Paraty
10/03/12 01:36Na minha coluna da Folha escrevo demais sobre Paraty, há vinte e tantos anos, dizendo que é o lugar mais bonito do mundo. E é. Apresento o sítio, aqui, em fotos meio velhas. Entre o mar e o mato escolho o mar. É uma emoção forte estar no meio daquela água toda, dona do mundo, excesso de generosidade de um Deus desconhecido. Só para nós? Tanto peixe, tanta onda, tanto azul, sem contar as nuvens que se fantasiam em nosso benefício. Custo a acreditar.
Fotos Dina Kaufman
Os golfinhos são imprevisíveis, nunca nos acostumamos com eles, aparecem aqui e ali, se escondem, correm, somem, aparecem de novo,
querem mesmo é nos tourear numa brincadeira de peixe grande.
Fotos Silvio Horta
Só uma vez por ano essa ilhota se enche de pássaros que ao menor sobressalto voam, deixando para trás toneladas de cocô branco.
A mistura de mar e passarinho para mim é fatal. Acho que as duas coisas que mais gosto, mar e passarinho. Só, sem essa quantidade de cocô.
Uma vez dei o resto da minha barrinha de cereais para eles e não comeram.
A maior esnobada.
A terra
A chegada ao sítio é por aqui, morro abaixo.. O jequitibá é o que há dá nome ao sítio. As vacas aparam a grama. A casa foi feita pelo Carlos argentino que na metade deixou tudo nas mãos de Silvio (não tínhamos luz, tudo feito a mão) e foi levar as filhas a passeio por sua terra para que soubessem o que era uma greve, já que no Brasil não havia greves na época.. Passamos um aperto, mas as meninas dele cresceram em sabedoria e nós em idade. Voltou ainda a tempo de acabar a casa que parece grande por fora mas é uma espécie de cabana com uma grande sala e a cozinha e os quartos, sem armários, tudo no maior ascetismo. Depois de negociar pela estrada (a cavaleiro de Paraty) é um certo alívio enxergar a casa por entre os paus da porteira.
Fotos Silvio Horta
O cheiro que me sobe ao nariz ao ver estas fotos é o de manjericão e citronela.
De vez em quando há uns micos curiosos espiando a chegada dos intrusos.
Preciso achar uma foto com as primaveras em flor.
São oito portas da frente pois já que tínhamos oito como desperdiçar?
Casa feita à mão, não havia luz na época. As madeiras são de Redenção da Serra (?), não tenho certeza, cidade que virou represa.
As redes devem ter uns quinze anos. Quando a falta de assunto é grande é bom remendá-las, refazer o macramé.
Se todos não estiverem muito ocupados fazendo fuxico, o trabalho manual preferido em Paraty.
Boa bagunça. Às vezes faz frio aqui. Gostoso tomar à noite um caldo quente de siris com caldo de milho verde. É uma sopa combinadíssima.Mas é bom não oferecer milho cozido aos nativos da terra. Numa Ciranda que dançaram lá em casa comentaram da estranheza de se comer milho cozido, milho é coisa que se dá aos animais, comentou um deles.
O Sítio do Jequitibá. Aqui ele não parece tão velho quanto é.
Fotos: Dina Kaufman
A casinha menor é a casa de farinha, uma preciosidade, sem faltar uma engrenagem que seja.Só o forno está rachando.
Época das pimentas, como adoro pimenta. Tem um pezinho que se enfia para dentro da janela da cozinha, e que renasce todo ano naquele lugar, Não sei o nome, chamamos de pimenta de passarinho, acho a maior benção cozinhar com uma safra de pimentinhas ardidas à mão.
O jambo
O jambo é branco, não tem muito gosto, mas vai bem em saladas, ou com qualquer comida por ser neutro, crocante e fresco. Em compensação quando o chão fica assim, ele é perdoado por ser insosso. Bem na frente dele tem um caquizeiro.Descobri que o caqui duro vai muito bem com presunto cru. Substitui com graça os figos e melão.
Foto Arnaldo Pappalardo
As pedras para chegar até ela.
Foto Arnaldo Pappalardo
Os patos. Tem coisa mais bonita que pato?
Foto Arnaldo Pappalardo
O limão
Foto Arnaldo Pappalardo
Depois de pescar as sororocas é só tirar o filés do jeito que der, limão, sal e pimenta, cinco minutos e temos o peixe mais saboroso que existe. A sororoca recém pescada tem um sabor que vai sumindo com o tempo.
Numa das ilhas há um prato que não me parece muito brasileiro, mas pra lá de bom. Uma tijela bem pequena, individual, de barro, que aguenta calor. Dentro dela uma pimenta vermelha, um alho descascado e um camarão com casca e tudo. Sal, pouquinho. Derrama-se azeite quente por cima. Cinco minutos e já se pode comer molhando pão no azeite que tomou o gosto da pimenta, do alho e do camarão. Um camarãozão só, rende!!!!
Durante anos, justamente na época da redescoberta da cozinha no mundo fiz o que havia de mais caipira. Levava um jipe cheio de berinjelas, de queijo, de pães e me matava com as receitas mais esquisitas que eu achava, ou as mais estrangeiras. Uma única vez que não levei nada a cidade alagou e passamos alguns dias encarapitados no morro. Minha mãe nos salvou com couves, taiobas, palmitos, ovos,feijão, milho, galinhas, flores, diz minha filha que nunca comeu tanta flor na vida. E meu marido afinal conseguiu descer e voltou feliz com a compra dele. Farinha!!!!!!!A única coisa que tínhamos de montão. Não sentimos a menor falta de outros ingredientes. Meio que aprendi. Mas, também sei que alguém muito urbano, criado na cidade não vira entendido de roça nem numa vida. Uma pena.
A árvore de fruta pão é linda, tem uma na Santa Casa de Paraty. Lá no sítio a Sandra faz de todos os jeitos, cozida, frita, mingau, é uma fruta pão mesmo!
Outra coisa que todo mundo se mata de comer é camarão lixo, ou sete barbas, frito com casca. Não há o que chegue. Há algum tempo os pescadores vendiam em alto mar, era só fazer uma sacola com a canga e encher de camarões vivos. Pedir a eles um pouco de gelo e voltar correndo para o sítio. Comilança braba.
Já ia me esquecendo das bananas. Temos um bananal que já foi muito bem cuidado, hoje não sei como anda, tenho medo de ir lá por causa de cobras. A bananinha ouro é a melhor do mundo, mas não tem muita. A maioria é prata, saborosíssima.
Nesta época a mexerica do Rio é raínha. Suco de mexerica no café da manhã, mexerica o dia inteiro, e um pequeno pato, mal cruzando as asas feito com caldo dela, pingado devagar, no fogão a lenha, não tem rival.
Uma vez levei uns caseiros de Ubatuba para lá para ver o que achavam do lugar, se gostariam de ficar, etc. Logo de manhãzinha, abrimos a janela da cozinha que dava para uns canteiros mirrados de salsa e muito manjericão. Ele suspirou e falou:”Ah, o que diria Bocuse!” Vi imediatamente que não daria certo. Muito chic para tal terreiro.
Sabem o que dá muito bem lá? Pimenta-do-reino. Verde, fica o máximo assada junto com uma galinha.
O que tem demais é poivre rose, vulgo pimenta-rosa, vulgo aroeira, nome científico, schinus molle. Me dou ao trabalho de explicar tudo porque já levei uma mudinha para Paraty, maior das vergonhas. Lá temos praias cercadas por aroeiras, da mesma que se vende aos potinhos na Fauchon! Não gosto muito dela, acho indigesta.
Coisa de que nos orgulhamos é não ter piscina e nem aperitivo antes do almoço. Acho que os aperitivos vão muito bem com piscina, mas não com cachoeira e roça. A fome bate brava, acaba-se a comida na hora e fim de papo. Direto ao que interessa.
Moral da história é que os amigos precisam ser convidados a dedo, senão detestam. Paraty não é fácil, nada é fácil lá, todo divertimento acarreta um certo esforço. Pedras escorregadias para se chegar a uma cachoeira, um bom pedaço de mar para se nadar e alcançar uma ilha com mandioquinha frita. Sol a pino no pier para tomar o barco. E caminhar pelas ruas o mais difícil dos esportes.Se der muita preguiça a história é olhar de longe tomando água de coco.
Depois arranjo umas fotos melhores da cidade mesmo. À medida que fui postando foi me dando uma boa saudade. Há um tempão que não vou lá. E tive vergonha de mostrar a cozinha. Tem um galo enorme, daqueles de cerâmica, entre brega e lindo, panelas ótimas de todos os feitios, um fogão profissional central (que não anda muito bom das pernas, mas só de pensar de chegar lá com outro dá uma preguiça enorme. Tudo é difícil, instalar, funcionar, caber no mesmo lugar sem ter que arrancar os ladrilhos hidráulicos do chão do chão, que não devem existir mais.) Mas, a vergonha é por causa do excesso de tralha, vou achar uma foto bem distinta para ser mostrada em blog e estão todos convidados, ok?
Oi Nina!!!
finalmente estou em Paraty … tens alguma intenção de vires para cá? A cidade está molhada com a chuva mas mesmo assim tá uma delícia … eu ia trabalhar no museu mas a coisa tá meio enrolada .. estou desocupada por enquanto. Se vieres podemos nos encontrar … beijos
Eliane
Adorei … vou para Paraty em maio … Nenhuma possibilidade de ires para lá???? Gostaria de explorar algumas coisas que sugeristes no texto e conhecer melhor o lugar.
Te escrevo depois para explicar melhor.
Eu adoraria dar um pulo lá em maio, é a época mais bonita. Depende do número de festas na Ginger…Quero saber o que vc faz lá. Só balança na rede? Beijos, Nina
Nina: como assim, não vai lá um tempão? Você não aproveita uma beleza dessas?
Lindo sítio e lindas fotos.
Quero ir ja!!!Que delicia de lugar,me deu vontade de tudo!!Vc Nina,sabe como pegar lá no intimo suas delicias e fazer nossas!!!
Nina, seu sítio me deu uma invejinha boa… Parece o lugar mais agradável do mundo! E ainda fica em Paraty… Delícia!
Rachel, até eu tenho uma invejinha boa de mim mesma, quando não achava tudo longe, quando gostava de mosquito e trabalheira de sítio. Hoje, me protejo. Vá lá quando quiser, é só me avisar. Volte, beijos.
Nina, que lindo! vou sonhar com esse caldo de siri, meu fruto do mar favorito, e a tigelinha de camarão. Senti o cheiro de protetor solar fator 30, boné e o sol machucando o olho.
Oi, Dênis, volte sempre, eu sinto cheiro do camarão no azeite, do mar, (não é cheiro de maresia, Paraty não tem), e MUITO, MUITO CHEIRO de Autan e OFF.
Que maravilha! A natureza é linda assim como são lindos os olhos de quem vê e aprecia o que a natureza generosa oferece. Amo Paraty e esta apresentação é belíssima.
Oi, Clara, que bom que gostou. Paraty pode ser lindo, mesmo.
começando a leitura imensa emoção: ela veio! está entre nós! bem, alarme falso, mas a emoção permanece no gosto por ver as tralhas úteis e à mão na promessa das fotos da cozinha.
delicia de inicinho de domingo com minha historiadora cultural gastronômica preferida + minha cidade preferida, juntas!
Jura, Maria Luiza, vou também gosta de Paraty. Estou até pensando em passar um tempo lá. Achei que não voltaria mais, mas está me dando uma coceirinha….
Adorei ver Paraty sob sua ótica, Nina.
Acho que Paraty é a mesma coisa para todas as óticas. Não dá para achar feio, é o lugar mais bonito do mundo….
detestam? quem????
Nina, vou sempre a Paraty e ler sua crônica é ver e sentir a cidade. Aprendi, com o correr do tempo, a comprar o que vou consumir quando chego. Os legumes e verduras do produtor rural, o peixe recém-pescado, as bananas do senhor que as vende em um carrinho de mão, a feira agroecológica que acontece no Mercado do Peixe quinzenalmente, o jambo da rua de trás, a goiaba da rua da frente, a flor de abóbora no caminho pro Jabaquara…Paraty é este encantamento, é a visão da montanha e do mar. Amo Paraty, como você, e gostaria muito de encontrá-la um dia! Volte para lá, seu sítio precisa da sua presença!
Um grande beijo, da paulistana muito paratiense!!!
Eduarda, estou com uma coceirinha de ir aí visitar. Mas, com todo amor, Paraty é um lugar difícil para velhos. A não ser para ficar sentada na praça da Matriz, urubuservando. Mas, até isso vale, não é?