TORRESMO SOBERBO
08/06/12 22:59Na entrada de sua Academia Platão escreveu as palavras. “Não entre quem não saiba geometria.” Esnobe? Pouco inclusivo? Eu diria que na escola da cozinha moderna já está escrito: “ Não entre quem não sabe um pouco de física e química.” Aviso para pessoas que como eu, tiveram escola fraca e não entendem como ao apertar um botão a luz se acende, a novela aparece, e as claras batidas endurecem.
O que mais não sei? Estamos no meio de uma revolução das panelas? Conseguimos passar pela última mudança, que foi a nouvelle cuisine. E por essa nova revolução, vamos tentar nos agarrar ou deixar que passe por nós sem lhe darmos atenção? Temos capacidade ou devemos nos afastar delicadamente por não termos os requisitos básicos?
E o que são os requisitos básicos? Aplicar as experiências da cozinha de larga escala, industrial, ao restaurante, ao buffet, à casa. Sous vide, esferificação, nitrogênio líquido, hidrocolóides? Hummmm. Podemos não saber do que se trata, mas não somos burros a ponto de fechar os olhos e esperar pra ver no que é que dá. Temos que atentar como e porque a comida se transforma durante o cozimento. Espessantes, alginatos, xantana e o diabo a quatro. Será que vamos deixar os cientistas se meterem na cozinha sem nos metermos no laboratório? A cozinha laboratório não é uma coisa tão absurda, há que experimentar, mas para os muito ignorantes seria necessário um cursinho básico de física e química, concordo.
Talvez, por isso tenha me aproximado da cozinha mantendo uma respeitável distância do laboratório, prestando mais atenção na comida e cultura, comida e sociedade, o lugar onde comemos, as ocasiões, as percepções. Chô, proteínas e lipídios,moléculas e polímeros, milose, amino ácidos, carotenóides e tocoferóis e alcalóides. Mas, juro que o que me segurou até agora foi a ignorância, porque tenho plena consciência de que o entendimento do que acontece na panela fará de nós melhores cozinheiros.
O primeiro livro que li sobre o assunto era interessante “But the crackling was superb.” “E o torresmo ficou uma maravilha”. Era daquele pessoal de Oxford, Nicholas Kurti, do Alan Davidson, Harold McGee, todos aqueles cientistas que gostavam de cozinhar, de falar sobre comida, mas que não conseguiram deixar para trás sua formação de cientistas. E nós, cozinheiros, temos que nos aproveitar da ciência deles e entrar na academia de culinária com um verniz platônico de química e física, para que o nosso ovo frito não tenha par. Que o arroz científico saia igual dia após dia, baseado em fórmulas seguras.
E que saibamos conversar sobre o crocante como cozinheiros de laboratório, sabendo que o bom torresmo não depende do porco mas de nós mesmos. Ou talvez do porco, mas sempre com um juízo científico sobre as qualidades do suíno.
E o melhor mesmo vai ser quando o jargão científico desaparecer e tivermos esquecido os nomes. Quando ao saborear um bom queijo, bolado no laboratório, ninguém, nem o fabricante, nem o vendedor nem o cliente fale sobre interações moleculares entre as proteínas da caseina e o cálcio, e sim, mineiramente, uai, que trem bom.
Nina,descobri que náo me incomodo tanto assim com este escesso de “cientificismo” na gastronomia – o que me incomoda é o fato de ser tachado de inculto ou não progressista se manifesar descontentamento perante um prato feito sob essa vertente. Abraços!
Sem querer ignorar os mecanismos pelos quais simples ingredientes se tornam verdadeiras jóias da culinária e sem ainda desmerecer ciências tão úteis, como a química e a física, acredito que, como boa mineira e apreciadora de uma boa comida, não se faz necessário ser uma estudiosa das transformações moleculares para entender e executar uma boa receita.
Minha avó sempre preparou doces de figo maravilhosos e mesmo assim só entendia de uma coisa: amor na preparação, do quer que fosse.
Técnicas mirabolantes e dizeres difíceis apenas fazem parte de um dos elos de uma corrente, já tão difundida, da moda. Isso mesmo, agora é chique cozinhar e se não se tem todos os adereços necessários para estar na moda ou se ainda não se conhece todos os truques, de uma cozinha moderna, você literalmente está fadado ao fracasso gastronômico. Será que isso é cozinhar? Isso é gastronomia? Assim como na moda, todo e qualquer movimento nos auxilia a prosperar e descobrir novos caminhos e portanto não são em vão, mas cabe aos que utilizam as roupas e tecidos verificar a importância de cada elemento para o desenvolvimento nos modos de se vestir.
Ótimo texto Nina.
Nina, querida.
Adoro quando leio coisas mineiramente saborosas. Adoro fazer torresmos e até salada de torresmos de um jeito que só vejo sendo feito lá pras bandas das cozinhas das minhas tias (vc está convidada a saborear, quando quiser). Como sem culpa, sem medo e sem lembrar dos colesteróis da vida. Sim, fazer torresmo, couve, tutu, bolo pro café ou qualquer outra coisa que nos faça um bem danado pra alma, não depende muito dos ingredientes e sim da pessoa que os faz. Brilhante seu texto. Como todos. E eu sempre me identificando com eles…