As tarefas da fazenda
27/02/13 03:00Nos Estados Unidos, fiquei um certo tempo, não mais que uma semana, numa cidadezinha bem no meio do Meio-Oeste, visitando os “pais” de meus filhos, casa onde todos haviam passado um tempo.
Nós recebêramos aqui os filhos deles, uma delas passou um ano do ginásio conosco. Lá, moravam numa fazendinha, a casa térrea fechada o tempo todo por causa do ar refrigerado e um bendito e maravilhoso lago cheio de peixinhos que te beliscavam dentro da água. Céu azul, pequenas plantações de abobrinha, de tomate, de pepino. Muitos cavalos appaloosa, que eram o hobby do fazendeiro.
Galinhas e patos a serem alimentados todas as manhãs, leite a ser tirado. E as tarefas da fazenda, por menores que fossem, eram tarefas, e as crianças simplesmente odiavam ter que fazer aquilo.
Sonhavam com outra vida, com McDonald’s e sorvetes e cinema e bailinhos e até estudos, mas sem a obrigação de plantar, plantar e depois colher e depois guardar tudo em vidros para o inverno pesando na cabeça.
Odeio abobrinhas e tive que plantar um monte, as costas doendo, ah. Será que mrs. Neder não desconfiava que eu era um rato de livros, achava lindo ler como plantar abobrinhas, mas o ato em si me deixava com a espinhela caída? Me sentia a perfeita cigarra enquanto a dona de casa era a formiga laboriosa. E um supermercado na frente, enorme, com todas as possibilidades…
Estávamos no auge dos tomates, na época, e até o marido, um dia, à mesa, pediu: “Será que não dá para comermos alguns frescos antes que vocês façam conserva de tudo?”
A ideia de lazer não era muito bem-vinda. Tinham que estar trabalhando o tempo todo. Adorei o processo de guardar tudo em vidros. Na verdade, depois que se pega o jeito, é muito fácil. Trouxe para o Brasil as tampas e tudo o mais, mas, com certeza, a novela me distraiu porque não me lembro de ter feito conserva de nada. E, além disso, nunca achei aqui aquela rosca da tampa do tamanho que eu precisava e me contentei em fazer picles.
Mas como eram práticos em outras coisas. À noite, os pratos eram de acrílico ou plástico mesmo, uma coisa bonita, não aqueles pratinhos de aniversário de criança. E ao acabar o jantar, ó felicidade, um belo saco de lixo, e a mesa se esvaziava sem pia cheia. E o que se faz de piquenique! Cheguei à conclusão de que piquenique nada mais é do que um jeito de se livrar da louça. Sanduíches, salsichas em churrasco, frutas e acabou-se a trabalheira.
No dia em que vim embora, foram me levar ao aeroporto sem café da manhã, coisa que me assustou, pois não existo antes do café. Pois não é que logo depois de termos saído, surpresa! Pararam o carro, toalha xadrez vermelha no capô e “doughnuts” de todos os tipos com uma garrafa térmica de café.
A vinda dos pais ao Brasil foi um fracasso. Primeiro, a falta de trabalho caseiro. O pai era tão grande que tinha que dormir atravessado na cama. Não acharam graça dos cavalos do jóquei porque era jogo, contra a religião deles. Em Paraty, não é que chegaram na praia umas cinco meninas de topless? Que remédio, cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso.
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li no papel semana passada. e do campo como relatório de viagem digo que com as chuvas e as estradas encharcadas as minhocas acabam ficando no meio das estradas quando as águas se vão : as formigas então atacam a coitada da minhoca d’água perdida no meio do caminho. é uma tragédia.
Minha esposa que é americana deu muita risadas ao ler a coluna. Não pelos detalhes, mas pelo fato de que ela persiste no erro de pegar uma família e generalizar para mais de 300 milhões de pessoas. Ela também é do meio-oeste, mas nunca plantou um pé de abóbora na vida. Go figure!
Muito bom, Nina deu pra sentirmos brisa, cheiro e cores da fazenda. Há 35 anos minha mãe está casada com Bill, e ela diz: mais exóticos que armênios paquistaneses ou chineses são de longe os americanos,
Adorei esta sua crônica, como gostei de outras que li em seu livro “Não é sopa”. Foi verdadeira, engraçada, real. Tive a sensação de estar lá vendo o que vc tão bem descreve. Parabéns, Nina Horta.