Garçons, uma categoria.
19/10/13 19:10
Eu me lembro tão bem de uma cliente logo no começo do buffet que pedia garçons bonitos, com roupa de Mao, sapatos de bico quadrado, olhos azuis ou verdes, de preferência, e um brinquinho numa das orelhas. Nós a olhávamos com a boca salivando pois era o que queríamos também.
No dia da festa dela havia garçons de todos os jeitos , com barriga, sem barriga, bigodão, jovens, bonitos, carecas, um exército de Brancaleone, todos de brinquinho, que era o mais fácil, só ir até a farmácia e furar a orelha. Ela só suspirava fundo, sem reclamar, pois sabia que a profissão não primava por galãs pois era pesada, estafante. O cara podia até chegar galã e em pouco tempo já se ia transformando num trabalhador cansado.
Em muitos lugares do mundo o emprego de garçon é uma passagem pela vida de alguém que quer estudar e aproveita o dinheiro das gorjetas para pagar a escola e tem comida grátis. Aqui a carreira costuma ser longa. Uma vida.
Antes de abrir o buffet imaginava que os piores problemas seriam com eles. Tivemos alguns problemas passageiros, como é inevitável, mas no geral eram pessoas confiáveis, honestas, muito conservadoras e cumpridoras de horários.
Chegam nas festas umas 4 horas antes, arrumam o bar, esterilizam a louça e começam a conversar. Quem disse que conversa mole é privilégio das mulheres? São capazes de passar horas e horas num bate papo nheco –nheco enquanto as copeiras fazem canapés e conversam também. Sobre a igreja, sobre a mulher do pastor, a filha do pastor, a casa, a novela.
Imagino que o serviço renderia muito mais se todos trabalhassem quietos, ensimesmados. Mas, numa festa, de repente, tudo se transforma. Começou! Os garçons com a bebida e as copeiras com a comida. Trabalham mesmo, com garra, levando a sério, simpáticos e educados dentro da pressão do serviço.
O que é difícil de resolver é um número grande deles com o mesmo uniforme, sapatos, camisas. E é problema de difícil solução. Você pode ter os uniformes, mas a população de garçons muda, pois são chamados daqui e dali, e sempre o defunto era maior ou menor. Exigir deles que se mantenham rigorosamente uniformizados? Setenta deles iguaizinhos? É o que todos querem, mas a vida anda cara e só os sapatos que a primeira cliente gostaria de ver neles custam um mês de seu trabalho. Resolvem cortando o cabelo a Neymar, imaginando que isso lhes dará um ar cool, mas pelo contrário, aquele cabelinho assusta.
É uma boa classe, gosto deles, não dão trabalho, lutam pela vida, e se quisermos uniformes perfeitos, que é o único defeito, teremos que cobrar muito mais dos clientes para poder vesti-los como merecem honrando a profissão.
Seria ótimo poder treiná-los, fornecer as roupas e tudo o mais. Impossível financeiramente. Uma vez numa festa de 1000 pessoas mandamos fazer os dólmãs no mesmo lugar. Não sei o que aconteceu. Eram todos iguais mas batiam quase no joelho dos garçons, uma tristeza total. Há os muito vaidosos e sabedores de que o gasto com um uniforme sempre novo e bem tratado vai mudar a vida deles. Serão chamados para todas as festas, terão o emprego que quiserem a hora que quiserem.
O caso das copeiras é diferente. Elas poderiam ter uniformes lindos e tratariam deles com muita eficiência. Mas, mesmo as mais magras e bonitas jamais caberiam num uniforme japonês, bem cortado, simplérrimo e chique. Nosso problemas são os bumbuns, marca da mulher brasileira. E os peitos. Parece que vamos ter que navegar muito tempo ainda com os vestidinhos pretos. Dos quais gosto. Adoraria que todas estivessem lindas de macacão azul claro. Só que não ficam lindas, só aquelas que o Diabo fez sem bundas.
Houve uma época que investimos nos Bacanas, muita gente investiu em rapazes sem experiência mas de ótima aparência com uniformes nossos. Quem disse que aguentaram o pique? Tínhamos que chamar um velho barrigudo para cada dois meninos bonitos. Os meninos desfilavam e o barrigudo trabalhava. Me lembro muito bem dessa fase, numa festa da Editora Abril encontrei o presidente segurando a bandeja do bonitão enquanto ele amarrava o sapato. Justamente para quem pediu auxílio no seu momento difícil!
Antigamente, e parece que agora, de novo, os buffets estão sofrendo processos, pois o garçon que serve a todos os buffets de São Paulo resolve dizer que trabalha num só, e faz exigências absurdas. A Justiça tem sido justa conosco, nunca perdemos uma causa mentirosa.
Outra época com a qual eu não concordava era a dos garçons temáticos. Festa de índio, garçom índio fantasiado de índio, festa peruana, garçon de poncho. Nunca deixamos. Um distintivo na lapela, carregar uma caixa de baleiro, mas nada que mude a identidade do funcionário que acaba perdendo o amor pelo uniforme.
Não tenho uma resposta, mas acho que aqui no Brasil estamos demorando muito para perder a formalidade das festas. Esta mudança virá ou não conforme a economia se comportar.
Clientes muito ricos permitirão garçons nos trinques. Os não tão ricos vão ter que apelar para a menos gente servindo, um tipo de self service, que aliás acho bonito e confortável. Adoro eu própria pegar minha bebida, colocar o gelo que quero, a quantidade de uísque que estou com vontade, e até em matéria de comida, me implico muito com aquelas copeiras rígidas servindo as pessoas. Podem ficar lá, para qualquer eventualidade, mas as pessoas deveria se servir À VONTADE. Aquele camarãozinho regulado pode me matar numa festa. Ou tem fartura ou não se faz aquilo que está regulado. E o convidado tem que ter uma pequena margem de liberdade na festa. Está armada a mesa de doces e ele quer um antes do jantar? Podia ser mais disciplinado e esperar e não ter que enfrentar a víbora que o descasca com olhar. Não. O cliente quer, o cliente tem e com um belo sorriso no rosto. Era só o que faltava, num casamento suntuoso com regras de não põe a mão aqui, não pegue mais que três vieiras e meia colher de caviar. Nan,nan,nan. Melhor comer uma bela macarronada bem feita do que um caviar controlado, acho eu.
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