justamente o roteiro de uma série. Com certeza é assim, tendo uma boa estrutura o roteirista vai lá e inventa um episódio a cada semana, por conta dele. E fala de prisão americana. Vocês hão de dizer. Com todo esse assunto de prisão no Brasil, estado das cadeias, a superpopulação, a criatura vem nos falar de lugares onde a Martha Stewart ficaria presa.
Pois é, não é alienação, não. Dentro de um blog não há espaço para que eu saia visitando prisões brasileiras e que traga um testemunho do que comem nossos prisioneiros. No outro dia até vi o Gabeira, no Maranhão, sentado junto com uma ala de travestis comendo uma quentinha só com garfo, na hora do almoço delas. Isso é o máximo que consigo. A pesquisa na internet que é a única que eu poderia fazer também não me traz esse tipo de dados.
Fatos ingleses, americanos, saem nos jornais, há muitas teses a respeito e a eles eu teria acesso. Aqui, não tenho. O que me resta é usar os fatos que não são brasileiros e o próprio leitor compara com o que vê aqui e tira suas conclusões, entenderam? Obrigada pela colaboração!
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O título O Alaranjado é o novo preto
O título alude à roupa das mulheres detentas. Ela é uma mulher de 23 anos, acabada de sair de uma boa faculdade americana, loira , de olhos azuis, típica classe média alta americana.
Formada, não quer voltar para a casa dos pais que acabaram de se divorciar e começa a namorar a vizinha, uma ruiva interessante. A vizinha é um pouco interessante demais, está envolvida com drogas que traz da África. A nossa autora, Piper Kerman, logo se vê viajando de primeira classe e carregando dinheiro proibido por aeroportos do mundo inteiro.
Durou pouco, mais ou menos o tempo que durou o namoro. Não era a praia dela, queria uma vida normal. California, Nova York, e encontra um rapaz pelo qual se apaixona. Vai morar com ele. Dez anos depois de suas peripécias com a ruiva, batem na porta e é a Polícia Federal.
Resumindo, vai para a prisão por 15 meses horror, da família e do namorado, que ficou junto a ela, dando força por todo o tempo da pena. É essa a história que conta.
É um bom livro, bem escrito, sem exageros, com profundo respeito pelas companheiras.
Só que para nós, brasileiros, é a cadeia mais cinco estrelas já vista, pois não acontece absolutamente nada durante todo o tempo que ela fica lá. A única coisa , da qual ele nem se queixa pois acha que é o único jeito de se acostumar com a situação,são as regras rígidas que devem ser obedecidas até que um dia se acabem.
Levantam pela manhã, comem cereal, uma fruta, um refresco, um café aguado, cada uma tem sua cama , (entendi que vedada por cortinas,) um canto, dir-se-ia, onde guardam suas poucas posses, maquiage, livros, etc. Não conversam sobre o passado. Não é de bom tom perguntar o porquê da pena.
Pela manhã ela corre, depois almoça, durante um certo tempo faz yoga, lê, recebe revistas, faz unha, penteia cabelo,escreve cartas e recebe visitas nos dias certos que são o bálsamo da vida de todas elas. Consegue trabalhar no setor de eletricidade da prisão. Parece até bom, não é? Mas, há todo o tempo a indignidade do cárcere, do afastamento da família e dos filhos, dos amigos. E a obrigação de receber ordens dadas por pessoas que não inspiram o menor respeito.
O assunto Comida é muito comentado. O almoço tem salada de pepino e couve-flor crua quase todo dia e ás vezes aparece um brocolli. A carne é tipo um sanduíche do Mc Donald´s e um pedaço de queijo amarelo. De vez em quando é sanduíche de galinha frita, o que sentem como um privilégio, bolonha, arroz, batatas, pizza pronta.
Sobremesa de pudim de envelope ou gelatina.
Podiam comprar latas de atum, de sardinha, pimenta em conserva.
Acontece que na copinha junto da cela delas há um micro-ondas onde conseguem fazer “comida de mãe”, com algumas coisinhas compradas no almoxarifado, ou até surrupiadas da cozinha sob o olhar de POP, a mulher que toma conta da comida há mais de dez anos. Era amante de um russo que também traficava drogas.
Que eu me lembre a única emoção que o grupo das presas viveu foi a possibilidade de receberem Martha Stewart, o que afinal não aconteceu para grande tristeza de todos.
A comida preferida feita no micro era o Cheesecake.
Prepare uma massa de torradas de água e sal, triturando-as com 4 colheres mais ou menos de margarina. Asse no, Tupperware por cerca de 1 minuto e deixe esfriar e endurecer.
Pegue uma caixinha inteira, redonda do queijo Vaca que Ri, amasse com o garfo, misture com o pó de um pudim de baunilha até ficar macio. Gradualmente junte um Cremora inteiro, (cremora é um creme de leite sem creme)e bata muito. Junte caldo de limão do plástico. Vai o limão quase todo.
Ponha dentro da massa e ponha para gelar colocando gelo no balde de limpeza do quarto.
Muita vontade de comer cheesecake, pois não?
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A parte emocional da estada da nossa autora, é interessante.
“uma coisa eu aprendi é que eu era boa. Não gostava de regrinhas bobas, mas era capaz de ajudar os outros. Queria dar de tudo o que eu tivesse, e percebi que tinha mais a dar do que eu pensava. “
Uma das verdades terríveis das prisões é que o horror de estar ali encarcerada é o interesse mais imediato de sobrevivência. O mundo de verdade quase se apaga de sua cabeça e na saída da prisão é difícil a adaptação.“
“ Os Estados Unidos tem a maior população presa do mundo. Encarceramos 25% dos prisioneiros do mundo, e é coisa recente. Em 1980 havia 2.3 milhões de pessoas presas. Uma boa porcentagem dessas pessoas são de mulheres como aquelas com as quais convivi que não apresentam perigo algum para a sociedade – presas de baixa periculosidade que erraram uma vez. A America investiu muito nas prisões mas se esqueceu de investir nas instituições que tentam eliminar o crime e fortalecer as comunidades, como escolas, hospitais, bibliotecas, museus, centros comunitários.”
Só o castigo não resolve. Para que as prisões sirvam ao país é preciso que eduquem e reformem, não só prendam.
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Piper Kerman é hoje uma bem sucedida vice presidente de uma firma de comunicação em Washington que ajuda fundações e organizações não lucrativas. Esse é seu primeiro livro que foi transformado numa série para a Netflix DVD Orange is the new Black My time in a woman´s prison Piper Kerman
Outro livro que acabei de ler transformou-se num filme candidato ao Oscar com 9 indicações e ganhou o Golden Globe Award de melhor filme dramático . Surpresa de novo.
Twelve years a slave
Narrative of Solomon Northhup, publicado originalmente em 1855. Uma história verdadeira por Solomon Northup-1808-1863
A HISTÓRIA DE Solomon Northup sequestrado em Washington, DC em 1841 e salvo em 1853
Publicado originalmente em 1885 e recriado por C Stephen Badgley em 2010
O livro foi narrado em detalhes para o primeiro editor e parece eu seu valor histórico está na isenção do escravo sequestrado, obrigado a trabalhar com vários futuros donos, tanto extremamente bondosos quanto cruéis. É um documento que ajuda a entender a escravidão americana por sua perspectiva não romanceada e sim como um dado a ser lido por outras gerações.
Fico pensando nos livros que lemos sobre a escravatura americana e são muitos, Faulkner, Morrison, todos palpitantes de sentimentos, de culpas, de rastros familiares, como um holocausto dos negros da América. O que deve ter encantado o diretor que escolheu filmá-lo é a distância e perspectiva bem neutra do escravo. Como livro é fácil de se ler, sem grandes firulas, uma história bem contada de um horroroso capítulo da vida americana.
“Minha narrativa acabou. Não tenho comentários a fazer sobre o assunto Escravidão. Os que leram o livro podem formar sua opinião sobre essa “peculiar instituição” O que aconteceu em outros estados não sou capaz de descrever; o que aconteceu às margens do Red River foi contado aqui com exatidão, sem ficção, e sem exageros. Se falhei em alguma coisa foi em apresentar ao leitor com brilho, o lado bom da situação. Não duvido que centenas foram tão desafortunados quanto eu. Centenas de cidadãos foram sequestrados e vendidos como escravos e estão nesse momento desgastando suas vidas nas fazendas do Texas e da Louisianna. Eu, …… fui trazido de volta à felicidade e à liberdade , e espero de agora em diante levar uma vida digna, apesar de pobre e descansar um dia no cemitério da igreja onde jaz meu pai.”