A saga de Hobsbawm e sua canja
16/01/13 03:00Fui colocar a leitura do blog da “minha” Companhia das Letras em dia (www.blogdacompanhia.com.br) –o melhor dos blogs do gênero– quando dou com meu nome justamente no post do patrão, Luiz Schwarcz. Oh, céus! Lembrem-se, sou a cozinheira da editora. O primeiro livro de panelas que saiu de lá foi o “Não é Sopa”, de 1995. A menção, ainda bem, era carinhosa.
A história que Schwarcz conta é que quando Eric Hobsbawm [1917-2012] e sua mulher, Marlene, aproveitavam a estadia no Brasil, o historiador comeu algo que lhe fez mal.
“Após sua palestra no Masp lotado, havíamos programado um jantar em casa. Pedimos a nossa amiga e autora Nina Horta que preparasse uma canja para que Eric pudesse melhorar e manter a viagem a Brasília no dia seguinte, quando seria recebido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.”
E continua: “Nina preparou a melhor canja que já comi… condimentada com lindas ameixas! Mesmo assim, Eric aguentou firme e cedo na manhã seguinte nos encontramos no aeroporto de Congonhas”.
O problema foram as ameixas que, sabidamente, soltam o intestino. Ah, Luiz, mas você não sabe o tanto que ia por trás daquelas ameixas! O último estrangeiro que gostou de canja foi o presidente Theodore Roosevelt e assim mesmo tinha que ser feita com macuco.
Caprichei, como das outras vezes. Geralmente, eu lia o livro inteiro a ser lançado pelo comilão da vez. Consegui atravessar em uma noite o “Não há Silêncio que Não Termine” (ed. Companhia das Letras), da ex-prisioneira das Farc Ingrid Betancourt. Ela sonhava durante toda a prisão com frutas frescas. Preparamos para ela um enorme cesto de frutas brasileiras. E sempre corria o boato de que Chico Buarque gostava de arroz-doce, e caprichávamos na canela formando um C sobre o arroz.
Uma autora chinesa veio com a mãe e ficamos com medo de que a senhora se assustasse com a comida brasileira, mas já estava aqui havia uns três dias, indo sem problemas do charque ao dendê. Acho que caprichamos numa feijoada, mas fomos encontrá-la na UTI da própria casa dos Schwarcz, afinal vencida pela força da nossa culinária.
Voltemos à canja do Hobsbawm. Li a biografia dele, “Tempos Interessantes” (ed. Companhia das Letras). Aprendi que amava escoteiros, jazz e livros. Nem uma palavra sobre comida em tempos de racionamento. Uma comida da Europa Central, de mãe, era o que o sustentaria melhor.
Fiz um “cock-a-leekie”, uma receita de sobrevivência na Europa antiga. Precisava de um galo velho ou um frango capão, 1 kg de carne de segunda, 200 g de ameixas e 1 ½ kg de alho-poró. Fazer um caldo até derreter as carnes e juntar por 15 minutos o alho-poró e as ameixas sem caroço.
Essa sopa escocesa com a qual alimentamos Hobsbawm era para levantar do chão um vencido na guerra. Não foi apesar dela que o historiador se comportou bem com o presidente no dia seguinte. Foi por causa dela. Novo em folha, alimentado por um “cock-a-leekie” de mãe judia de não botar defeito.
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Querida Nina, experimentei em minha ceia de Natal a receita das Pérolas de Tapioca com Lichia e foi um sucesso absoluto! Mas gostaria de agradecer mesmo pelas dicas e encorajamento da farofa, pois esta foi sem dúvida a mais comentada!! Um beijo Samantha