O Galo de Paraty
23/03/12 01:00Cozinha de Paraty, foto da Neide Rigo
Coisa boa para uma festeira é treinar novos pratos na cozinha. Faz um tempão que não faço isso em Paraty, coisa que tinha vantagens e desvantagens. A primeira delas era conhecer o peixe fresco, acabado de pescar, os siris caminhando pela cozinha, fugindo de dentro da pia.
Conhecer as incômodas lulas que demoravam um tempão para serem limpas, na mesma pia, e as muriçocas que resolviam comer suas pernas, durante o trabalho. A vontade era largar tudo e sair gritando, batendo um pano de prato nas canelas.
A farinha de lá é especial, o feijão também. As galinhas têm um caldo que as daqui não têm, mais forte, sabe que acho que me acostumei com as daqui? As de lá são muito duras, sobem morro o dia inteiro, são saradas. Me deram uma boa dica, que aqui deve-se comprar galinha d´angola que têm melhor gosto, mais saborosas que os frangos de granja.
As festas paratienses dos morros são bem diferentes das daqui da cidade, mas é bom ter uma noção para não ser pego de surpresa, como nós fomos. Os convidados não avisam que vão chegar. Os cirandeiros é que resolvem onde vão.
De repente, é provável que já estejam todos na cama quando eles chegam de viola e outros instrumentos em punho. O pandeiro, então, não falta, geralmente é o Dito Gervásio. Começam uma ladainha na porta Mesmo que estiver chovendo não os force a entrar, só vão entrar quando acabarem de cantar a ladainha. Dentro de casa, só vão sair quando o dia raiar. Há um momento que se pensa na morte, de tanto cansaço. Mas ele desaparece, o esgotamento passa e toca a dançar mais.
Dançam todos que estiverem na casa pois faltam damas. Uma vez encontrei minha mãe com os olhos estatelados escondida dentro das roupas de uma arara, com medo de ser tirada para dançar de novo. Não tem jeito, não tem. Criança de sete anos, homens, mulher solteira, mulher casada, velha, menina, moça, entra tudo na ciranda.
A comida dá problema. Dizem que não querem comer mas comem de tudo que lhes for oferecido, menos milho cozido que dizem ser comida de porco. O próprio porco já é bem vindo Muita e muito lingüiça a cachaça a não poder mais. E toca a rodar a saia no chão de terra batida, ou de tábuas rangendo, reboco de cal se quebrando.
O ideal é lingüiça com vinagrete e pão, mas uma hora a lingüiça acaba e daí vale tudo. Queijo francês, mexidinho de arroz e feijão, farofa e pimenta, ovo, é a parte mais custosa da festa é ser cozinheira, pois a fome só amaina quando o sol surge.
No dia seguinte se você for à cidade vai dar com a cara fechada das mulheres que antes te cumprimentavam muito felizes. São as mulheres dos cantores e tocadores que dançaram com você a noite inteira.
Pode ter dado a impressão que é uma festa chata, mas não é. De não se esquecer nunca mais na vida.