Faxina de Ano-Novo
09/01/13 03:00Parece que é a faxina que vai construir o ano que se segue. Simplesmente saber onde estão as coisas já é um bom começo.
Começamos pelo aparador. Uns três molhos de pimenta que não emplacaram ou acabaram.
Um moedor de sal grosso que não funciona, uns funghi, umas chufas, um caril. Tudo que estava pela metade e velho, fora. E lé com lé, cré com cré. Juntar o que tem parentesco. Temperos brasileiros, temperos indianos, surpresas, vontade de cozinhar.
Acabamos cozinhando, pegamos costelinhas na geladeira e fizemos na crock pot. Crock pot é aquela panela que cozinha sozinha, elétrica, calor mínimo. Você põe tudo lá, sai para trabalhar e quando volta está pronto, sem perigo de queimar. O resultado é o de sempre.
Gosto de sopa. A panela vende o sonho da comida que se faz sozinha. Vou desencanar e guardar embaixo da escada.
Dezenas de gavetas e coisas que vão se acumulando o ano inteiro. Tudo imaginável, para quem gosta de tralhas. Muitas facas, abridores, moedor de pimenta, moedor de noz moscada, medidores sem fim, colheres de pau. E colherinhas de café faltando e outras sobrando e porta-guardanapos de prata e de conchas e porta-talheres mexicanos, lindos, de pedras coloridas.
Algumas coisas que não jogamos fora vão sumindo sozinhas, como as panelas e garfos de fondue. Brilhavam novos e úteis, hoje se escondem. Alguém se lembra de uns baldinhos de gelo de cristal que não serviam para nada e tinham duas orelhas? Sumiram também.
Outras coisas continuam, que ninguém pode viver sem elas, como um triturador de sementes de papoula, uma maquininha de fazer späetzle e um minidefumador –kkkkkkk, como diriam no Facebook. Restos de Natal, velas pela metade, pinhas, dourados. Pense nos apagões, deixe aí.
Em uma das gavetas apareceu uma coleção de santos antigos de papel, de primeira comunhão, de tudo. Jogar fora nem morta, minha filha diz que vai fazer um quadrinho de vidro. Acho que vai ser um quadro de quilômetros.
A batedeira Sunbeam antiga que me conhecia tão bem, éramos uma só coisa, um dia morreu. Foi substituída por aquela moderna, quase profissional, que toma um espaço enorme na cozinha pequena. Minha vida é temer que os acessórios se percam, e uso a batedeira manual da Viking, forte e poderosa. Mas a Sunbeam está lá esperando o dia da ressurreição dos mortos.
O que faz um ser humano desejar ter manteigueiras de vidro, louça da Clarice Cliff, restos de jogos de jantar, coisas sem fim da feira escandinava? Panelas, panelas de todos os jeitos, facas mil, livros à mancheia… Um nó na capacidade prática de fazer o cálculo de quantos objetos são necessários vida afora.
Muitas vezes, quando demorava um tempo para ir a Paraty, quando chegava na casinha, só uma cama, nada de mesa de cabeceira, nem de lâmpada, nada de TV, ficava desacorçoada, assim não dá, que vida louca! No dia seguinte, a manhã esplendorosa, o cheiro de mato e de mar e adeus reclamações. A realização chegava plena, nada mais é necessário além de uma panela, uma cuia, uma colher de pau, um colchão e um mosquiteiro, o resto é gula.
Só me falta a cuia.
Que lindo! Adoro seus textos…tudo tão real…tão pé no chão…difícil não se identificar.
Estou relendo “Não é sopa”…consegui num sebo.
Feliz 2013!
Lindo Texto!!!!!
Penso daqui um tempo mudar de cidade, não levar nada, só lembranças e algumas roupas para não ficar desnuda…
Para morar um kitchnete, bem pequena para não caber muita coisa, só as lembranças e os carinhos trocados com o maridão…
Bjins e quem sabe a sociedade sente saudades e aprende a viver com menos e mais feliz!!!
Sua alma não é pequena e faz valer a pena a gente olhar de novo !
um lindo 2013 ! Arnaldo
Adooro. Acho que metade da civilização se identificou com seu texto. Mas não é, que quando voltamos na casinha em Paraty a manteigueira e as louças finas nos caem bem?! Oh vida!