OS DOCES DOS CONVENTOS
08/04/12 10:52 BASTA-ME LER alguma coisa em português de Portugal que me baixa à cabeça esta freirinha simpática.
Era mulher, ainda jovem, quase uma miúda. Vinha vestida de freira.
Largou o cesto de laranjas que levava dependurado ao braço e deixou-se cair à beira do riacho. “Não se me dava sentar só um poucochinho”, murmurou, enquanto desamarrava suas botas de cordovão preto.
Olhou para os lados, como se medrosa, e persignou-se. “Ai, que louco alívio!” Enfiou os pés na água e espichou bem as pernas. Sentiu que a alma se lhe esfriava toda.
“Monjas, boa lhe tinham aprontado! Queria era estar ao pé da mãe, a fazer a açorda dos hómes com migalhas e coivinhas e não morar ali, a última das criadas de 80 freiras, a mais escrava, a ouvir sermões e matinas e vésperas que não tinham fim. Se fosse só ir à missa louvar o Senhorzinho… mas era o trabalho pesado da doçaria que a matava aos poucos.
Gostava da cozinha, mas é que ali havia que se deitar açúcar em tudo, parece que as monjas nas suas fidalguias desconheciam o sarrabulho, a lingüiça, o toicinho de fumo. Ai, cá me benzo. São lambareiras, vossas servas!”
Trouxe de volta à terra um dos pés e o massageou com furor enquanto rezava pela alma do tio que a trouxera pó convento. “É que não sabia o tio das modas, imaginava ele que as monjas passavam o dia a rezar e fazer doces e caridades. Será que o modo de nomear os doces não bastara para alertar o tio? Bolinhos-de-amor, orelhas-de-abade, beijos, lérias, velhotes, papos-de-anjo, barrigas-de-freira! Ah, deixa-me rir!
E a ela, pois, tocava-lhe avivar o lume, arear as panelas, arrancar-lhes do fundo a grossa calda de açúcar queimado. E mexer ovos, mexer ovos, pois as pastas d’ovos, antes que arrefecessem, enchiam-se de gadanhotos, estragavam-se.
Com os braços doídos, à noitinha nem rezar a Deus conseguia. Exausta, sonhava com o bater das cascas nas bordas da vasilha, separando a clara das gemas. E a madre despenseira sempre a vigiar e a ralhar por dá lá aquela palha, a suspeitar que lhe surrupiavam o açúcar. Ralava-se sem razão, pois não lhe ocorreria fazê-lo, jamais. Só de pensar em doces tinha náusea.
Pândegas eram as monjas, a se entupirem de doces nos dias magros, a convidarem gente a comer, a saírem pá fora do convento quando bem se lhes dava na telha, a palrar nas janelas com quem passava, seus cabelos empoados. A ela, a camponesa, cortaram-lhe as madeixas no primeiro dia, nada mais comia do que uma ração ordinária, um pão com marmelada na merenda, um pouco de guisado que sobejara do almoço, uma bolacha a trincar.
E quem é que ia ao pomar, ao moinho? Quem carregava às costas os caixotes de doces que partiam para todo o reino com os mimos? Mimos daqui, mimos dali. Quem descascava as castanhas para o leite com castanhas dos pobres?
Cantarolou baixinho, absorta. Vedes o maio, mocinhas, vamos à caixa das castanhinhas. Começou a enxugar os pés na barra da saia de baetilha e a folgar os cordões das botinas para calçá-las sem dificuldade.
“Macacos me trinquem, Senhor, se eu não faço mais virtudes, a me esfalfar, do que elas a darem de comer ao bispo. Às vezes, Senhor, fico dando tratos à bola, caracolando idéias nesta minha cachimônia, que chego a perder o sono. Aí, rezo. Sei que a Deus Nosso Senhor o devo, não me faltes. E um dia desses queria oferecer pó Deus Menino uma sopa dourada que a avó me ensinou.
E lhe apeteceria comer toda, tão boa é, iria a ela como são Thiago aos moiros… Uma sopinha de Jesus babar, achar de truz, d’arromba, regalar-se e premiar-me com um sitiozinho aos céus!”
Levantou-se, pegou a cesta e com a mão vaga começou a desfiar o rosário, um pouco melado de calda doce, e, refrescada, foi andando em direção aos sinos.
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Lindo Nina! Espero que você tenha tido uma Feliz Páscua! Besos.
Oi, Eduardo, morta de saudade. Cheguei a achar que estavas chateado comigo. Beijo, beijo. N