Acorda, Brasil!
19/06/13 02:10Ah, que pena… Todo mundo me telefonando e eu vendo no Facebook os chefs, os cozinheiros, os donos de restaurante nas escadarias do Masp reunidos contra a violência, “Acorda Brasil”, e me chamando para me juntar a eles. Ora, não dá mais tempo!
Esquadrinho as fotos e enxergo o Charlô, com sua cabeleira branca, o Alex Atala, talvez o lenço de cabeça da Helena, do Maní, e mais uma multidão jovem e me orgulho deles e estou lá com eles. É hora de a gente se manifestar.
Todo mundo tem direito à sua história de assalto em restaurante.
Há um mês, saí do bufê numa noite fria e fui com minha filha a uma doceira de Pinheiros tomar um chocolate quente. Estava relativamente cheia e escolhemos ficar num terracinho envidraçado, vazio.
Vocês sabem o tamanho da menor mesa dessas de mármore, de bar. O tamanho de um abraço. Eu estava com uma bolsa enorme, de couro, velha, cheia de metais, complicadíssima de abrir, minha amiga, minha velha conhecida. Coloquei sobre meus pés e
até me lembro da sensação dela escorregando pela minha perna, pesada, até chegar ao chão.
Chegou um casal e se sentou na mesa ao lado, a uns dois metros. Minha filha de frente para eles, e eu de costas. Tomamos o chocolate, e fui pegar a bolsa para pagar. E cadê?
A primeira reação é de incredulidade, quase como se tivéssemos sendo vítimas de uma brincadeira. Porque, na nossa cabeça, é impossível que numa mesinha sem toalha, de bar, num restaurante vazio, alguém tenha se aproximado o suficiente para roubar sua bolsa, provavelmente, andando de quatro, e você não tenha percebido.
Imediatamente, se passa de vítima a carrasco mentiroso. Como não é de se acreditar, mesmo, o segurança diz que você chegou sem bolsa, abanando as mãos. A encarregada não deixa que conversemos com o chefe, pois também desconfia que quem está dando o golpe somos nós, para não pagar o chocolate.
Tomei as providências que achei necessárias, registrei pela internet a ocorrência policial, escrevi para o responsável que achei no Google, para o Facebook da empresa, telefonei para o banco. Por incrível, o mais amável foi o banco. “A senhora já está em casa? Está bem? Precisa de alguma coisa?”
Como havíamos percebido uma câmera logo acima da nossa mesinha, fomos assistir ao filme, depois de muita insistência, pois lembrem-se: os bandidos éramos nós.
No filme, o casal ladrão entra, fica parado no meio do restaurante, olha bem à volta e escolhe a mesa na mesma varanda vazia que nós. Mal se sentam, ela se abaixa, por trás de mim, quase que se deita no chão e pesca minha bolsa, que estava a meus pés. Passa para dentro do casacão dele que, imediatamente, enfia na mochila, levantam-se e saem. Um minuto de ação.
Parecerá normal para vocês. Mas, para mim, que estava com a bolsa no pé e que não senti ninguém nas minhas costas, e para minha filha, que não tinha outro lugar para olhar senão à sua frente e não viu, são ladrões como os grandes mágicos, como David Copperfield.
São gênios, de uma leveza, de uma prática estonteantes. Foi um assalto “soft”, mas “Acorda, Brasil!”, antes que nos roubem até o grito de revolta.
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Saudações Nina Horta,
Leio sua crônica muitas vezes no caderno Comida da Folha de São Paulo e geralmente gosto muito. Entretanto, gostaria de expressar uma reflexão e minha discordância sobre sua última escrita. A questão de ser ou não sustentável é muito maior do que os exemplos que você coloca no seu texto, principalmente as experiências ligadas às crianças, por se tratarem justo disso: experiências. O mais importante não é ser ou não ser alguma coisa (eis a questão), mas, participar, acreditar em pequenas utopias cotidianas coletivas e/ou individuais (porque não?), estar disposta a experiências sensório-motoras comprometidas com o prazer, mas também com a realidade. Outra coisa: sabemos mesmo que tudo vai pro lixão? Procuramos mesmo saber disso? Procuramos saber aonde tem uma cooperativa de reciclagem mais perto de nossa casa? E mesmo assim, se não tiver, você sabia que no calar da noite várias pessoas reviram o seu lixo pra separar o seco do úmido e sobrevivem das suas latinhas e garrafas e etc? Seria no mínimo menos nojento que elas enfiassem a mão num lixo mais limpinho né? Obrigada pelo espaço de reflexão. Verônica de Moraes.
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