Garotas atrevidas!
19/03/12 23:36Para que ficar falando do passado? Juro que nem tenho saudade de quase nada.
Mas é preciso lembrar de algumas coisas que nós, avós e mães vivemos, mesmo para ter idéia, saber do que se está falando sem estranhar muito.
Como as garotas do Alceu Penna. Era uma matéria da poderosíssima revista O Cruzeiro, e saía em duas páginas.
Não sei de qualquer coluna que seja tão poderosa nos dias de hoje. Nenhuma série, talvez algum capítulo especial de novela. Sozinhas, as garotas do Alceu vestiam o Brasil, como a Globo veste hoje. Nas praças, nos coretos, nos teatros, na cidade.
Não vou falar sobre o eclético Alceu Pena.
Quem estiver interessado leia os livros, (bem pequenos) e se souber de outros ou outras teses mande me contar, por favor
Vamos garotas! Alceu Penna/Gabriela Ordones Penna- 1938 a 1957. Editora Anna Blume
Alceu Penna as garotas do Brasil 1933 a 1975 Gonçalo Junior Editora Amarilys
Eram duas páginas ou até mais, de vez em quando, da revista O Cruzeiro, quase a única revista semanal que tínhamos. Alceo ilustrou suas garotas de 1938 e 1957 . Durante um certo tempo os textos foram de Millor Fernandes.
As garotas liam a matéria, é claro, mas os rapazes também. Por que? As meninas era lindas, engraçadas e sexy. Aparentemente bem superficiais, eram lidas não como um manifesto da mulher que se modernizava mas como uma coluna interessante e divertida. As mulheres tinham narizes arrebitados, eram atrevidas e insinuantes, queriam se casar e aprender a cozinhar, apesar de toda a modernidade. Na verdade eram a Emilia de Monteiro Lobato que havia crescido e mudado para o Rio de Janeiro. Tinham atitude e diziam o que queriam.
O cenário era o Rio de então, ensolarado, cheio de paz, onde estavam as “celebridades”, raínhas do rádio e depois da TV.
No século XX começava a existir e a aparecer a juventude. Os brotos, de óculos gatinho e rabo de cavalo.
Sociedade conservadora, classe média e elite, bem longe dos reais problemas brasileiros.
Com as meninas querendo botar as manguinhas de fora. Era a mulher-transição.
E o que fazia ela? Ia à praia, tomava lanche na Colombo, paquerava, gostava de carnaval, de festas juninas.
E se vestia com a maior graça.
Querem ser como as americanas, pois mais tarde serão donas de casa exemplares, influenciadas pelos filmes que inundavam o mercado. Coca-cola, chicletes, cinema. E as garotas ainda não se preocupavam muito com suas carreiras. Queriam casar com rapaz rico. E tudo que se passava no Rio era divertido. Pouco trânsito, belas praias quase vazias. Pele bronzeada, mas não negra. Os homens tinham topete e usavam Glostora, as mulheres óculos gatinho até sem grau. (Eu me lembro que quando usava os óculos, dos quais não precisava, ficava surda, e por causa da surdez meio desequilibrada. Tive que desistir.)
AS primeiras pin ups brasileiras começavam a ter vontades.Não adoravam os trabalhos caseiros e sempre maliciosas comentavam tudo isso com muita graça. Em 1956 um dos livros acima mostra uma edição onde as meninas queriam trocar de lugar com os homens. Queriam ler e deixar que eles lavassem e enxugassem a louça. Para tranformá-los em bons maridos, muito fácil. Só algumas gotas da velha arte culinária, pois vocês sabem, garotas, que o peixe morre é pela boca.
Muitas vezes a identidade da mulher é mostrada com atividades ligadas à cozinha. Uma moça disposta a conseguir um bom marido deve mostrar como é prendada. É o homem que quer vê-la assim e ela se molda aos desejos dele. Já que ele a quer cozinheira, ela o olha de esguelha, vê se a está observando e coloca uma comidinha na sua boca,mostrando que pode satisfazer a seus caprichos. Mas, mesmo cozinhando estão sempre lindas e bem arrumadas e maquiadas. (assim como as americanas que esperavam os maridos, no subúrbio, loiras, loiras, cabelo lavado com Clairol, aventais de florezinhas e sapatos altos.)
Uma outra lida com macarrão e murmura que aquele pau de macarrão só servia para acabar com as brigas e que fazer massa era um terror de chatice.
As garotas passaram por mais de duas gerações. Na primeira ainda se ligavam a algumas coisas francesas, a Paris e algumas bugigangas e cortes de cabelo e roupas finas. Aos poucos vão se americanizando, seu guarda roupa serve para todas as brasileiras, usam short, calças compridas, macacões curtos, são esbeltas e desejáveis. Alceu era um estilista e tanto e no carnaval todas as garotas de verdade iam procurar seus modelos de fantasia nas garotas dele.
Qual a comida que deveriam fazer para agarrar seus maridos? Tenders e frutas, perus recheados de farofa e fios de ovos à volta, salada Waldorf, batatas com maionesse e maçã, sopa de ervilhas com creme de leite.
A Colombo e o Copacabana Palace são lugares para se ir. Nos casamentos era de bom tom um faisão com pena e tudo e cascatas de camarões. Ainda existiam as empadinhas, as coxinhas de galinha, os rissoles, os pudins e as gelatinas de cores variadas. As garotas não engordavam porque comiam pouco e se cuidavam muito. Atenção, meninos e meninas, estas garotas foram suas avós e suas mães, e quem fez pela primeira vez aquele pavê e o brigadeiro de panela foi uma garota do Alceu.
Nina, que crônica deliciosa! E as ilustrações, então! Quando pequena eu tinha acesso a revistas americanas da Sears, onde se vendia pelo correio (!) de motores de barcos a vestidos de seda. Adorava ver as fotos das modelos com seus vestidos chiquéssimos, chapéus, luvas e óculos gatinhos. Sua crônica me trouxe a lembrança da revista Cruzeiro e também das modelos da Sears. Obrigada.
Denise, eu adorava estas garotas. Não sei desenhar nada, mas ficava procurando copiar o nariz arrebitado delas. Não é engraçado pensar que só tínhamos O CRUZEIRO. Depois Fatos e Fotos, e tinha que aproveitar aquilo porque senão…. não tinha nada.