Nina HortaVersão impressa – Nina Horta http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br Mon, 23 Feb 2015 22:38:54 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Panelas para tudo http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2014/09/17/panelas-para-tudo/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2014/09/17/panelas-para-tudo/#comments Wed, 17 Sep 2014 05:00:07 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1659 Continue lendo →]]> Mona Dorf, recebi seus e-mails, sim, pedindo ajuda para comprar as panelas mais adequadas. E bem para quem foi perguntar! “Embarras de richesses!” Posso escrever um livro sobre panelas. Panelas para o sítio, panelas para a casa, panelas para nada, panelas, panelas.

No meio do panelório tenho quatro escondidas. Só minhas. Não sei a marca, parecem um alumínio fortíssimo, são leves, não esquentam o cabo, italianas. Cheguei a um apartamento em Nova York, um flat, moça ainda, louca para ficar lá um mês cozinhando para o marido. Fui até a Hammacher Schlemmer e comprei uma frigideira, um caldeirãozinho e duas panelas normais, uma mais baixa com asas e uma de cabo.

Só me lembro, com remorso intenso, da cara que Silvio fez quando cheguei. “Mas, Nina, estas panelas foram mais caras que toda a viagem!” O que não imaginávamos é que estariam como novas quase 40 anos depois.

Pois é, vai receber uma resposta diferente de cada pessoa a que perguntar. Por que a panela depende do cozinheiro. Quem vai cozinhar, você? Para usar todo dia, para alguém que não está cozinhando com muito carinho, as panelas melhores são as simples, de alumínio, as mais baratas. Elas amassam, ficam velhas e trocamos. Mas são boas e frequentemente nos apaixonamos por uma delas, de tampa e fundo tortos.

Jogaram fora uma panela amassada na qual minha mãe fazia um bacalhau e, pronto, nunca mais acertamos: o peixe solta água, a batata cozinha mal. A sabedoria estava na panela. As de cobre são lindas, as que melhor conduzem o calor, mas pesadas e de difícil manutenção para não azinhavrarem. Pode cozinhar numa comum, bem horrorosa, e levar à mesa na de cobre, daquelas grossas e caras de matar, para impressionar as visitas e segurar o calor, também.

Atualmente, aqui em casa servimos a comida na panela. Então tem de ser bonita. Como somos pouquíssimos, usamos as muito pequenas –prefiro as de ferro. São finlandesas, desenho simples e lindo (compradas na feira escandinava, no clube Pinheiros, sempre em novembro). Lá na feira havia o que há de bom, de melhor, o último grito em panelas. Caras. Encaixadas uma na outra, que não tomam espaço, leves.

O problema com as de ferro brasileiras é que enferrujam com facilidade, precisam ser bem tratadas, muito bem secas. Minha filha prefere as de barro, pretinhas também, ótimas.

No século 20 apareceram aquelas maravilhosas, Le Creuset, esmaltadas, e que cores estonteantes! Pesadas, e se a comida queima e gruda nelas, o que é comum, podem ficar horríveis. Cuidado para não lascar. E há as de vidro, interessantes, teve uma modinha delas, mas para cozinha brasileira que gosta de refogar tudo antes, a cebola, o alho, não são as ideais. Boas para ferver, não para refogar.

Não existe a panela ideal. Esquece. Elas se tornam as nossas preferidas morando na nossa casa, cozinhando nossas comidas, tendo seus dias de mau ou bom humor, queimando o molho, acertando a carne assada. Nós é que “construímos” nossas panelas. É como casamento, pode ou não dar certo.

Palpite para leitura: “Pense no Garfo!” (Zahar, 344 págs., R$ 54,90), de Bee Wilson.

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Formas do gelo http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2014/03/19/formas-do-gelo/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2014/03/19/formas-do-gelo/#comments Wed, 19 Mar 2014 06:00:24 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1414 Continue lendo →]]> São perigosas as esculturas de gelo: podem ser kitsches demais. Mas quando feitas por um artista não pode existir coisa mais bonita. Costumávamos fazer as vasilhas grandes, de gelo, para ostras, frutos do mar. Sempre com um paninho escondido debaixo do avental para secar eventuais pocinhas de água. O gelo custa a derreter e tem alguma coisa misteriosa e pura que é imbatível no drama da mesa de um bufê.  Quando é lindo, é claro. Quando é um cisne de pescoço torto, ui, ui, ui.

Tínhamos um senhor que trabalhava para nós, intuitivamente tailandês, que transformava melancias em ogros, rabanetes em joias e era obedecido pelo gelo, humildemente. Mas se americanizou, progrediu, começou a usar um tipo de trançado de ferro com um reservatório para a água derretida dos faisões alçando voo, que podiam pingar à vontade que a água caia na tal gaveta. Daí o feio era a geringonça que matava qualquer delírio artístico com sua funcionalidade.

Num país tropical, o gelo impressiona muito mais. Não há criança que tenha pegado o fim dos anos 40 com caminhões que deixavam quadrados de gelo sobre os muros, diariamente, que não se lembre da emoção das manhãs, com o gelo ao sol, granítico, silencioso, duro, brilhante, morto, pousado na paisagem. De repente o sol brilhava sobre ele, que se espatifava em facetas diferentes.

E a vontade, quantas vezes realizada, de estourar a pedra em pedaços no chão, junto dos tatus-bolinha, dos tufos de buxo de cerca, da espada de são Jorge, multiplicando a pedra em centenas de efeitos de luz. E no frio de junho, saía um vapor das bocas das crianças acocoradas junto ao gelo sonhando com o mundo de onde ele viera.

E daí o anticlímax quando eram aprisionadas nuns panos de prato para não queimarem as mãos e colocados na cozinha, na geladeira baixa, cotó, azul, com um compartimento de zinco ondeado para o gelo. Um cheiro de lata se elevava perfurando o cérebro.

Daí perdia a mágica, conservava as carnes, os peixes, até que no dia seguinte voltava a reinar com sua graça no Jardim América. Acredito que acontecia o mesmo em todos os bairros. E as mães se especializavam em sorvetes, granitas, musses, pavês.

Agora, com o calorão, o sorvete está cada dia mais cotado. No Nordeste, com aquelas sorveterias mil sabores, a concorrência não sabe mais o que inventar. Numa delas escolhem-se os sabores que são colocados numa pedra individual de mármore gelada e misturados ali, na frente do cliente, produzindo o sorvete customizado, com o nome de quem o inventou. Bom para bufê, também, os movimentos mágicos de picar o sorvete geladíssimo, misturá-lo com farofas e caldas.

Na Inglaterra, Bompas & Parr, dois rapazes bem malucos, alcançaram o máximo de sua glória com as suas gelatinas, gelos e formas. Entrem no Google, já existem dois livros deles, “Feasting” e “Jelly”, são exageradíssimos, mas podemos tirar ideias e as formas que vendem não têm iguais. Mas nem chegam perto dos antigos quadradões de gelo ao luar.

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Sobre fubás e memórias http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/11/27/sobre-fubas-e-memorias/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/11/27/sobre-fubas-e-memorias/#comments Wed, 27 Nov 2013 05:02:42 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1300 Continue lendo →]]> Surpresas fora de hora. Hoje, no café da manhã, pousavam na cestinha uns pães pequenos de fubá. Uma visita simpática os trouxera, de manhãzinha, e, pra meu regalo, pude comê-los, macios e delicados, trazidos da padaria Barcelona. O fubá não faz parte da minha culinária, ou melhor, das coisas que fazemos no bufê ou que comemos aqui em casa. Muito pouco. Em compensação, tem muita polenta de semolina. Em Roma, como os romanos.

Já não era o caso das coisas raras que minha mãe, que era mineira, fazia. Por exemplo, farinha de cachorro. Também, era uma vez na vida outra  na morte.

Acho que experimentei pela primeira vez quando ela resolveu agradar meu irmão que morava em Londres e estava de visita aqui. E a tal farinha nada mais é do que pedacinhos mínimos de gordura de porco com um tanto de carne grudada, defumada ou não.

Pois bem, o fubá comum na panela misturado com o porco. E mexe, e mexe, e mexe que não tem fim. Acho que o segredo é esse, sem dúvida, ficar uns 40 minutos sem deixar queimar e a coisa vai se transformando, vai absorvendo a gordura do porco, a carne quase desaparece, no fim são pequenos pontos mais escuros no dourado do fubá. É de comer às colheradas, mas a ideia mesmo é que acompanhe o feijão.

Talvez sejam lembranças aumentadas por serem de infância, mas havia também o chá de fubá. Esse jamais vi em qualquer livro de receitas ou descrito por velhos caquéticos e saudosos. É para pessoas que tiveram qualquer problema de estômago e que estão fracas, sem poder ouvir falar em comida.

Ela misturava uma colher de chá de fubá em uma panelinha de água, com uma boa pitada de açúcar e outra de sal. E daí, o mesmo mexe-mexe sem fim. O fubá tem que cozinhar muito. O resultado é uma bebida quente, que não é doce nem salgada e que, apesar de líquida e pastosa, tem uma textura granulada lá longe, suave, e que conserta qualquer apetite desanimado. Tomar às colherinhas.

Peixinhos e quiabos fritos empanados em fubá também são bons.

E claro que, sendo de família mineira, ela fazia angu. E é claro que uma menina chata como eu não queria comer o tal angu com quiabos. Umas duas xícaras de fubá e mais ou menos um litro e um quarto de água. Dissolvia o fubá na água fria, levava ao fogo baixo e colher de pau para mexer, mexer, a mesma técnica. Até ferver. Depois de fervido, mexer só de vez em quando.

Quando começava a soltar do fundo da panela, estava bom, o que levava cerca de 40 minutos a uma hora. Não é bom secar demais. Despejava em forma de pudim molhada, aquelas de buraco no meio. Deixava esfriar e desenformava. Aveludado e brilhante, atenção a esses detalhes. Bom, só fui experimentar uns 40 anos depois, com galinha ensopada e quiabos, e choro pelo tempo perdido. De vez em quando, faço, mas, acreditem, no micro-ondas. Seja o que Deus quiser.

E mingau de fubá, já ia me esquecendo! Com um quadradinho de manteiga no centro. E uma amiga me deu um dia a receita da bisavó. Cuscuz doce da bisavó da Celuta. Na correria da vida, nunca provei.

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Menos, chefs, menos http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/11/13/menos-chefs-menos/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/11/13/menos-chefs-menos/#comments Wed, 13 Nov 2013 05:00:47 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1288 Continue lendo →]]> Na última crônica, falei dos garçons americanos de dois restaurantes, o Union Square Café e o Gramercy Tavern, encantada com o serviço excepcional que o dono exige. Ser garçom lá é um privilégio que entra para o currículo com três estrelas brilhando. Sei que isso não existe sem treinamento, muito falatório e grau de tolerância zero.

Vamos então aos cozinheiros. Quando a comida é muito boa, a nova apresentação minimalista do menu-degustação não me apoquenta nem um pouco —apesar de me dar conta de que isso é um problema de grandes cidades e de uma pequena parcela do público comedor.

Todo mundo gosta de prato bonito e bem apresentado. Mas… A comida tem que ser o máximo. Senão já vai enjoando —aquele mesmo pedacinho de peixe, com um pouquinho de cinza, um risco de musgo e um arroz da ilha do Pagode. Vira afetação. Nunca a espada de Dâmocles tremeu tanto sobre a cabeça dos cozinheiros. (Coisa antiga essa espada de Dâmocles, vício de linguagem, vai se falando sem saber muito bem o que é. Uma espada que ameaça cair ao menor desvio na cabeça do chef.)

Às vezes, fico desejando que caia. Lembro muito bem do tempo em que o chef Laurent fez de sua vida a missão de levantar o status do cozinheiro. Nunca se viu tanto concurso, tanta nota, tanta observação. Nós, os jurados, já nos arrastávamos, era como um desfile de escola de samba com notas para todos os quesitos como, higiene, apresentação pessoal, tempo, ordem e sabor, e prêmios que valiam a pena, como viagens a Paris.

Ele conseguiu o que queria. O cozinheiro brasileiro mudou. De cara, pelo menos. Limpo, toque na cabeça, ideias, nem tanto; poucos os bons e muitos os convencidos de que são bons. E como podem ser arrogantes! O que não precisa incomodar a ninguém, acontece que isso impede o aprendizado e a melhoria da nossa comida de restaurante.

Os bons chefs de verdade, ao contrário, são de uma humildade sem par. Vivem querendo aprender, se frequentam, não escondem receitas e sabem que nada sabem. E é coisa muito complicada esse estudo, esse ir para a frente? Estamos num momento de técnicas, não são as receitas que mais importam. Queremos saber o motivo do fogo baixo, do fogo alto, das emulsões, das coisas que tomamos por certas sem nunca nos perguntar o porquê.

O interesse pelo ingrediente também cresceu. Conhecendo bem o sabor daquela erva, misturando-a àquele peixe, vamos ter o toque especial que surpreenderá quem come, grato pela pequena novidade —que ele nem percebe bem qual, mas que o faz feliz.

Mas de quando em quando suspeito que os donos de restaurante e os auxiliares de cozinheiros preferiam que eles, chefs (geralmente autonomeados), fossem aqueles ogros de antanho, rudes, desbocados, preparando um panelão de comida que aprenderam com a mãe ou com a avó, sem rebuscamentos.

Que chatice, meu Deus, não consigo mais enfrentar um cozinheiro-sabe-tudo, enjoado, afetado, tremelicante. Por favor, mestres-cucas, deixem cair a máscara da face. Ao estudo! Falta muito tutano para poderem arrebitar esse nariz e empinar essa bundinha xadrez. Menos, por favor, menos.

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Gente genuinamente alegre http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/11/06/gente-genuinamente-alegre/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/11/06/gente-genuinamente-alegre/#comments Wed, 06 Nov 2013 05:00:51 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1284 Continue lendo →]]> Existe um livro do Danny Meyer que se chama “Setting the Table” (pondo a mesa) que comprei de burra, achando que eram arranjos de mesa, novidades. Era a filosofia dele que explicava o sucesso do Union Square Cafe, de Nova York. Excelente livro, ótimo para donos de restaurantes. É bem escrito e de muita utilidade para nós, donos de bufês, mostrando cada passo que Danny Meyer tomou para formar seu grupo de casas de ótimo nível.

Na realidade, todo “restaurateur” tem um blá-blá-blá qualquer para explicar seu sucesso. O Danny Meyer culpa o seu sucesso ao grau de hospitalidade que aprendeu a usar e a passar para seus empregados.

Pode parecer estranho, mas em toda a minha vida nunca me senti tão bem acolhida como no Union Square Café —e olhe que sempre sou bem acolhida em restaurantes. Estava com meus netos e nem sei aonde havíamos ido, provavelmente eu os arrastara pela feirinha de frente para o restaurante a manhã inteira.

Sabe aquela sensação desagradável, de sacola na mão de onde provavelmente brotava qualquer planta fresca e nova, e os três cansados; nada daquele esplendor pós-banho que um restaurante tão chique merecia? E, na porta, perguntei timidamente a um belo garçom que olhava o movimento da rua se eram admitidas crianças. Antes que eu acabasse de falar, ele já havia carregado um deles nas alturas e, dando risada, disse que entrariam se tomassem montes de caipirinhas bem brasileiras. Perguntou onde preferíamos almoçar, no bar ou no salão, sempre com uma risada, um carinho genuíno nos olhos, que oito anos depois ainda consigo lembrar. Uma coisa natural, como se fosse o dono admitindo no seu restaurante querido pessoas muito amigas.

Como esse Danny Meyer consegue transformar o poder da hospitalidade em negócios me faz babar de inveja. O conceito dele é radical. Combinar os elementos de comida boa e fina com serviço ótimo e descontraído. Além de tudo, é perfeccionista e não para de aperfeiçoar esse conceito em todas as suas casas. E o pessoal que trabalha lá precisa comungar com a ideia dele.

Mas como ele consegue contratar gente genuinamente alegre, otimista? E ainda recomeça a pensar que não basta ser hospitaleiro com o cliente, que é preciso ser hospitaleiro com o pessoal que trabalha, com o sócio, com a comunidade, com os fornecedores. Contratar gente boa sempre foi seu primeiro passo.

Os garçons e ajudantes de cozinheiros contratados devem ter calor otimista —verdadeira caridade, preocupação com o outro; inteligência  —não esperteza, e sim inteligência, uma curiosidade insaciável; uma tendência a fazer o melhor possível em tudo que fizer; empatia —saber como os outros estão se sentindo e como suas ações podem influir nisso; autoconsciência e integridade, vontade de fazer a coisa certa com honestidade e discernimento.

O  pessoal tem que ser alegre, feliz, bondoso, amigo. Tem que ter uma chama que aparece por fora. A vontade de ser o melhor no campo que escolheu. De preferência deve ter mais que um campo de interesse.

Não é fácil conseguir aqui tanta alegria de viver. Vamos atrás dela.

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Diversificar, palavra de ordem http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/30/diversificar-palavra-de-ordem/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/30/diversificar-palavra-de-ordem/#comments Wed, 30 Oct 2013 05:03:33 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1280 Continue lendo →]]> Já repararam que todo artista que é entrevistado sobre sua peça de teatro diz que está bombando, casa cheia todo dia, é para corrermos lá antes de perder uma obra prima daquelas. É que sabem, espertos, que se se apresentarem desanimados, comentando que é difícil encher uma casa mesmo de quinta a domingo, todos ficariam ressabiados achando que o espetáculo não deve ser lá grande coisa. Sutilezas do marketing. E convenhamos que, se todas as salas que vão ao “Programa do Jô” estão repletas, o teatro está num boom jamais visto.

Nos anos 80, quando os homens começaram a cozinhar nos EUA (era a época dos yuppies), não havia mais empregados, as mulheres ganhavam cada dia mais o mercado de trabalho, e foi preciso glamorizar a tarefa da cozinha, pois virou obrigação. E quem quer saber de obrigações? Mais interessantes são os hobbies. Apareceu o “Zagat”, muitos críticos de restaurantes, as cozinhas maiores que as salas, os “inutensílios” do desejo, como o moedor de grão-de-bico.

Agora, para todos os efeitos, não estamos em crise. Ninguém. Experimente perguntar na área dos fornecedores de comida em grande escala, de bufês, por exemplo, como vão os negócios. (É diferente receber 400 pessoas ou ir a um restaurante com a família de dois filhos.)

O interrogado abre um enorme sorriso, anda tudo de vento em popa, a agenda está ocupada até 2020. A mesma tática do ator da peça. Puxa, até a Petrobras e a Amazon perdendo dinheiro e o cara tão feliz! Você, ensimesmado, acha que a crise só bateu na sua porta.

Mas todos nós estamos botando a criatividade pra correr. Abrimos rotisserias, fazemos congelados, damos aula, vamos para a TV, escrevemos livros, inauguramos mercadinhos. Queremos carrinhos de rua.

Ai, o meu eterno sonho, dona de um carrinho desses, de puxar ou empurrar, batendo um sino pequeno para não aumentar os barulhos. O nome já pensei, “o angu da velha”, com um logo simpático.

As pessoas saindo de casa na hora do almoço para comer uma cumbuca… E quando eu me cansasse, pá, batia a tampa do carro e acabou o angu da velha por aquele dia. E iria vendendo franquias e tlim, tlim, o dinheiro se acumulando. Diversificar é a palavra de ordem.

Qual é a moda de comida no mundo? Comida de alma, comida de casa, comida de botequim… Um doidão até proibiu o foie gras. Saíram dez livros sobre conservas. Atenção, conservar! E de presente para você, que é hora de agradar o cliente:

Picles de quiabo: são ótimos, sem baba, picantes, uma delícia com pão preto e um salaminho.

2 kg de quiabos bem tenros (é preciso que sejam mesmo bem macios, pois os velhos são fibrosos demais.); 3/4 de xícara de sal; 8 xícaras de vinagre branco; 1 xícara de água, 10 pimentas frescas, 10 dentes de alho. Lave os quiabos. Deixe os cabinhos para que não soltem gosma. Ponha em vidros, bem apertados. Em cada vidro uma pimenta e um dente de alho. Esquente o vinagre, a água e o sal até ferverem. Se quiser, junte mais tempero, sementes de mostarda e salsão. Despeje o líquido quente sobre o quiabo. Feche o vidro. Deixe ficar por um mês antes de usar. (Será que precisa tanto?)

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Escolher é difícil demais http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/23/escolher-e-dificil-demais/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/23/escolher-e-dificil-demais/#comments Wed, 23 Oct 2013 05:00:57 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1278 Continue lendo →]]> Acho a maioria dos supermercados chatérrima, nunca consegui tirar um prazer cotidiano neles –mea-culpa, a não ser o Santa Luzia, que, já expliquei, foi o único terroir que tive na infância. Mas escutar conversa dos outros, adoro, comentando o que vão ou não comprar.

Parei junto a um casal jovem que escolhia entre um curry mais caro e um mais barato. Seria o mais caro melhor? Ou não? Só diferença de preço? E se fossem diferentes, qual o grau de diferença? Valeria a pena gastar o rico dinheirinho deles numa coisa que nem se percebesse?

Fiquei ali junto, fazendo cara de intrigada com a mercadoria à minha frente, disfarçando passivelmente, achei.

Subitamente, um deles se virou para mim e, me chamando pelo nome, perguntou qual dos dois curries eu levaria.

Senti-me como o Obama flagrado pela presidente, balbuciei e, que papel de anta você faz quando sabe muito sobre uma coisa. Não há respostas definitivas, cortantes e resolvidas em nenhum setor daqueles estudados por você a vida inteira. Tudo é mais ou menos, para ensopados prefiro aquele curry tailandês em pasta, ao mesmo tempo é tão fácil de fazer em casa, por que não bater tal coisa com tal coisa, vai ficar mais fresquinho e diferente, ou não compraria nenhum dos dois, ou compraria os dois e misturaria com coentro fresco na hora, que pratos vão fazer, ah, comprem essa canela e triturem com assa-fétida, onde encontrar, huum.

Louca, louca de pedra, eles só querem saber se esse ou aquele vidro, pare de balbuciar incoerências.

Bom, essa dúvida atroz e esse “depende” dependurado na cabeça como espada me fizeram ir a um programa de rádio e atrapalhar tudo e todos. O pensamento no rádio é puro silêncio (aliás, pensamento é sempre puro silêncio, não só no rádio), e nunca haviam tido um convidado mudo, foi um terror. Não sei qual mercado do Norte ou Nordeste é melhor. Querem saber? Não acho nenhum bom, mas seria politicamente correto responder isso? Dava tempo de responder o que eu achava? Não dá. O que você acha do Neymar no Barcelona? Como não sei nada do Neymar, a resposta “tem um jogo lindo de se ver” vem como raio.

Não me peçam para escolher, escolher é difícil demais. Sei que é para ter uma resposta pronta, mas nunca tenho, achei todos os mercados extremamente pobres, sujos, tristes, com esplendores como peixes, ou ervas, ou palhas douradas, mas no geral, bem, eu diria… É melhor não explicar que achou todos muito pobres, sujos, vejamos o lado bom, o lado poético, as partes positivas, aquele monte de banana, corredores de bananas, a mulher debulhando a ervilha, o pó pra curar males de alma, ah, meu Brasil brasileiro, que pena, que dor.

Mas não pode, tem que falar dos jambus, dos filhotes, do feijão-manteiguinha, do camarão seco, bacuri, cupuaçu, maniçoba, ai, Deus, tão pouco brasileira, respondendo na ponta da língua sobre o escritor mais desconhecido do Brasil, um sobrenome de trava-línguas, Jay McInerney, por exemplo, isso você sabe, não é, sua tonta? E para nomear nossa fauna e flora, um fracasso falante ou mudo. Aí tem coisa, problemão.

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Mercados e mercadinhos http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/16/mercados-e-mercadinhos/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/16/mercados-e-mercadinhos/#comments Wed, 16 Oct 2013 06:00:40 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1270 Continue lendo →]]> Acho que todos na vida já passaram por mudanças de casa, de bairro, de cidade, de país. E com as viravoltas que a vida dá temos de nos acostumar a comprar comida em lugares diferentes. Pouco mudei de casa. Mas, com dois anos de casada, fui para o Rio de Janeiro e tive que deixar, nos anos 60, as ricas feiras de São Paulo pelas feirinhas do Rio. E vocês não podem imaginar a diferença. O Rio de Janeiro custou muito a ter comida para vender, comida fresca, verduras, frutas, era um inferno. (Hoje tem até o Marcos Palmeira com sua fazenda orgânica!)

A feirinha, ali, junto da Aires Saldanha era até divertida. Eu, acostumada, andava  puxando o carrinho de feira e tinha que fazer a mesma compra três vezes, pois os moleques esvaziavam o carro quantas vezes eu o enchesse.

Mas tinha coisas divertidas, uma quantidade de frutas-do-conde, de pinhas, pequenininhas e estourando de doces. E sempre um gringo na esquina, já meio bebum, comendo caqui duro e cortando pedaços com uma faca e oferecendo aos que passavam. Um camarão lixo (sete-barbas) que se comprava de balaiada, terrível de descascar, o ideal era fritá-lo com casca e tudo, e não tinha coisa melhor.

Vi no YouTube a poetisa Sylvia Plath falando sobre a Inglaterra. Ela dizia, entre outras coisas, que havia adorado a ideia de morar no campo e ao mesmo tempo a uma hora de Londres, e o que a fascinava totalmente era o açougue.

Acostumada com corredores brilhantes, músicas de elevador, peitos de frango anódinos embrulhados em plástico, não acreditou quando foi comprar umas costeletas de porco. O quê? Com a sensibilidade exagerada dela, até se desequilibrou. Um porco inteiro enorme, dependurado, meio porco, um terço de porco, sangue, faca, e o açougueiro lá, pronto a ir intuitivamente para o exato lugar onde estava a costela que ela queria! Que gênio!

Aos poucos, foi se acostumando até ela própria saber onde estaria a parte que queria fazer naquele dia. Cozinhava bem a poetisa.

Em Paraty não são muito de mercados nem de mercadinhos. Em compensação, o peixe que se pode levar quando se encontra um barco cercado de gaivotas é inacreditável. Faz-se um nó na ponta da canga, que se transforma numa sacola, e o fundo de rede cheio de criaturas  esquisitas e camarões pequenos vira um caldo ou um pirão inigualável de bom.

E aquele lugar que não tem nada, fim do mundo no Brasil, vendinha ressecada, farinha e feijão, saquinhos de plástico com salgadinhos, biscoitos recheados e aquele picolé feito lá, embrulhado lá, cor de framboesa, que você vai chupando, chupando a cor e ele se torna branco e a boca vermelha, aquele, confessem, é o sorvete mais refrescante que existe.

Em Manaus passa uma charrete de madrugada com cheiros-verdes orvalhados. Às seis da manhã já murcharam.

E tem outra historia da Sylvia Plath, a mesma que se encantou com os porcos e com a singularidade dos ingleses. Hospedou-se numa casa, observou tudo e, na hora de dormir, a dona da casa ofereceu bolsas de água quente ou gatos, pois não tinha nem bolsas nem gatos suficientes para todos. A poetisa escolheu o gato.

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Um novo livro, uma nova ideia http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/09/um-novo-livro-uma-nova-ideia/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/09/um-novo-livro-uma-nova-ideia/#comments Wed, 09 Oct 2013 06:02:33 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1201 Continue lendo →]]> Ah, o ser humano é um fofoqueiro. (Quase todos.) Me expliquem por que compramos livros sérios, de estudo, de trabalho, e lemos primeiro a biografia da Lily Safra?

E está acontecendo uma coisa desagradável comigo —será que com vocês também? Já confessei minhas compras compulsivas de e-books. Também, não compro mais nada —nem caixas de fósforos. Então, sem enxergar, meio desvairada, clico o livro que foi mencionado naquele instante na TV e ele cai no meu colo.

Não seria tão grave, se eu não me considerasse imediatamente dona daquela sabedoria. Por exemplo: estão acontecendo as passeatas de rua. O sociólogo Dória diz que uma boa leitura sobre o assunto é Manuel Castells. Clique. Já nos achamos entendidos no assunto só com o clique. Entenderam? O simples “ter” o livro já nos deixa prenhe de conhecimento.

Há pouco tempo, uns dois anos, descobri um americano, David Foster Wallace. (Já morreu.) Eu andava procurando por sobremesas, com certeza, fiz uma parada para ler uma entrevista dele sobre TV e me amarrei. As entrevistas são sempre ótimas. Por escrito.

DFW usava uma bandana na testa para segurar o suor que escorria quando ele falava em público.

Ah, que pena, nos livros que li não fala em comida. Ler as coisas que ele escreveu sobre tênis ou sobre a espera de uma encomenda de marijuana deixa o leitor esvaziado, remexido —no caso da “marijuana”, até deprimido. Mexe com emoções profundas. Já pensaram como ele escreve bem? Imagine que deleite seria vê-lo falando de comida. (Quando Nabokov descreve uma partida de tênis da sua ninfeta, também dá um banho de competência. Tênis, afinal, não deve ser tão sem graça.)

Logo teremos seu livro principal, “Infinite Jest”, publicado pela Companhia das Letras, o “Infinda Graça”. Pelo achado do título, a tradução vai ser boa.

Bom, tudo isso para falar nos livros de cozinha, e lembrando sempre que cozinheiro que só lê sobre cozinha vai ser pior do que qualquer outro que seja mais curioso. (Falo muito isso, mas não sei de verdade se é verdade.)

Mas, se tivermos uma boa antologia e alguns clássicos, podemos nos virar a vida inteira; não há tempo para executar todas as receitas do mundo. Quando, de repente, aparece um livro, fotos maravilhosas, nova concepção na arte de cozinhar, lá vai o cozinheiro atrás. Não é um bom vício. O livro de cozinha deve ser somente para consulta. Acho que de cada compra de livro pode sair, mas nem sempre sai, uma nova ideia.

Ideia que, se for muito nova, ninguém aceitará, e olharemos o cozinheiro inventor com olhos vítreos, como: “Gelatina na moda outra vez? Carne com peixe? Picles de uva muito doce? Raviolini com couve frita em vez de parmesão?”.

O criador e aventureiro a certa altura desiste de mostrar o que somente ele está vendo. Dez anos depois, começam a farejar aquilo de dez anos antes, e só queremos saber de gelatinas e de conservas de uvas muito doces. Aquele que viu desde a primeira vez já enjoou totalmente e está noutra parada, fazendo um ovo frito na cachaça do qual ninguém quer saber. Ovo frito na cachaça? Olhar vítreo. É assim a vida.

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O cheiro da palmeirinha http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/02/o-cheiro-da-palmeirinha/ http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2013/10/02/o-cheiro-da-palmeirinha/#comments Wed, 02 Oct 2013 06:00:27 +0000 http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/?p=1186 Continue lendo →]]> Se faltar assunto é só começar a se lembrar de cheiros. Todos os leitores se transformam imediatamente em Prousts, espirrando memórias profundas que dariam volumes. E tem um cheiro, do qual escrevi na semana passada, que não deixa pedra sobre pedra. É o das cicas da orla de Santos, as tais que lembram besouros esmagados.

Até o Ucho Carvalho não aguentou, “volta e meia escuto relatos apaixonados pelo perfume das cicas e me sinto feliz, vingado e compreendido, pelas tantas vezes que apelo a ele, quando falo da minha infância. Faço dele trampolim para voar na minha memória caiçara, mas quase sempre a plateia passa longe de entender o quanto cabe nesse cheiro acre.”

“A cica, a tal palmeirinha de sagu foi muito apreciada no paisagismo brasileiro do início do século 19 e assim virou sinônimo de exotismo daquele francesismo caipira que nossos avós cultivavam nos seus jardins. Mas, para mim, o vigor da lembrança do seu perfume, vem dos jardins da praia de Santos, onde nasci e fui criado. Palmeira elegante, fotogênica, cabe inteira em todos os fundos das fotos de infância, porque não crescem altas, mas largas e de tronco grosso. Com o calor das tardes de verão, assim que a chuva cai, ela solta seu cheiro tropical, que embora forte e arrojado, anda lado a lado com a preguiça e a modorra dessa época do ano.

Lembro bem de suas folhas brilhantes refletindo a luz dos postes acesos, de noitinha, na volta pra casa, um bando de crianças apressadas (ficaram na rua até o último minuto de sol) para jantar. Em março, tinha um espetáculo engraçado: o padre passava com seus ajudantes na casa da minha avó e rapavam todas as palmas de uma dessas imensas que se impunha na frente de seu jardim. Levavam para distribuir na porta da igreja no Domingo de Ramos.

A missa era divertida, com aquelas pessoas vibrando as palmas pro alto, repetindo os gestos do povaréu na entrada de Jerusalém. Minha avó achava uma glória, mas eu ficava com pena daquelas cicas carecas, meses a fio.”

A Ruth Levy: “Não compro nenhuma fruta sem antes sentir o cheiro. Quando era criança, cheirava a comida antes de pôr na boca, minha mãe ficava brava e dizia que era feio, que as pessoas iam achar que eu estava desconfiando da qualidade. Então, disfarçadamente, eu colocava o garfo na boca e levantava bem pra sentir o cheiro junto…”

Alguém lembrou-se do cheiro de bala de coco ainda quente, sendo puxada… Do perfume Bandit de Piguet que a mãe dela usava. Outra sente “cheiros até demais, conheço lugares e pessoas, livros e roupas tudo só pelo cheiro! Única coisa que gosto que não tem cheiro é a música, mas aí uso meu outro sentido apurado, meus ouvidos de tuberculosa! Coisas de míope!”.

A colunista da Folha, Suzana Herculano-Houzel, na mesma semana que falamos em narizes, nos convidou a testar nossas habilidades olfativas andando de quatro, como os cachorros.

Em algum lugar do mundo experimentaram e deu certo! Temos um belo narigão tal qual o deles. É somente requentar e usar! E aqui para nós o segredo das cicas é que são para lá de sexies!

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