Você tem medo de barata?
10/03/12 00:54Rumei para o ensaio de uma festa. O que é um ensaio? É um simulacro do que vai acontecer no dia seguinte. Não há ensaios da noiva entrando na igreja, provas do vestido,
da música, do show, por que não haveria um ensaio de almoço de gala? Afinal, até o presidente da República é capaz de vir, prometeram e desprometeram, mas nunca se sabe
com certeza absoluta. O senador vem.
Tudo feito para evitar imprevistos.Por mais cedo que se chegue estamos sujeitos a surpresas. Afinal são detalhes demais, flores demais, vasilhas demais para caber em mesas e aparadores de laca cor de vinho. E tem que dar tempo, tempo, tempo… É melhor deixar algumas coisas prontas ou ensaiar para que tudo corra bem. Chegamos desavisadas. O apartamento é daquelas fortalezas dos Jardins em que os porteiros não estão lá para facilitar a sua entrada como seria de se prever. Estão lá para desconfiar que um terrorista dos piores acabou de chegar disfarçado de D. Benta.. Eles governam seus mundinhos dentro de gaiolas. Primeira gaiola, segunda gaiola, corredor estreito fechado, tomam nota do seu CIC com o cenho apertado mordendo a ponta da caneta BIC.
E depois de muito esperar para desembaraçar o material do buffet, que também é suspeito, afinal com aquela quantidade de facas, era de e esperar.Quase não sobra tempo para o ensaio.
A idéia é que a comida seja brasileira, com uns toques muito delicados de outras terras, mas as flores são todas do Midi, Lavanda, e não a lavanda que já temos aqui, não. Veio cheirosinha, de avião, morta de medo. E mais flores de alcachofra de um roxo profundo. Vamos convir que os arranjos são perfeitos.
E estendemos as esteiras de bananeira que vão chocar, “épater”, fazer a diferença, a casa tão transada, tão cheia de objetos nobre, chic, chic.. As paredes recobertas de quadros de museu, e as esteiras artesanais, vindas do Norte, novinhas em folha, ainda sem abrir, amarradas por um fio de junco.
E aí, então, pasmem. Uma barata aponta as antenas de dentro da esteira. Feia. É do Pará, grande, com asas, cascuda, brasileira.
É melhor não dar bandeira, qualquer barulho pode trazer os donos da casa. Ninguém entenderia como aquela barata apareceu ali, no mais dedetizado dos lugares. Ela para, estupefata, mais assustada que nós, saída do calor das folhas secas, e de repente toda aquela informação nova, é Versailles, é Paris. aquele mármore branco e preto e o chão gelado. Pôs-se a andar como se tivesse medo de escorregar, sentindo perigo e foi saindo, confusa, destramelada, procurando um buraco escuro e quente.
Nós, a donas da barata, mudas, bico fechado, imóveis. Pode ser o fim da carreira de estilistas de mesa. . E ela foi indo, indo, quase pairando de tão leve, até chegar na maciez da lã, o veludo do persa.
Amanhã vamos ter gazpachos com frutas brasileiras, um peixe amazônico com tapioca de azeitonas, sopa de cambuquira, lulas sin su tinta, amuse-gueules de todas as espécies, de canapés a pirulitos de parmesão circulando pela sala.
Os garçons com dólmãs brancos, irrepreensíveis, uma das mãos para trás servindo champagne francesa a rodo. As mulheres rebrilhando, furta-cores, os sapatos com seus saltos inacreditáveis, também alí, pousados nos tapetes, os decotes generosos, a bolsa de grife, o brilho recôndito dos anéis.
Mas, nós sabemos, nós, as donas dela sabemos, que a barata está lá, rente ao vaso Gallé. A barata está lá, espreitando a sua hora, ainda muda de espanto. Hospedada na casa do banqueiro, oiweh!
Estou lendo todos seus textos e me deliciando… rs… fica calma que a barata deve ter tido um fim digno… antes morta no persa do que viva no mato… rs ah eu fiz uma receitinha sua das batatas doce com sal grosso… divinas… parabéns baby
Deliciosa, a crônica e, quem sabe, a barata.
Beto, nem quero pensar que alguém tenha achado essa barata. Por sinal, verdade, a dona da casa nunca mais nos chamou.
nina, sua maluca! que delícia de post mais revolucionário!
Ah, nunca pensou em ver uma barata num post de comida. Faz outra festa que prometo que vai ser ótima e sem barata, só “baratinha” de preço, ok?