Uma cozinha pela manhã
15/10/14 02:00A cozinha logo de manhã é um pouco fantasmagórica –como um set de cinema abandonado, comparando-se com a atividade que vai brotar dela um pouco mais tarde. Foi lindamente planejada como uma cozinha do Soho, de Nova York.Era uma maltratada oficina de carros, e reformamos com canos aparentes, azuis para a água, vermelhos para a fiação. Toda a parte de eletricidade para ligar as máquinas corria em trilhos do teto para que liquidificadores e batedeiras pudessem andar de cá para lá, à vontade. Os cozinheiros inexplicavelmente detestaram esse arranjo e gostavam de lugares fixos para os aparelhos.
Assim, de manhãzinha, não há barulho, a não ser das duas câmaras frias. São boas as câmaras, grandes, confortáveis. Em dias muito quentes o sonho é ficar lá dentro o resto da vida. Nada de cheiros invasivos. Uma torneira que pinga, é preciso ver o que é.
As caixas de encomendas do dia já começaram a chegar e estão em fila no corredor externo. Muita berinjela, uns plásticos transparentes com flores mínimas de legumes, e flores comestíveis para enfeitar, ainda molhadas de orvalho, colhidas naquela manhã. É melhor levar para dentro, colocar sobre a mesa aparador, junto aos telefones e computadores, e ver o que veio, se está tudo nos conformes.
Ah, conseguiram sementes de papoula, que estavam difíceis, parece que pararam de importar por um tempo. É preciso provar as pecans que tem o mau costume de ficar rançosas muito depressa. O damasco é do azedinho, dá mais gosto. Vieram os vidros de xaropes de romã e de tamarindo.
O lugar é pequeno mas traz um conforto de escritório, tão perto da cozinha. A janela grande, de vidro, nos deixa ver a Cetesb muito verde –imaginem que há faisões na grama da Cetesb.
A escada para o andar de cima é daquelas retas, íngremes. O bufê faz parte de um quarteirão de casas antigas, com moradia na parte de cima e comércio na de baixo. Era uma ideia genial, devia facilitar a vida.
Bom, há que se devolver os pistaches, não há forno que lhes devolva a crocância, e o queijo da Canastra está uma delicia.
Os enormes cadernos pretos ficam lá em cima. É o lugar onde anotamos absolutamente tudo. Tal pessoa veio pagar, a outra telefonou, há alguém querendo uma receita, os convites chegaram. É um bom modo para que todos saibam o que aconteceu.
Essa primeira hora na cozinha, de café coado e pão quente da padaria, são de uma calma quase obrigatória, pois antecedem o trabalho enorme e exaustivo que virá logo depois, sem hora marcada para terminar. É a bonança antes da tempestade. As pessoas vão chegando, buscando o uniforme e os sapatos, a roupa que os transforma em cozinheiros e é confortável como uma segunda pele.
O telefone toca, alguém começa a digitar um cardápio. O chef desce para fumar o primeiro ou último cigarro lá fora, vai-se ajeitando a orquestra de panelas e facas e colheres e cheiros e barulhos e sussurros, o gravlax sendo lavado e as batatas descascando, alumínio contra alumínio, o trabalho insano e mágico, cheio de adrenalina e de paixão que é o da cozinha.
This is certainly very legitimate spot as elevated around the blog website. Get pleasure from chatting about close to.