Medo de mudar de assunto
13/08/14 02:00Todo mundo que escreve por encomenda, a soldo, tem os seus dias de apagão. Chamam de branco. Deu branco, uma condição clara, cortante, sem saída. Como uma pobre cronista de comida, não tenho brancos, tenho vermelhos de fogo, vibrantes. São mil ideias, mil livros, mil assuntos, mil histórias se acotovelando numa portinha daquelas de elevador antigo, sem conseguir sair.
Estava contente, iria falar até o fim da vida no livro do Dória, “Formação da Culinária Brasileira”, mas ele me disse que eu estava igual a papagaio de pirata, no ombro dele, desconstruindo-o sociologicamente. Pena que ainda tenho um monte para desconstruir, mas podemos disfarçar e voltar na semana que vem sem que ele perceba. Sem contar que estou ficando mestra em escravidão, uma tristeza sem fim. E descobrindo novidades incríveis.
O medo que tenho nessa coisa de crônica semanal é, ao mudar de assunto, perdê-lo para sempre. Uma vez, impulsionada por alguém que defendia as baleias, e por Ishmael também, com certeza, amealhei 14 livros sobre pesca de baleia nos Estados Unidos, tudo o que podem imaginar sobre o assunto bem americano, mas por acaso cheio de portugueses. A que horas da vida vou voltar a essa leitura utilíssima? Ah, logo, logo, sniff, sniff. Eu, a Snowden da escravidão. Que tal?
Todos aqueles portugueses ali remendando navios, saindo aos mares, e não só portugueses, mas americanos também? Qual baleia qual nada, estavam é vendendo navios e escravos para a nossa terrinha, passando pela África! Navios negreiros construídos por eles mesmos, com bandeira deles até, fazendo tráfico, se metendo nos nossos negócios, ganhando dinheiro a rodo, mexendo com as políticas agrárias brasileiras… De vez em quando as coisas se juntam, ah, se juntam!
Americanos do sul dos EUA, uns meio doidos desesperados, com portugueses desesperados também, pares de gente que deus-me-livre.
A Flip foi outra que me deu trabalho neste mês. Descobri o óbvio. Para assistir a tudo, me posto na internet e não arredo pé. Aqui em São Paulo mesmo. Coisa que não daria para fazer em Paraty, seria uma exaustão, mas na cama, na poltrona, em casa, fica sempre mais fácil.
E ainda torço. Como tenho casa em Paraty há séculos, acho que a Flip é metade minha e tem que dar certo todo ano. E “dar certo” significa química na mesa entre os participantes. Que sorriam, que conversem, que briguem, que joguem fora a timidez ou a empáfia, e bola para frente. E não posso garantir se foi minha torcida ou não, mas que deu certo, deu. Com a sensação nítida de que o Millôr estava lá, desenhando e escrevendo e se divertindo. Parabéns Paulo Werneck e os outros.
Agora, não é para acreditar. Qual a mesa que perdi? A do Michael Pollan, a única que eu seria obrigada a ver. Não sei, distraí, fui até a outra sala e, quando voltei, nada de Pollan! Deve ter falado 15 minutos, não me conformo. Só que gostaria tanto de ter os vídeos na internet! Para revermos, escutarmos, lermos os livros que compramos com a possibilidade de situar melhor os escritores. Não dá? Mas seria ótimo. Teríamos assunto até o ano que vem ajudando a dispersar os brancos-vermelhões da porta do elevador.
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“Tristeza sem fim” ? Estes dias me dei conta de que está tudo bem porque as pessoas daqui estão disputando a canjica, mugunzá ( milho branco, leite de côco, côco ralado, leite condensado ) e acabando com ela antes de azedar – haveria tal alimento sem a escravidão ? sem comércio de cravo e canela ? Foi um empreendimento mundial que iniciou o mundo moderno global e justamente transportando a cultura negra. Quanto a Paraty, vemos seu cartão postal, pintado por Maria Eugênia, a igreja de santa Rita, vemos a religião mesma, a obra escrita de santas católicas dentro da literatura. Santa Gertrudes escreveu ‘Tratado do Amor de Deus’ no distante séc. XI / XII. Há muitas doutoras na Igreja.