A simples cozinheira do Palácio (1)
08/10/13 12:13
Não vi o filme, mas gostaria de ter visto. Chama-se os” Sabores do Palácio” e conta a história de uma cozinheira que um dia passou pelo palácio presidencial francês e não se rendeu às glórias do poder. Tinha uma filosofia própria que a fez deixar as pompas e a midia. O que dizem do filme é que é minimalista, trata do cotidiano e que a cozinheira só prepara comidas regionais da Dordogne. O nome real dela é Daniele Mazet –Delpeuch.
E foi ela própria que ensinou à atriz que a interpretou como se fazem as compras, como se conversa com os feirantes, o jeito de pechinchar, ou de apreciar o produto, o modo de pagar, o jeito de receber o troco, e todo o gestual de uma cozinheira bem preparada.
Pois, sem ver o filme, sabendo que a cozinheira fora nomeada Hortense, de repente encontro nos meus próprios livros a livrinho dela “Carnets de Cuisine” Du Périgord à l´Elysée.
Vamos ver do que se trata. Pensei que encontraria lá dentro uma pouco da história da nossa cozinheira. É ela que conta como foi parar dentro de um filme. Tudo começou em 2008. Havia voltado da Antártica (!) há algum tempo, e se dedicou a realizar um sonho que tinha. Reconstruir as truffières do avô que haviam acabado nos meados do século XX. E na Nova Zelância. Por que a Nova Zelândia? Para que os netos pudessem sonhar melhor com um pé no novo Mundo e outro no Velho. E como as estações são diferentes teria trufas o ano inteiro. Animada com seu projeto pede a um amigo que junte pessoas interessantes e interessadas em comida para que ela possa conversar sobre seu sonho, em Paris.
O grupo se faz, ela cozinha um grande jantar e no meio dos convidados vai estar o homem que a convencerá a fazer o filme, com muita e muita dificuldade. Mas estamos tratando do livro.
O livro dela, na verdade, começa com o casamento do filho, no outono de 1994. E vemos a diferença de um casamento no campo francês e de uma de nossas festas urbanas e sem a mão da família. Seu filho vai se casar com uma boliviana. Espera-se a família da América do Sul e de todos os lugares da França. O menu já está organizado. Mariscos, magret de pato com ameixas, folhado de tomate com pesto, escargots com nozes, brochetes de galinha com gergelim
Sopa de abóbora, foie gras, papas a la huaincana
Cordeiro de 7 horas
Torta de batatas
Macarrão a Janete
Pamonhas ao forno
E depois 7 sobremesas
A família inteira é que traz as comidas, uma com um saco de mariscos, outra com dois mil escargots. O restante é lá do Périgord mesmo, a não ser os temperos dos pratos bolivianos que a sogra do filho virá supervisionar. E a festa acontece como todas as festas familiares. Comida excepcional, bebida, dança, alegria, trabalho, uma anarquia feliz. Daniele que nunca fizera uma génoise se resolve por uma receia que achou poética. “Para saber se o bolo está assado no ponto coloca-se a palma da mão sobre ele que deverá fazer um barulho de um passo sobre a neve mole.”
Segue-se então a receita da génoise. E assim é o livro inteiro. Uma história e a sua receita.
E as histórias são boas e as receitas também, cheias de amor pela terra, pelos bichos, pelas frutas e um grande entusiasmo de boa cozinheira.
Acontece o de sempre. Temos que ter os ingredientes, estarão os substitutos à altura? Dá uma certa frustração e uma vontade de voltar às nossas raízes e trabalhá-las tão bem quanto ela trabalha a comida francesa. Esquecer das trufas, empenhar-se no pequi, melhorar nossos vitelos e cabritos, coisas assim que nos deem orgulho e prazer de nossas comidas, sem frustrações.
Claro que não sou contra a globalização da cozinha, adoro uma novidade, mas quando se torna difícil, sempre acho melhor prestar atenção no que temos para elaborar melhor o que já está no nosso quintal.
Muitas vezes falam que os franceses não estão mantendo seu lugar na cozinha mundial. Não sei, não, estão é lá quietos, com a cozinha que gostam, debruçados sobre suas raízes e talvez não lhes faça muita diferença estarem nos primeiros lugares dos grandes chefs. Suas receitas ainda cheiram à sua terra, foram inventadas por eles, são feitas nos seus fogões cheios de lembranças de infância. O mundo está cheio de chefs franceses repetindo e muitas vezes melhorando suas receitas primitivas, o que mais se pode querer? Qualquer dia a moda volta e bate na porta deles.
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